Brasil poderá enfrentar até um mês de racionamento de água por ano em algumas regiões até 2050, aponta estudo

Estudo nacional projeta escassez hídrica crescente
Uma análise estatística realizada pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria Ex Ante projeta que, até 2050, o abastecimento hídrico de municípios brasileiros sofrerá interrupções mais frequentes do que as registradas hoje. A pesquisa aponta que a média nacional pode chegar a 12 dias de racionamento de água por ano, enquanto localidades com chuvas historicamente escassas, sobretudo em partes do Nordeste e do Centro-Oeste, poderão conviver com mais de 30 dias de cortes no fornecimento anual.
- Fatores climáticos elevam a pressão sobre reservatórios
- Demanda projetada cresce 59,3 % até 2050
- Urbanização e temperatura influenciam o gasto per capita
- Impacto da umidade e da frequência de chuvas
- Meta de universalização do abastecimento até 2033
- Perdas atuais chegam a 40,3 % da água tratada
- Situação crítica de reservatórios ilustra cenário futuro
- Racionamento regionalizado: Nordeste e Centro-Oeste no foco
- Eficiência hídrica como estratégia de adaptação
- Indicadores orientam definição de prioridades
Fatores climáticos elevam a pressão sobre reservatórios
O levantamento baseia-se em cenários de aumento de temperatura que, segundo os autores, devem se materializar nas próximas duas décadas. A temperatura máxima tende a subir aproximadamente 1 °C em relação a 2023, enquanto a mínima terá acréscimo estimado de 0,47 °C. Com isso, a amplitude térmica diária avançará 0,52 °C até meados do século. Essa mudança interfere diretamente no balanço hídrico, reduzindo em 3,4 % a disponibilidade média de água ao longo do ano e restringindo a reposição natural de rios, reservatórios e aquíferos.
As consequências não se distribuirão de forma homogênea. Municípios situados em áreas semiáridas, já sujeitos a precipitações irregulares, sentirão o impacto primeiro e com maior intensidade. A combinação de temperaturas elevadas, baixa umidade e menos dias chuvosos potencializa a evaporação e diminui a recarga de mananciais, exigindo rodízios mais longos e frequentes.
Demanda projetada cresce 59,3 % até 2050
Além das transformações climáticas, a pesquisa destaca fatores demográficos e econômicos que contribuem para a elevação do consumo. A demanda futura por água deve aumentar 59,3 % em todo o território nacional, resultado direto do crescimento populacional, da expansão da atividade econômica e da elevação da renda média. Segundo os cálculos, salários mais altos tendem a ampliar a aquisição de eletrodomésticos, o uso de equipamentos hidráulicos e, consequentemente, o volume de água utilizado por residência.
Urbanização e temperatura influenciam o gasto per capita
Os modelos estatísticos indicam correlação positiva entre urbanização e consumo diário individual. Para cada ponto percentual acrescentado à parcela de população urbana de um município, projeta-se aumento de 0,96 % no consumo per capita. Esse resultado decorre, em parte, da densidade de serviços, da oferta de infraestrutura e de hábitos de vida mais intensivos em água em centros urbanos, como lavagem de veículos, irrigação de jardins e uso de dispositivos sanitários.
A temperatura ambiente surge como outro determinante crucial. Cada grau Celsius adicional eleva a demanda em 24,9 %. Em dias mais quentes, há maior procura por banhos frios, utilização de sistemas de arrefecimento que dependem de água e aumento da evaporação em reservatórios residenciais. Esse efeito agrava-se quando somado à tendência de aquecimento geral identificada pelo estudo.
Impacto da umidade e da frequência de chuvas
A umidade relativa do ar também influencia o padrão de consumo. De acordo com a análise, cada ponto percentual acrescido na umidade média incrementa o gasto individual em 3,6 %. Ambientes mais úmidos elevam a sensação térmica, promovendo maior consumo em ações cotidianas de higiene.
Em paralelo, a frequência de dias chuvosos interfere na oferta per capita de água. Nos municípios brasileiros, cada dia adicional de chuva na média mensal corresponde a crescimento de 17,4 % na disponibilidade, pois as precipitações recarregam corpos d’água superficiais, lençóis freáticos e reservatórios artificiais. Regiões tropicais próximas à costa, caracterizadas por alta pluviosidade e temperaturas elevadas, tendem a exibir oferta relativamente confortável. Já áreas de cerrado e caatinga, com chuvas raras, permanecem mais vulneráveis a cortes.
Meta de universalização do abastecimento até 2033
Os autores do estudo trabalham com a premissa de que a universalização dos serviços de água ocorrerá até 2033. Esse horizonte contempla expansão de redes, tratamento e ligações domiciliares para atender toda a população. Caso a cobertura atinja 100 %, o volume total distribuído aumentará, pressionando a captação de mananciais e exigindo sistemas mais eficientes para evitar desperdícios.
Perdas atuais chegam a 40,3 % da água tratada
Uma vulnerabilidade adicional evidenciada no relatório é o índice de perdas na distribuição. Atualmente, 40,3 % da água que sai das estações de tratamento não chega ao usuário final devido a vazamentos, ligações clandestinas e falhas operacionais. Esse montante equivale a sete bilhões de metros cúbicos por ano, volume que, segundo os cálculos, seria suficiente para suprir a demanda estimada para as próximas duas décadas.
O Plano Nacional de Saneamento estabelece meta de reduzir as perdas para 25 %. Atingir esse resultado poderia aliviar a necessidade de novos pontos de captação, prolongar a vida útil de reservatórios e atenuar a frequência de racionamentos projetada. No entanto, a adequação de redes antigas, o uso de materiais mais resistentes e a adoção de tecnologias de detecção de vazamentos exigem investimentos substanciais.
Situação crítica de reservatórios ilustra cenário futuro
O estudo menciona que, neste ano, a represa Jaguari/Jacareí registrou o menor nível hídrico dos últimos nove anos. O episódio funciona como exemplo concreto do estresse a que os sistemas estão sujeitos. Reservatórios operando no limite tendem a reduzir a margem de segurança durante eventos extremos, como secas prolongadas ou ondas de calor.
Racionamento regionalizado: Nordeste e Centro-Oeste no foco
A projeção de mais de 30 dias de racionamento nas macrorregiões Nordeste e Centro-Oeste prende-se à conjunção de fatores climáticos adversos e infraestrutura limitada. Municípios dessas áreas contam com precipitações anuais bem abaixo da média nacional e dependem de reservatórios susceptíveis a evaporação intensa. Além disso, a disponibilidade de aquíferos pode ser menor em função de formações geológicas específicas.
Embora outras regiões apresentem cenários relativamente menos severos, nenhuma ficará totalmente imune ao impacto combinado de temperatura, expansão urbana e perdas sistêmicas. Mesmo nos centros com maior oferta hídrica, os 12 dias médios de racionamento representam um desafio de planejamento para empresas de saneamento e administrações municipais.
Eficiência hídrica como estratégia de adaptação
Os autores do relatório reforçam a importância de medidas imediatas para aumentar a eficiência na gestão da água. Entre as ações sugeridas estão a modernização de redes, a implementação de programas de detecção e reparo de vazamentos, o incentivo à medição individualizada e o uso de soluções de reuso em setores industriais. Tais iniciativas, aliadas a campanhas de consumo responsável, podem mitigar parte da pressão prevista e adiar a necessidade de ampliar obras de captação.
O documento também enfatiza a integração entre políticas de saneamento e planejamento urbano. Cidades mais compactas, com sistemas de drenagem adequados e áreas verdes capazes de reter água da chuva, tendem a reduzir a sobrecarga de redes de distribuição e de tratamento.
Indicadores orientam definição de prioridades
A combinação de variáveis apresentada no estudo — temperatura, umidade, precipitação, nível de urbanização e perdas — fornece uma metodologia para hierarquizar investimentos públicos e privados. Municípios que reúnem alta temperatura média, baixa precipitação e perdas superiores à média nacional necessitam de ações emergenciais. Por outro lado, localidades com oferta razoável, mas com perdas elevadas, podem obter ganhos rápidos apenas com a modernização da infraestrutura.
Ao projetar um horizonte de 2050, o levantamento estabelece parâmetros para que gestores avaliem cenários, dimensionem reservas estratégicas e adotem políticas de adaptação climática. A adoção de práticas de monitoramento meteorológico, o reforço de sistemas de alerta e a construção de estruturas de armazenamento sazonal despontam como caminhos para reduzir a vulnerabilidade.
Em síntese, o cenário traçado sugere que, sem intervenções significativas, a escassez de água deixará de ser evento pontual e se converterá em componente recorrente da rotina urbana brasileira até 2050. O racionamento previsto, ainda que variável regionalmente, sinaliza a urgência de políticas coordenadas de uso racional, combate às perdas e modernização dos sistemas de abastecimento.
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