Estudo indica que verdadeiro vício em Instagram atinge só 2% dos usuários, apesar da alta autopercepção de dependência

A impressão generalizada de que o Instagram provoca dependência em grande parte de seus usuários não encontra apoio concreto nos números. Uma investigação publicada na revista Scientific Reports, parte do grupo Nature, examinou mais de 1.200 adultos e concluiu que somente 2 % deles apresentavam sinais compatíveis com um quadro clínico de vício. Ao mesmo tempo, 18 % afirmaram sentir, pelo menos em parte, que são “viciados”. Em outras palavras, para cada pessoa que realmente reúne critérios de dependência, pelo menos oito acreditam ter um problema que não existe.
- Como a pesquisa foi conduzida e quem participou
- Hábito e vício: fenômenos diferentes que costumam ser confundidos
- O efeito de se autodeclarar “viciado”
- Como o discurso público reforça a sensação de dependência
- Perfil de quem mais acredita estar dependente
- Estratégias recomendadas para quem deseja mudar o hábito
- O papel das plataformas e das políticas públicas
Como a pesquisa foi conduzida e quem participou
O trabalho foi realizado em duas etapas. Na primeira, especialistas avaliaram a prevalência real de sintomas clínicos em usuários do Instagram. Foi aplicado um questionário padronizado a 1.200 adultos, distribuídos em diferentes níveis de frequência de uso. A amostra permitiu comparar comportamentos cotidianos, percepções pessoais e eventuais prejuízos na rotina.
A segunda etapa investigou se a mera ideia de estar viciado poderia alterar a relação do indivíduo com o aplicativo. Para isso, voluntários foram convidados a escrever durante dois minutos sobre ocasiões em que sentiram que utilizavam o Instagram de forma problemática. Esse exercício simples produziu mudanças imediatas na forma como avaliavam seu próprio uso, mesmo sem modificar o comportamento real.
Hábito e vício: fenômenos diferentes que costumam ser confundidos
Os autores destacam que hábito e vício não são sinônimos. Hábito refere-se a ações repetidas em contextos específicos, como desbloquear o celular pela manhã e abrir o Instagram sem pensar. É um comportamento automático, reconhecido por quase metade dos participantes. Já o vício exige sinais clínicos definidos, entre eles abstinência quando o acesso é interrompido, perda significativa de controle e prejuízo concreto em atividades diárias. Esses critérios apareceram em apenas 2 % da amostra.
A confusão entre os termos aumenta porque o uso frequente, mesmo quando não causa danos, pode parecer excessivo ao próprio usuário. Essa sensação se intensifica à medida que a pessoa consome conteúdos que rotulam o comportamento como dependência, criando um ciclo de autoavaliação negativa.
O efeito de se autodeclarar “viciado”
No experimento de escrita reflexiva, participantes passaram a relatar menor sensação de autonomia. Lembraram com mais frequência de tentativas frustradas de reduzir o tempo de tela, sentiram culpa ao permanecer no aplicativo e julgaram que precisariam diminuir a exposição futuramente. Nenhum desses efeitos estava ligado a uma mudança objetiva no tempo de uso; tratava-se unicamente de alteração na percepção subjetiva.
Para os pesquisadores, o rótulo “vício” pode se tornar um obstáculo adicional. Quando o indivíduo assume que perdeu totalmente o controle, tende a considerar o problema maior do que realmente é, dificultando estratégias simples de ajuste de hábito. Em casos sem dependência clínica, essa ótica fatalista pode produzir frustração desnecessária.
Como o discurso público reforça a sensação de dependência
O ambiente digital amplia a associação entre redes sociais e vício. Em três anos, mais de 4.300 reportagens mencionaram diretamente vício em plataformas sociais, enquanto apenas 50 matérias utilizaram o termo “hábito digital”. Conteúdos que traziam a palavra “vício” geraram mais de 70 mil interações, sinalizando maior alcance e engajamento. Essa visibilidade fortalece a crença de que a dependência é comum, mesmo quando os dados indicam o contrário.
Esse desequilíbrio na cobertura midiática serve de pano de fundo para a autoavaliação do usuário. Quanto mais o tópico aparece em manchetes, mais as pessoas tendem a encaixar sua experiência pessoal na narrativa da dependência, independentemente da presença real de sintomas clínicos.
Perfil de quem mais acredita estar dependente
A pesquisa identificou que usuários frequentes apresentam duas características simultâneas: maior chance de se sentirem viciados e probabilidade ligeiramente maior de corresponder aos critérios clínicos. Ainda assim, a proporção dos que apenas se percebem dependentes supera amplamente a dos casos médicos. Fatores como idade e gênero não influenciaram a autopercepção.
Estudos paralelos citados pelos autores mostram padrão semelhante em outras plataformas, como o TikTok, especialmente entre universitários. Isso sugere que a tendência a superestimar a dependência não se limita ao Instagram e pode refletir uma dinâmica geral de redes sociais.
Estratégias recomendadas para quem deseja mudar o hábito
Embora o vício genuíno seja raro, muitas pessoas buscam reduzir o acesso automático à plataforma. Os pesquisadores defendem abordagens simples, voltadas para a quebra de gatilhos ambientais em vez de tratamentos complexos voltados a dependência. Entre as práticas indicadas estão:
• Reduzir notificações: desligar alertas sonoros e visuais impede que o celular atue como lembrete constante.
• Reorganizar a tela inicial: deslocar o ícone do Instagram para uma pasta menos acessível diminui o impulso de abertura instantânea.
• Deixar o aparelho fora de vista em horários específicos: afastar o celular da mesa de trabalho ou do quarto à noite ajuda a interromper o ciclo de checagem involuntária.
• Usar modo em tons de cinza: remover cores torna o feed menos estimulante, reduzindo o reforço visual.
• Substituir a ação automática: quando surgir o impulso de abrir o app, optar deliberadamente por outra atividade, como alongar-se ou abrir um aplicativo de leitura.
Essas intervenções elevam a sensação de controle sem rotular o comportamento como falha grave de autocontrole. Para a maioria, mudanças graduais bastam para alcançar o nível de uso desejado.
O papel das plataformas e das políticas públicas
Os dados sugerem que as próprias redes poderiam colaborar com ferramentas que interrompessem hábitos automáticos, como lembretes de tempo ou bloqueios temporários. Contudo, isso contraria modelos de negócio baseados em engajamento contínuo. A depender desse conflito, mudanças mais profundas podem ficar condicionadas a políticas públicas que exijam opções de gestão de uso mais evidentes.
Diante do panorama revelado, a distinção clara entre hábito e vício pode ajudar usuários, profissionais de saúde e formuladores de políticas a focar esforços onde realmente há risco clínico, evitando que a maioria saudável se sinta indevidamente culpada ou desamparada.

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