Petra: história, arquitetura e mistérios da cidade nabateia esculpida na rocha

- O cenário grandioso de Petra
- A ascensão nabateia e a função comercial da cidade
- Arquitetura talhada na rocha
- Sistema hidráulico em ambiente desértico
- Religião e práticas funerárias
- Organização política e relações externas
- A decadência: novas rotas e terremotos
- A redescoberta no século XIX
- Descoberta arqueológica de 2024
- Fenômenos naturais contemporâneos
- Vida cotidiana e legado cultural
- Petra no contexto das “cidades perdidas”
O cenário grandioso de Petra
Encravada em um vale árido a aproximadamente 1 500 metros de altitude, no deserto da atual Jordânia, Petra mantém até hoje uma impressão de irrealidade. O primeiro contato do visitante ocorre pelo desfiladeiro Siq, corredor sinuoso entre paredões que conduz à fachada monumental de Al Khazna, também conhecida como Tesouro. Ali se condensam dois elementos que definem a antiga capital dos nabateus: a engenharia de precisão que permitiu esculpir edifícios diretamente na rocha avermelhada e a localização estratégica que conectava rotas comerciais do sul da Arábia, da África, da Índia e do mundo greco-romano.
A ascensão nabateia e a função comercial da cidade
A ocupação que transformou o vale em metrópole começou há cerca de dois mil anos, quando tribos árabes se fixaram na região e constituíram o Reino Nabateu. A mudança de prática, do saque eventual ao comércio estruturado, ofereceu vantagem econômica. Especiarias, incenso, seda e outros produtos de alto valor cruzavam Petra mediante tributação que chegava a 25 % do valor das mercadorias. Até a água consumida pelos camelos dos viajantes era tarifada, formando uma fonte constante de receita para as autoridades locais.
No período de maior prosperidade, estimativas indicam população entre 20 000 e 30 000 habitantes. Esse contingente era abastecido por uma série de atividades que iam da agricultura em terraços agrícolas nas encostas próximas a serviços logísticos para caravanas. O controle do comércio de longa distância consolidou a cidade como peça-chave no tabuleiro político da região.
Arquitetura talhada na rocha
Grande parte do patrimônio visível de Petra corresponde a fachadas de túmulos, templos e estruturas cerimoniais esculpidas em arenito de tonalidades que variam entre laranja, vermelho e rosa. A técnica exigia planejamento minucioso: escultores iniciavam pela parte superior e avançavam para baixo, a fim de evitar desprendimentos de material. Detalhes helenísticos — frontões triangulares, colunas coríntias e frisos florais — demonstram interação cultural com o Mediterrâneo.
O próprio Tesouro permanece objeto de debate acadêmico. Ausência de câmaras mortuárias extensas sugere múltiplas hipóteses: mausoléu real, templo dedicado a divindades ou tesouraria estatal. Uma possibilidade recorrente associa o edifício ao reinado de Aretas IV (9 a.C.–40 d.C.), soberano responsável por numerosos projetos monumentais.
Sistema hidráulico em ambiente desértico
A prosperidade nabateia dependeria, inevitavelmente, da água. Para superar a aridez, engenheiros canalizaram fontes externas por meio de condutos talhados na rocha, construíram reservatórios, cisternas subterrâneas e represas que controlavam enchentes sazonais. Túneis foram escavados a fim de reduzir o aquecimento da água antes de sua distribuição. Nos arredores, localidades como Beidha exibiam terraços agrícolas destinados a vinhedos, oliveiras e cereais, protegendo o solo da erosão.
Esse sistema permitiu não apenas o abastecimento doméstico, mas também a manutenção de rebanhos de camelos e a oferta de água a caravanas, recurso explorado economicamente pela administração local. A sofisticação hidráulica de Petra se equipara a soluções observadas em sociedades contemporâneas como a romana e a egípcia.
Religião e práticas funerárias
Inscrições aramaicas e achados arqueológicos apontam para um panteão politeísta. Dushara, divindade masculina associada a Zeus, ocupava posição central, enquanto Allat, ligada à fertilidade, recebeu posteriormente atributos da Afrodite helênica. A representação inicial dessas entidades era abstrata, em blocos de pedra denominados bétilos, evoluindo para figuras humanas sob influência greco-romana e até indiana.
A abundância de túmulos evidencia a importância dos ritos funerários. Alguns abrigam câmaras simples; outros ostentam fachadas de vários metros de altura decoradas com colunas e nichos. Papiros recuperados mencionam listas de punições contra violadores de sepulturas, reforçando a sacralidade desses espaços.
Organização política e relações externas
Até 168 a.C., o governo nabateu não seguia sucessão hereditária definida. A partir de Aretas I, estabelece-se dinastia que enfrentou conflitos com vizinhos judeus e expandiu o território sob Obodas I (96 a.C.–86 a.C.). Aretas III (86 a.C.–62 a.C.) chegou a ocupar Damasco e adotou o título de Philhellene, sinalizando afinidade cultural com a Grécia.
No plano diplomático, os romanos foram ora aliados, ora adversários. Episódio emblemático ocorreu em 31 a.C., quando Malichos I incendiou navios de Cleópatra que tentavam escapar pelo Mediterrâneo, contribuindo para a vitória de Otávio na batalha de Áccio. Esse equilíbrio de forças terminaria em 106 d.C., quando o imperador Trajano anexou Petra, integrando a cidade à província romana da Arábia.
A decadência: novas rotas e terremotos
Diversos fatores precipitaram o declínio. Em 20 d.C., o navegador grego Hipalo descobriu trajeto marítimo direto para o Oriente via oceano Índico, reduzindo a dependência das rotas terrestres controladas pelos nabateus. A perda de receita coincidiu com tensões entre judeus e romanos na região.
Após a anexação romana, o aramaico gradualmente cedeu espaço ao latim e ao grego. Contudo, abalos sísmicos foram decisivos: o terremoto de 363 d.C. danificou gravemente edifícios e o complexo hidráulico; outro tremor, em 551 d.C., agravou a destruição. O abastecimento de água tornou-se instável, levando habitantes a transferirem-se para assentamentos próximos a nascentes e transformando Petra em cidade fantasma.
A redescoberta no século XIX
Durante a Idade Média, a antiga capital desapareceu dos registros ocidentais. Somente em 1812 o explorador suíço Johann Burckhardt alcançou o local, disfarçado de peregrino muçulmano, após convencer um guia beduíno de que sacrificaria uma cabra no túmulo de Aarão, a poucos quilômetros dali. Seus relatos, publicados anos depois, despertaram interesse europeu e inseriram Petra no imaginário coletivo de “cidades perdidas”.
Investigações arqueológicas sistemáticas começaram na década de 1920 e permanecem em curso. A UNESCO conferiu status de Patrimônio Mundial em 1985, e, em 1989, a aparição no cinema, em “Indiana Jones e a Última Cruzada”, popularizou ainda mais o sítio. Estudos estimam que menos de 2 % da área central foi escavada, embora já se tenham registrado cerca de 800 estruturas identificadas.
Descoberta arqueológica de 2024
Em 2024, sensores de varredura remota localizaram câmara funerária sob o Tesouro. A escavação revelou doze esqueletos, fragmentos de cerâmica e um cálice segurado por um dos indivíduos. Datação por sedimentos situou o sepultamento entre o século I a.C. e o início do século II d.C. Pesquisadores observam que tumbas semelhantes haviam sido encontradas duas décadas antes, mas a nova ocorrência reforça o entendimento da densa ocupação funerária na área.
Fenômenos naturais contemporâneos
A localização em terreno montanhoso não impede eventos climáticos extremos. Em maio de 2024, uma enchente repentina atingiu o sul da Jordânia. Aproximadamente 1 800 turistas foram retirados, e duas vítimas belgas, mãe e filho, morreram na inundação. O episódio demonstra que o mesmo vale que abrigou represas nabateias ainda enfrenta riscos semelhantes aos do passado.
Vida cotidiana e legado cultural
Análises osteológicas e genéticas apontam origens diversas entre os habitantes — árabes, levantinos e povos do Cáucaso — coerentes com a posição de cruzamento de rotas comerciais. Evidências de banquetes funerários, com ossos de animais e restos de peixes provenientes do Mar Morto, sugerem rituais que combinavam alimentação e culto aos antepassados.
A produção artesanal inclui a cerâmica de parede fina conhecida como Nabatean Fine, caracterizada por vasos avermelhados levados a Roma como mercadoria de prestígio. Outro legado é a habilidade de manejar camelos. Contra o rei macedônio Dóson, os nabateus exploraram a resistência desses animais no deserto, neutralizando exércitos montados em cavalos que dependiam de suprimentos de água mais frequentes.
Petra no contexto das “cidades perdidas”
O conceito de cidade perdida aplica-se a locais cuja localização permaneceu desconhecida por longos períodos para pesquisadoras e pesquisadores, embora comunidades vizinhas mantivessem ciência de sua existência. Fatores como secas, conflitos, mudanças ideológicas ou reorganizações territoriais explicam o abandono. No século XIX, o termo ganhou força com o avanço do colonialismo e da arqueologia, muitas vezes romantizando descobertas que ignoravam o conhecimento local.
Petra exemplifica esse processo. Mesmo soterrada em parte por aluviões e vegetação, sua memória foi preservada na tradição beduína. Escavações em andamento indicam que vastos setores administrativos e residenciais ainda aguardam investigação. O material já recuperado, entretanto, confirma a engenhosidade de um povo que transformou um vale desértico em entreposto internacional, registrou sua história nas paredes de arenito e, séculos depois, continua a revelar segredos sob cada camada de sedimento.

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