As 12 Melhores Séries de Norman Lear: um panorama do legado que redefiniu a comédia televisiva

O falecimento de Norman Lear, em 2023, aos 101 anos, encerrou uma trajetória que alterou de forma permanente o que a televisão norte-americana considerava aceitável em horário nobre. Antes de sua ascensão, sitcoms tradicionais, como “I Love Lucy” e “The Honeymooners”, tratavam pontualmente de assuntos espinhosos, mas ainda operavam majoritariamente como simples escapismo. Foi a partir da obra de Lear que discussões sobre política, racismo, feminismo, privilégio econômico e direitos civis entraram no roteiro humorístico de forma direta. Para dimensionar essa mudança, o presente ranking reúne 12 títulos que a própria crítica especializada considera os mais representativos dessa virada, obedecendo à ordem de relevância estabelecida originalmente pela lista de referência.
- 12. The Deputy (1959-1961)
- 11. Fernwood 2 Night (1977-1978)
- 10. Channel Umptee-3 (1997)
- 9. All’s Fair (1976-1977)
- 8. One Day at a Time (1975-1984)
- 7. Good Times (1974-1979)
- 6. One Day at a Time (2017-2020)
- 5. Sanford and Son (1972-1977)
- 4. Mary Hartman, Mary Hartman (1976-1977)
- 3. Maude (1972-1978)
- 2. The Jeffersons (1975-1985)
- 1. All in the Family (1971-1979)
12. The Deputy (1959-1961)
O ponto de partida é um faroeste que foge aos estereótipos de tiroteios incessantes. “The Deputy”, coproduzido por Lear, acompanha o chefe de justiça Simon Fry, interpretado por Henry Fonda, em 76 episódios distribuídos entre 1959 e 1961. Apesar de pertencer a um gênero diferente das comédias posteriores, a série já deixava claro o interesse do autor por dilemas morais mais profundos: conflitos eram resolvidos por meio de diálogos, não apenas pela força. Em entrevistas posteriores, Lear creditou ao parceiro Roland Kibbee a confiança necessária para seguir adiante em narrativas centradas em pessoas comuns e seus dilemas, lição que serviria de alicerce para toda a filmografia futura.
11. Fernwood 2 Night (1977-1978)
A sátira a talk shows “Fernwood 2 Night” nasceu como derivação de “Mary Hartman, Mary Hartman” e, desde a estreia, usou entrevistas absurdas para comentar a própria cultura televisiva. Com Martin Mull e Fred Willard à frente, o formato simulava um programa local fictício que, na segunda temporada, mudou de nome para “America 2 Night” e se transferiu de Ohio para a Califórnia. O deslocamento permitiu participações especiais de personalidades como Mark Hamill, Charlton Heston e Carol Burnett, que apareciam como elas mesmas e contribuíam para o humor autorreferencial. A combinação de celebridades dispostas a rir da própria imagem e piadas de humor negro antecipou tendências que décadas mais tarde seriam exploradas em atrações como “The Larry Sanders Show”.
10. Channel Umptee-3 (1997)
Exibida pela Kids’ WB, “Channel Umptee-3” foi pensada para o público infantil da década de 1990. A animação mostrava três criaturas que comandavam uma estação pirata de televisão e, a cada episódio, ensinavam a valorizar aspectos cotidianos — de uma boa noite de sono à companhia de um gato. Foram apenas 13 capítulos, hoje difíceis de localizar em mídias oficiais, mas suficientes para evidenciar a versatilidade de Lear ao transitar entre formatos. Mesmo com vida curta, a produção funciona como registro de que o criador sabia adaptar seu olhar crítico à linguagem do desenho animado, mantendo a intenção educativa.
9. All’s Fair (1976-1977)
Em “All’s Fair”, Lear levou o conflito político para o centro de uma relação amorosa entre um colunista conservador mais velho, vivido por Richard Crenna, e uma fotógrafa liberal mais jovem, papel de Bernadette Peters. O casal, compromissado apesar das divergências, discutia temas quentes dos Estados Unidos pós-Watergate em ritmo acelerado, muitas vezes aos gritos. Embora tenha durado apenas uma temporada, a série demonstrou que era possível estruturar um romance sobre visões de mundo opostas e, ao mesmo tempo, entregar humor afiado. O dinamismo entre os dois protagonistas se tornou o suporte para manter o interesse do público, mesmo diante de premissa potencialmente desgastante.
8. One Day at a Time (1975-1984)
Lançada em 1975, a versão original de “One Day at a Time” quebrou convenções ao retratar uma mãe divorciada, Ann Romano, lutando para criar as filhas Julie e Barbara. Na época, o divórcio se tornava estatisticamente mais frequente nos Estados Unidos, e Lear usou a tela para discutir o impacto disso tanto na mulher adulta quanto nas adolescentes. O seriado também reforçou a ideia de que casamento não é objetivo obrigatório para a realização feminina. Dessa forma, introduziu um debate sobre emancipação da mulher que outros formatos ainda evitavam.
7. Good Times (1974-1979)
Derivada de “Maude”, que por sua vez vinha de “All in the Family”, “Good Times” centrou-se na família Evans, mostrando os desafios de sobreviver em meio à pobreza. O patriarca James tentava equilibrar desemprego, subempregos e o preconceito do entorno. Apesar do pano de fundo difícil, o roteiro deixava espaço para piadas internas e momentos de união. Anos mais tarde, o ator John Amos, que deixou a produção após a terceira temporada, destacou a importância de retratar um núcleo negro enfrentando dificuldades financeiras com humor, recurso que, segundo ele, facilitava a transmissão da mensagem social.
6. One Day at a Time (2017-2020)
Quase quatro décadas depois, Lear participou como produtor executivo da releitura de “One Day at a Time”. A nova versão manteve o formato multicâmera e a plateia ao vivo, porém trocou o contexto da família branca pelo de um lar cubano-americano comandado por Penélope, veterana de guerra e mãe solteira. O roteiro atualizou os conflitos para incluir racismo, homofobia e discussões sobre identidade de gênero, assuntos que não figuravam no mainstream na década de 1970. A série teve três temporadas na Netflix e uma quarta, final, exibida pela Pop TV.
5. Sanford and Son (1972-1977)
Com Redd Foxx no papel de Fred Sanford, “Sanford and Son” apresentou ao público um protagonista de temperamento explosivo, dono de um ferro-velho no qual vive e trabalha com o filho Lamont. A dinâmica gerava embates constantes, seja porque o patriarca arquitetava esquemas para enriquecer rápido, seja porque defendia opiniões controversas. O sucesso comercial abriu portas para outras sitcoms lideradas por atores negros e, até hoje, a música de abertura composta para a atração é lembrada como uma das mais emblemáticas dos anos 1970.
4. Mary Hartman, Mary Hartman (1976-1977)
Entre as criações mais singulares de Lear, “Mary Hartman, Mary Hartman” parodiou a estrutura dos melodramas diários. Ao longo de mais de 300 episódios, produziu situações absurdas em torno de Mary, dona de casa apática que via em produtos de consumo a solução para problemas existenciais. A ausência de trilha de risadas reforçava o tom desconfortável do humor, fazendo o espectador oscilar entre o riso e a inquietação diante de acontecimentos por vezes violentos. A série antecipou o gosto contemporâneo por metalinguagem e experimentalismo.
3. Maude (1972-1978)
Introduzida originalmente como prima de Edith Bunker em “All in the Family”, Maude Findlay ganhou série própria em 1972. Dotada de postura francamente liberal, a personagem, vivida por Bea Arthur, colocava em choque ideias tradicionais e progressistas. Entre os arcos narrativos mais comentados está o que trata de gravidez tardia e aborto, exibido poucos meses antes de a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizar o procedimento. O enredo mostrou que era viável discutir políticas públicas em tom de comédia, sem sacrificar a complexidade do tema.
2. The Jeffersons (1975-1985)
George e Louise Jefferson surgiram como vizinhos dos Bunker, mas conquistaram independência narrativa ao se mudarem para um apartamento de luxo no East Side de Manhattan. Ao retratar uma família negra economicamente bem-sucedida, “The Jeffersons” contrapunha-se a produções que associavam negritude à escassez financeira. Mesmo assim, o roteiro não ignorava o racismo estrutural, explorando episódios como aquele em que George salva a vida de um membro da Ku Klux Klan e é, ainda assim, alvo de ódio. O contraste entre prosperidade e preconceito oferecia material abundante para crítica social.
1. All in the Family (1971-1979)
No topo do ranking está “All in the Family”, apontada pelos especialistas como a obra mais influente de Lear. A trama girava em torno de Archie Bunker, operário de fala franca e preconceituosa que confrontava as visões liberais da filha Gloria e do genro Michael. O formato adaptava a série britânica “Till Death Us Do Part”, mas adquiriu identidade própria, tornando-se referência para futuras representações de patriarcas ranzinzas na cultura pop – de figuras animadas como Peter Griffin a personagens live-action como Mike Baxter. Principalmente, o seriado abriu caminho para que outros roteiristas introduzissem tópicos sensíveis no horário nobre, redefinindo o potencial da comédia televisiva.

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