Por que os diagnósticos de autismo e TDAH aumentaram sem indicar um surto de novos casos

Autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) soam mais presentes no cotidiano do que há poucos anos. Crianças, adolescentes e adultos que antes passariam despercebidos agora recebem laudos formais, o que faz surgir a impressão de que essas condições estariam se multiplicando. A medicina, porém, aponta outro caminho: não há evidência de aumento biológico da prevalência. O volume de diagnósticos sobe porque o olhar clínico ficou mais amplo, a conscientização cresceu e os critérios foram atualizados.
- Percepção coletiva: de casos raros a relatos frequentes
- Definições médicas em evolução
- Critérios mais amplos e “prevalência administrativa”
- Conscientização de pais, educadores e profissionais de saúde
- Impacto específico sobre o TDAH: novas lentes para meninas
- Entendendo o autismo como espectro
- Redes sociais: divulgação e riscos de autodiagnóstico
- Fatores externos investigados
- Diagnóstico antecipado e acompanhamento adequado
- O papel do profissional de saúde diante do novo cenário
- Por que não há evidência de aumento biológico
- Resumo das forças que ampliaram os diagnósticos
- Perspectivas para os próximos anos
Percepção coletiva: de casos raros a relatos frequentes
A sensação de que “todo mundo conhece alguém” no espectro autista ou com TDAH resulta de mudanças sociais. Há poucas décadas, relatos eram esporádicos e restritos a quadros considerados graves. Hoje, escolas, ambientes de trabalho e meios digitais apresentam informações suficientes para que sinais leves também sejam notados. Esse contexto reforça a ideia de explosão de novos casos, embora os especialistas indiquem que, na essência, a quantidade de pessoas afetadas permaneça semelhante.
Definições médicas em evolução
Uma das chaves para compreender os números atuais está na readequação dos manuais diagnósticos. O psicólogo André Varella, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino, explicou durante o 6.º Congresso Internacional Sabará-Pensi de Saúde Infantil que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) passou a incluir manifestações brandas. Há cerca de vinte anos, apenas quadros severos entravam na estatística; hoje, perfis com impacto funcional menor também recebem o código correspondente. A mesma lógica vale para o TDAH, cujos critérios passaram a contemplar apresentações variadas.
Critérios mais amplos e “prevalência administrativa”
Esse alargamento das fronteiras clínicas cria o que o psiquiatra Luís Augusto Rohde descreve como “prevalência administrativa” – expressão usada para diferenciar o número de diagnósticos formais do número real de pessoas biologicamente afetadas. Segundo o especialista, ouvido pelo jornal O Globo, a prevalência administrativa subiu porque os profissionais agora reconhecem sinais que antes não se enquadravam nas classificações vigentes. A consequência direta é um crescimento de laudos, sem que isso represente aumento de novos casos na população.
Conscientização de pais, educadores e profissionais de saúde
Além da revisão dos manuais, o conhecimento público sobre saúde mental ampliou-se. Pais e responsáveis passaram a observar com atenção comportamentos como:
- Dificuldade de interação social;
- Padrões repetitivos de interesse ou conduta;
- Problemas de atenção e organização das tarefas.
No passado, tais sinais podiam ser atribuídos a “timidez”, “agitação” ou “preguiça”. Atualmente, despertam reflexão e encaminhamento ao consultório, favorecendo diagnósticos cada vez mais precoces. Segundo os especialistas, esse aumento de vigilância não significa medicalização indiscriminada, mas reflete maior acesso a informações e a serviços de saúde.
Impacto específico sobre o TDAH: novas lentes para meninas
Boys sempre foram a face mais visível do TDAH porque a hiperatividade, sintoma mais expressivo, chama atenção em sala de aula. Hoje, médicos reconhecem que, em meninas, o transtorno pode se manifestar predominantemente como desatenção, sem grande agitação motora. Ao incorporar esse conhecimento, o sistema de saúde passou a emitir mais laudos femininos, contribuindo para a elevação geral de diagnósticos.
Entendendo o autismo como espectro
No caso do TEA, a mudança conceitual foi ainda mais profunda. A ideia de espectro assume que o transtorno varia em níveis de suporte necessário. Indivíduos com comunicação verbal preservada, autonomia funcional e interesses restritos, por exemplo, fazem parte da mesma condição que pessoas com grandes desafios de linguagem. Ao incluir essa faixa mais leve, as estatísticas dispararam, reforçando a percepção de que o autismo se tornara mais frequente.
Redes sociais: divulgação e riscos de autodiagnóstico
Apesar do papel positivo na difusão de informação, plataformas digitais podem ampliar ruídos. Rohde observa que conteúdos superficiais incentivam interpretações apressadas, gerando autodiagnósticos e o risco de estigmatização. Sintomas isolados, como momentos de isolamento social ou episódios de distração, só configuram transtorno quando persistem e provocam prejuízos em atividades cotidianas. A avaliação profissional continua sendo parâmetro indispensável.
Fatores externos investigados
Quando narrativas sobre suposta epidemia ganham força, surgem suspeitas de influências ambientais ou medicamentosas. Entre as hipóteses populares, discutiu-se a utilização de paracetamol na gestação como possível gatilho. Um estudo citado no conteúdo original demonstrou, contudo, que o analgésico não causa autismo, afastando essa correlação específica. A referência ilustra como a pesquisa acadêmica segue examinando fatores diversos, mesmo quando a prevalência biológica se mantém estável.
Diagnóstico antecipado e acompanhamento adequado
Embora o aumento de laudos não denote surto de novos casos, ele traz efeitos práticos relevantes. Identificar o transtorno cedo permite encaminhar crianças e adultos a intervenções especializadas. No autismo, por exemplo, reconhecer dificuldades de comunicação ainda na infância pode facilitar estratégias de apoio escolar. No TDAH, compreender o padrão de atenção ajuda a ajustar métodos de estudo e rotinas, reduzindo frustrações. Essas ações derivam da expansão diagnóstica e da sensibilidade atual para sinais que, antes, seriam ignorados.
O papel do profissional de saúde diante do novo cenário
A multiplicação de consultas exige que psicólogos, psiquiatras e neurologistas dominem as atualizações dos manuais clínicos. Ao mesmo tempo, precisam comunicar-se com pacientes e familiares de forma clara, evitando rótulos simplificados. O equilíbrio entre rigor científico e compreensão social é fundamental para evitar subdiagnóstico e também diagnósticos precipitados.
Por que não há evidência de aumento biológico
Os especialistas citados convergem na mesma conclusão: fatores genéticos e neurobiológicos associados a autismo e TDAH não se alteraram em ritmo que justificasse salto estatístico. Mudança populacional dessa magnitude demandaria mutações genéticas ou exposições ambientais generalizadas, algo que não foi detectado. Dessa forma, a ciência atribui o crescimento aparente a parâmetros humanos de observação, não a alterações nos indivíduos.
Resumo das forças que ampliaram os diagnósticos
- Atualização de critérios: inclusão de manifestações leves no TEA e diversificação de perfis no TDAH;
- Maior conscientização: pais, professores e profissionais de saúde reconhecem sinais mais cedo;
- Diferenças de gênero reconhecidas: padrões femininos de TDAH ganharam visibilidade;
- Redes sociais: informação circula com rapidez, embora também gere autodiagnósticos;
- Pesquisas contínuas: estudos descartam causas externas pontuais, como o uso de paracetamol na gestação.
Perspectivas para os próximos anos
Com os manuais de diagnóstico consolidados e programas de conscientização em expansão, a tendência é que os números se estabilizem quando a maioria dos casos leves já estiver identificada. Até lá, a missão de profissionais e instituições de saúde será garantir acesso a avaliação qualificada, combater desinformação e oferecer acompanhamento adequado para todas as pessoas que se enquadram nos transtornos.
Autismo e TDAH, portanto, não se tornaram mais comuns em termos biológicos. Tornaram-se, sim, mais visíveis graças a critérios amplos e à maior atenção que a sociedade dedica à saúde mental. Essa visibilidade, embora possa provocar estranhamento inicial, é considerada pelas fontes médicas um avanço na identificação de necessidades e na oferta de suporte.

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