O filme de Resident Evil idealizado por George Romero e os motivos que impediram sua realização

Um encontro entre o diretor que redefiniu os zumbis no cinema e a franquia de jogos que popularizou o terror de sobrevivência parecia imbatível. Ainda assim, a adaptação de Resident Evil concebida por George A. Romero jamais chegou às salas de exibição. A seguir, são destrinchadas as origens dessa parceria, os detalhes do roteiro elaborado pelo cineasta, os fatores que levaram à rejeição do projeto e a forma como a proposta permanece viva na memória dos fãs.
- Quem era George A. Romero e por que sua ligação com Resident Evil fazia sentido
- O sucesso do jogo e o primeiro contato entre Capcom e Romero
- O comercial japonês de 1998: primeiro teste de colaboração
- Convite formal e desenvolvimento do roteiro cinematográfico
- Elementos narrativos e visuais propostos por Romero
- Contraponto: a versão que chegou aos cinemas em 2002
- Fatores que inviabilizaram o longa de Romero
- Repercussão posterior e interesse renovado
- Comparação de resultados comerciais
- Por que o projeto permanece relevante
Quem era George A. Romero e por que sua ligação com Resident Evil fazia sentido
Em 1968, Romero lançou A Noite dos Mortos-Vivos, produção de baixo orçamento que alterou de forma definitiva a representação dos mortos-vivos. O longa removeu a imagem folclórica dessas criaturas e as transformou em metáfora capaz de comentar temas como racismo e paranoia em plena Guerra Fria. O impacto imediato abriu caminho para continuações e inspirou cineastas ao redor do mundo.
Nos anos seguintes, o diretor solidificou seu estilo com Despertar dos Mortos (1978) e Dia dos Mortos (1985). Nessas obras, hordas famintas, colapso social e grupos de sobreviventes enclausurados tornaram-se elementos padrão do apocalipse zumbi, composição que segue influente décadas depois. Durante a década de 1990, portanto, Romero era sinônimo de legitimidade sempre que o tema envolvia mortos-vivos.
O sucesso do jogo e o primeiro contato entre Capcom e Romero
Lançado em 1996, Resident Evil alcançou repercussão internacional com suas câmeras fixas, atmosfera claustrofóbica e narrativa inspirada em filmes de terror. Reconhecendo esse potencial cinematográfico, a Capcom vislumbrou uma expansão da marca para além dos consoles. O estúdio japonês buscou justamente Romero, cujo trabalho influenciara o criador da série, Shinji Mikami.
O comercial japonês de 1998: primeiro teste de colaboração
Em 1998, Romero dirigiu um anúncio televisivo para Resident Evil 2 (Biohazard 2 no Japão). A peça, estrelada por Brad Renfro e Adrienne Frantz, ambientava-se em um presídio infestado de zumbis. Sombria e sufocante, a filmagem ressaltava o perfeccionismo do diretor na composição de cenários e na caracterização dos inimigos. Embora veiculado apenas no mercado japonês, o comercial impressionou executivos da Sony e da Capcom, abrindo espaço para discussões sobre um longa-metragem.
Convite formal e desenvolvimento do roteiro cinematográfico
Animadas pelo resultado do anúncio, Sony e Capcom convidaram Romero a escrever e dirigir uma versão para o cinema baseada no jogo original. O diretor concluiu o primeiro tratamento de roteiro em aproximadamente seis semanas. A história permanecia quase integralmente na mansão Spencer e incluía personagens centrais do game, como Chris Redfield e Jill Valentine. A estrutura reproduzia o suspense de exploração lenta vivenciado pelos jogadores, com ênfase na tensão crescente e na escassez de recursos.
Elementos narrativos e visuais propostos por Romero
Para criar um terror próximo ao material de origem, Romero planejou incorporar criaturas emblemáticas que exigiriam elaborados efeitos práticos e digitais. Entre elas estavam o tubarão zumbi, a cobra gigante e a planta carnívora. A ambientação privilegiava corredores estreitos, iluminação limitada e sons diegéticos capazes de intensificar a sensação de isolamento.
O roteirista também introduziu alterações de caracterização. Chris Redfield deixaria de ser apenas integrante da S.T.A.R.S. e surgiria como um nativo americano proprietário rural, aproximado do enredo ao descobrir atividades suspeitas na mansão. Esse Chris manteria um vínculo romântico com Jill, enquanto a personagem feminina carregaria uma ligação confidencial com a Umbrella, nuance que ampliaria o suspense acerca da lealdade da equipe.
O desfecho previa a destruição da mansão após a erradicação do T-vírus local, mas revelava que a contaminação começava a alcançar Raccoon City, sinalizando continuações. Tal conclusão espelhava o encerramento do jogo e criava ganchos naturais para franquias futuras.
Contraponto: a versão que chegou aos cinemas em 2002
Enquanto Romero defendia fidelidade quase total ao enredo de 1996, a produção finalmente lançada em 2002, dirigida por Paul W. S. Anderson, trilhou direção oposta. Nessa adaptação, surgiram personagens inéditos, como Alice, interpretada por Milla Jovovich, e cenas de ação coreografadas em ritmo acelerado, influenciadas por títulos como Matrix. Muitos monstros clássicos do jogo foram descartados, e o horror lento deu lugar ao espetáculo visual.
Fatores que inviabilizaram o longa de Romero
Apesar do entusiasmo inicial, o roteiro de Romero enfrentou resistência interna. Segundo declarações públicas do produtor da Capcom Yoshiki Okamoto, a história não atendia às expectativas do estúdio. Além das divergências criativas, os custos projetados para dar vida a monstros complexos levantaram preocupações financeiras.
A Constantin Film, responsável pela produção, avaliou que o público-alvo deveria ir além dos jogadores assíduos e, portanto, exigia abordagem mais acessível. A fidelidade minuciosa proposta por Romero foi percebida como barreira comercial. Diante desses fatores, o cineasta foi desligado do projeto, episódio que lhe causou frustração, sobretudo por ver seu estilo — a base da inspiração original — descartado na adaptação do próprio jogo.
Repercussão posterior e interesse renovado
A trajetória inacabada do filme nunca deixou de intrigar a comunidade de horror e de games. Em 2024, o documentário George A. Romero’s Resident Evil, dirigido por Brandon Salisbury, reuniu entrevistas, versões do roteiro e artes conceituais. A produção ofereceu vislumbres de cenários, criaturas e escolhas narrativas, reacendendo debates sobre o que poderia ter sido a união entre Romero e a Capcom.
Comparação de resultados comerciais
A opção final adotada pelo estúdio resultou em uma série de seis longas-metragens comandada por Anderson, que acumulou mais de 1,2 bilhão de dólares em bilheteria global. Embora financeiramente bem-sucedida, a saga ainda hoje divide opiniões quanto à lealdade ao material de origem, mantendo viva a curiosidade sobre a versão alternativa de Romero.
Por que o projeto permanece relevante
Mesmo sem sair do papel, o filme idealizado por George A. Romero ocupa lugar singular na cultura pop. Ele representa um raro ponto de convergência entre o criador moderno dos zumbis e o título que revitalizou o gênero nos videogames. Diferenças criativas, estimativas orçamentárias elevadas e a estratégia de alcançar um público mais amplo impediram a concretização do longa, mas não apagaram sua importância como caso emblemático de oportunidade perdida na indústria do entretenimento.
O material revelado ao longo dos anos — incluindo roteiros preliminares, storyboards e depoimentos — oferece ampla base para discussões sobre fidelidade, viabilidade e intenção artística. Para fãs de cinema e de jogos eletrônicos, conhecer os caminhos percorridos e os impasses enfrentados por Romero ilumina a complexa relação entre criação autoral, expectativas de mercado e escolhas executivas em grandes franquias.

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