Pegadas fósseis revelam presença de dinossauros gigantes na Amazônia e mudam panorama paleontológico brasileiro

Pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) documentaram, após 14 anos de campanhas de campo, mais de uma centena de pegadas fossilizadas de dinossauros no município de Bonfim, extremo norte de Roraima. As marcas, preservadas em arenitos da Formação Serra do Tucano, datam de um intervalo entre 103 e 127 milhões de anos, correspondente ao período jurássico-cretáceo. Trata-se do primeiro registro confirmado de icnofósseis de dinossauros em toda a região amazônica, achado que altera significativamente o mapa de ocorrências paleontológicas do país.
Localização e contexto geológico
O sítio fossilífero encontra-se na porção brasileira da Bacia do Tacutu, unidade sedimentar situada junto à fronteira com a Guiana. Ao longo de milhões de anos, a bacia acumulou sucessivas camadas de sedimentos que, após litificação, originaram rochas favoráveis à preservação de vestígios biológicos. As pegadas estão expostas em lajedos de arenito endurecido por cimentação de óxido de ferro, processo que conferiu resistência às intempéries tropicais e impediu o desgaste completo das estruturas.
A Amazônia costuma dificultar a conservação de fósseis em razão de altas taxas de intemperismo químico, chuva intensa e densa cobertura vegetal. No caso da Bacia do Tacutu, entretanto, a presença de uma vegetação de cerrado/savana permitiu que afloramentos rochosos permanecessem aparentes e acessíveis aos pesquisadores. Essa combinação de fatores explica por que indícios tão antigos resistiram em um ambiente geralmente hostil à fossilização.
Cronologia da pesquisa
Os primeiros indícios foram observados em 2011 durante um mapeamento geológico conduzido por pesquisadores e alunos da UFRR. Sem especialistas em paleoecologia ou equipamentos adequados à época, o material permaneceu inédito por quase uma década. Em 2021, o estudo foi reativado pelo biólogo Lucas Barros, que transformou o tema em sua dissertação de mestrado e passou a coordenar as investigações, com apoio institucional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e colaboração de docentes da Universidade Federal do Pampa.
No total, cerca de 80 expedições de campo foram realizadas. Em cada visita pelo menos uma nova pegada era registrada, o que gradualmente consolidou um conjunto de mais de 100 marcas, podendo chegar a algumas centenas após análises detalhadas ainda em andamento.
Características das pegadas
Algumas impressões atingem 1,5 metro de comprimento, dimensões próximas às maiores pegadas de dinossauros já relatadas em outros continentes. Trilhas contínuas superiores a 30 metros foram mapeadas, permitindo inferir padrões de locomoção e comportamento. Entre as evidências observadas, destacam-se:
• Migração em grupo: séries paralelas atribuídas a dinossauros herbívoros sugerem deslocamento em manadas.
• Predação: marcas deixadas por carnívoros aparecem em sequência às dos herbívoros, indicando possível perseguição.
• Nado e escavação: ranhuras ligadas a movimentos aquáticos e rastros associados a escavações reforçam a hipótese de permanência prolongada no local.
Diversidade taxonômica inferida
Com base na morfologia das pegadas, a equipe identificou seis morfotipos pertencentes a quatro grandes grupos de dinossauros:
Ornitópodes: bípedes herbívoros que deixaram pegadas tridáctilas típicas.
Saurópodes: gigantes de pescoço e cauda longos, responsáveis pelas maiores marcas elípticas do sítio.
Terópodes: predadores bípedes, reconhecíveis por pegadas com dedos alongados e garras evidentes.
Tireóforos: dinossauros dotados de “armadura” óssea dorsal, herbívoros ou onívoros, cujas pegadas apresentam contornos robustos.
Não foi possível atribuir as trilhas a espécies precisas porque nenhum fóssil corporal foi encontrado associado. Ainda assim, a distinção de morfotipos permite estimar a diversidade faunística do setor durante o intervalo jurássico-cretáceo.
Métodos de documentação
Os trabalhos seguiram protocolos icnológicos padronizados. A equipe aplicou fotogrametria de alta resolução, técnica que envolve a captura seriada de imagens em diferentes ângulos e a geração de modelos tridimensionais em escala real. Esses modelos foram comparados a bancos de dados internacionais, o que assegurou a consistência da identificação e da datação relativa das estruturas impressas.
Significado paleobiogeográfico
Até a presente descoberta, os registros mais próximos de dinossauros na Amazônia brasileira concentravam-se no Maranhão. A presença de pegadas em Roraima preenche uma lacuna entre ocorrências do hemisfério norte e do hemisfério sul ao longo do Gondwana, levantando novas hipóteses sobre rotas de dispersão e distribuição ecológica. Além disso, demonstra que a região, hoje coberta por floresta tropical úmida, abrigou paisagens fluviais e possivelmente semiáridas favoráveis à megafauna mesozoica.
Perspectivas de preservação e pesquisa
O artigo científico que descreve os resultados já foi submetido à revista especializada Cretaceous Research e aguarda parecer. Paralelamente, prosseguem prospecções na Terra Indígena Jabuti, onde quatro zonas adicionais de interesse paleontológico foram delimitadas após autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). Entre os objetivos futuros está a proposta de criação de um parque geológico que assegure a proteção do patrimônio fóssil de Roraima e promova atividades educativas e turísticas.
Implicações para a ciência brasileira
Ao confirmar a existência de pegadas bem preservadas em um setor considerado desfavorável à fossilização, o estudo amplia o campo de busca por novos vestígios dentro da Amazônia. A metodologia aplicada, combinando levantamento de afloramentos, análises icnológicas e modelagem digital, constitui referência para investigações em outras áreas de densa cobertura vegetal e clima agressivo.
Resumo das principais informações
• Local: Município de Bonfim, Bacia do Tacutu, Roraima.
• Idade estimada: 103 a 127 milhões de anos.
• Número de pegadas: mais de 100 já confirmadas, com potencial para centenas.
• Tamanho máximo: pegadas de até 1,5 m.
• Grupos identificados: ornitópodes, saurópodes, terópodes e tireóforos.
• Técnicas empregadas: 80 coletas de campo, fotogrametria 3D e comparação com banco global.
• Estado atual da pesquisa: artigo em revisão e novas prospecções em curso.
A revelação das pegadas amazonenses insere Roraima no circuito internacional de estudos relacionados à Era dos Dinossauros e contribui para reescrever parte da história geológica do continente, enfatizando a diversidade de ambientes que compuseram o território brasileiro durante o Mesozoico.

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