OpenAI condiciona aporte de US$ 5 bilhões no Brasil à flexibilização da lei de direitos autorais

No âmbito de uma reunião realizada em 4 de setembro, a OpenAI registrou em ata que pretende concentrar até US$ 5 bilhões em novas operações no Brasil, mas somente se a legislação nacional de direitos autorais for revista. O documento, obtido pelo Intercept Brasil, indica que as normas vigentes impedem a empresa de utilizar dados de companhias locais para treinar modelos de inteligência artificial, o que, segundo a desenvolvedora do ChatGPT, inviabiliza a expansão do negócio em território brasileiro.
- Condições impostas para o investimento
- Panorama legal: direitos autorais e o PL 2338/2023
- Fatores que tornam o Brasil atraente
- Presença atual da OpenAI no mercado brasileiro
- Escolha da Argentina para o primeiro data center latino-americano
- Reação do governo brasileiro
- Debate sobre soberania e inovação
- Caminhos possíveis para o marco de IA
- Perspectivas imediatas
Condições impostas para o investimento
Na ata, a OpenAI associa o montante bilionário a duas exigências centrais: maior flexibilidade na legislação de copyright e ajustes no marco regulatório de inteligência artificial em discussão no Congresso. A companhia afirma que esses fatores são decisivos para tornar o país competitivo na corrida por grandes centros de computação em nuvem dedicados ao treinamento de algoritmos. Sem mudanças, os planos anunciados ficam suspensos por tempo indeterminado, apesar de a infraestrutura brasileira ser considerada tecnicamente adequada.
Panorama legal: direitos autorais e o PL 2338/2023
O principal ponto de atrito citado pela OpenAI é o projeto de lei 2338/2023, que estabelece regras para o desenvolvimento e a utilização de sistemas de IA no Brasil. O texto propõe que artistas, jornalistas, designers, empresas e demais titulares de conteúdo recebam remuneração sempre que suas obras forem empregadas para treinar modelos. Como o processo de treinamento exige volumes massivos de dados, a obrigação de pagamento poderia elevar consideravelmente os custos das organizações que operam grandes modelos linguísticos, como o próprio ChatGPT.
A posição da empresa indica que, em sua avaliação, o regime atual — somado à perspectiva de uma norma que ampliaria a obrigação de remunerar titulares — cria uma barreira financeira para a coleta de dados em larga escala. Dessa forma, qualquer expansão de servidores, centros de processamento ou contratação de mão de obra local ficaria condicionada à revisão do arcabouço legal, especialmente no que diz respeito ao uso de conteúdo protegido por copyright.
Fatores que tornam o Brasil atraente
Apesar do impasse jurídico, a OpenAI reconhece que o Brasil reúne condições favoráveis de infraestrutura, oferta de energia e recursos naturais. Esses elementos são considerados estratégicos para abrigar grandes data centers, que demandam fornecimento elétrico constante e redes de telecomunicações robustas. Além disso, a posição geográfica do país poderia facilitar a distribuição de serviços de IA por toda a América Latina, reforçando seu potencial como hub regional.
Outro fator citado é a expressiva base de usuários brasileiros do ChatGPT. De acordo com o CEO Sam Altman, o Brasil ocupa a terceira colocação em número de acessos à plataforma, atrás apenas de duas outras regiões não especificadas na ata. Essa audiência numerosa é vista internamente como um incentivo à instalação de infraestruturas locais, capazes de reduzir latência e melhorar a experiência do usuário.
Presença atual da OpenAI no mercado brasileiro
Mesmo sem garantias sobre a revisão das normas, a empresa iniciou, em setembro, uma operação comercial em São Paulo. A criação do escritório marca a primeira etapa de expansão física da OpenAI no país, concentrando esforços de relacionamento com clientes corporativos e parceiros de pesquisa. A medida demonstra interesse contínuo no mercado, mas não elimina o pré-requisito regulatório apontado na ata para liberar o investimento de maior porte.
Escolha da Argentina para o primeiro data center latino-americano
Enquanto aguarda definições no Brasil, a OpenAI confirmou que seu primeiro data center na América Latina será instalado na Argentina, em um projeto estimado em US$ 25 bilhões. A decisão evidencia que a companhia vem avaliando ambientes regulatórios alternativos na região para viabilizar seus planos de expansão. Embora o documento interno não detalhe os motivos específicos da escolha, a indicação reforça a tese de que o arcabouço jurídico é um fator determinante para a alocação de recursos.
Reação do governo brasileiro
O posicionamento da OpenAI recebeu críticas do Ministério da Cultura. De acordo com o secretário de direitos autorais e intelectuais, Marcos Souza, condicionar investimentos a mudanças legislativas seria uma forma de pressionar a soberania nacional. O representante lembrou que o direito autoral é protegido pela Constituição e afirmou que a flexibilização pretendida pela empresa não poderia ocorrer sem uma reforma profunda, indo além até mesmo de uma emenda constitucional.
Sousa acrescentou que discursos semelhantes, que vinculam grandes aportes à alteração de regras, já ocorreram em outros setores econômicos e que, por isso, o governo não vê o caso como motivo de preocupação. A pasta reiterou ainda a defesa da remuneração pelo uso de conteúdo protegido no treinamento de sistemas de inteligência artificial, posicionamento alinhado ao espírito do projeto de lei em tramitação.
Debate sobre soberania e inovação
A controvérsia coloca em evidência o desafio de equilibrar proteção a criadores de conteúdo e incentivos à inovação tecnológica. De um lado, empresas que desenvolvem modelos de IA em escala global argumentam que o acesso irrestrito a dados é fundamental para avançar na pesquisa e manter competitividade. Do outro, titulares de direitos autorais e órgãos de governo defendem que a utilização de obras protegidas deve gerar contrapartidas financeiras e respeitar os princípios constitucionais.
No centro desse debate, o Congresso analisa dispositivos do PL 2338/2023 que podem definir se o Brasil se alinhará a um modelo de fair use mais amplo ou manterá um sistema de licenciamento semelhante ao que vigora atualmente. A posição expressa pela OpenAI adiciona pressão ao trâmite legislativo, pois envolve a possibilidade de atração ou perda de investimentos vultosos em infraestrutura de nuvem e pesquisa de IA.
Caminhos possíveis para o marco de IA
Caso aprovado sem alterações substanciais, o projeto de lei consolidará a necessidade de pagamentos a detentores de copyright sempre que suas obras forem usadas como insumos na criação ou aperfeiçoamento de modelos de inteligência artificial. Para as companhias, isso representa um custo adicional que pode influenciar a decisão de investir ou não em novos centros de dados no país. Já para artistas e organizações de mídia, a proposta cria uma forma de monetizar o uso de seus conteúdos em um ambiente digital cada vez mais automatizado.
Se, por outro lado, o texto final introduzir exceções ou mecanismos de licenciamento coletivo com valores pré-estabelecidos, pode haver um equilíbrio entre remuneração e viabilidade econômica. Até o momento, porém, não há indicação de mudanças profundas que atendam aos pleitos da OpenAI. Assim, a liberação dos US$ 5 bilhões anunciados permanece condicionada às discussões legislativas.
Perspectivas imediatas
Enquanto o Congresso debate o marco de IA e o Executivo reitera a defesa do direito autoral, a OpenAI continua operando com estrutura limitada no Brasil. A empresa mantém o escritório paulistano e segue monitorando o andamento das propostas, mas sua estratégia de expansão de data centers — elemento central para reduzir custos operacionais e latência — avançará primeiro no exterior. A evolução do PL 2338/2023 e eventuais ajustes na legislação de copyright serão decisivos para definir se o país se tornará ou não um polo relevante na infraestrutura global da companhia.

Conteúdo Relacionado