O Presidente chinês, Xi Jinping, recebeu esta terça-feira o homólogo russo, Vladimir Putin, em Pequim para o arranque de negociações bilaterais que antecedem o maior desfile militar alguma vez organizado pelo país. O encontro realiza-se na véspera das comemorações do 80.º aniversário da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial, cerimónia que irá concentrar milhares de militares na capital chinesa.
Relações em “nível sem precedentes”
Na abertura das conversações, Putin afirmou que a cooperação entre Moscovo e Pequim atingiu um “nível sem precedentes”. O líder russo salientou que a comunicação frequente entre as duas capitais confirma o carácter estratégico da parceria. Xi Jinping, por seu lado, declarou que a ligação entre os dois países resistiu às mudanças internacionais e que Pequim está disposta a trabalhar com Moscovo para promover “um sistema de governação global mais justo e razoável”.
As palavras dos dois chefes de Estado ecoam a caracterização da relação sino-russa como uma “amizade sem limites”, expressão utilizada em encontros anteriores. Em maio, Xi deslocou-se a Moscovo para participar nas celebrações do Dia da Vitória, assinalando a derrota da Alemanha nazi. A reciprocidade das visitas sustenta o ritmo intenso de contactos ao mais alto nível.
Agenda diplomática e críticas ao Ocidente
O encontro em Pequim surge num momento em que Xi procura reforçar a imagem da China como potência económica estável e interlocutor diplomático de peso, numa fase marcada por tensões comerciais com os Estados Unidos. Durante a reunião, os dois dirigentes condenaram práticas que classificaram como “intimidação” e “pensamento de Guerra Fria”, referências implícitas ao Ocidente.
Putin voltou a justificar a ofensiva russa na Ucrânia, atribuindo a responsabilidade do conflito às capitais ocidentais. Pequim, que nunca criticou publicamente a intervenção militar russa, tem sido acusada por Washington e aliados de fornecer materiais de uso dual e de aumentar a compra de petróleo russo, alegações rejeitadas pelas autoridades chinesas.
Organização de Cooperação de Xangai propõe nova ordem
Antes da deslocação a Pequim, os dois líderes participaram na cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) em Tianjin. Xi apelou aos Estados membros para que se oponham a blocos rivais e à confrontação, enquanto Putin descreveu os resultados da OCX como base para substituir modelos “euro-cêntricos e euro-atlânticos” de governação mundial.
Desfile militar com convidados selecionados
O desfile de quarta-feira será o maior alguma vez realizado na China. A parada assinala oito décadas desde a rendição do Japão na China, um marco histórico que Pequim pretende sublinhar com demonstração de meios militares de última geração.
Poucos líderes ocidentais deverão marcar presença, em protesto contra a campanha militar russa na Ucrânia. Entre os convidados destaca-se o líder norte-coreano, Kim Jong Un, que atravessou a fronteira para a China num comboio especial. Trata-se da sua primeira participação num evento multilateral internacional e da primeira vez, desde 1959, que um dirigente norte-coreano assiste a uma parada militar chinesa.
Pyongyang tem fornecido armas e tropas a Moscovo para a ofensiva na Ucrânia, segundo acusações ocidentais. O alinhamento entre Coreia do Norte, Rússia e China reforça a narrativa de um eixo que se apresenta como alternativa às alianças lideradas pelos Estados Unidos.
Calculismo estratégico de Pequim
Para Xi Jinping, o encontro com Putin insere-se numa estratégia mais vasta de projeção de influência. Ao acolher o líder russo numa data simbólica, Pequim reforça a imagem de parceiro confiável para economias emergentes e mostra capacidade de reunir aliados enquanto o equilíbrio global de poder se ajusta.
A insistência chinesa numa ordem internacional “mais justa” surge em paralelo com esforços para alargar a presença no Sul Global, oferecendo financiamento em infraestruturas e acesso ao mercado interno. A cooperação com Moscovo, que inclui energia, defesa e coordenação diplomática, constitui um elemento essencial desse plano.
As negociações prosseguem em Pequim com expectativas de novos acordos económicos e militares. Detalhes específicos não foram divulgados, mas ambos os governos sublinham que a colaboração em energia, comércio e desenvolvimento tecnológico continuará a ser aprofundada.