Nagasaki assinala 80 anos da bomba atómica com sino restaurado e apelo à paz

No dia 9 de agosto, Nagasaki lembrou o ataque nuclear de 1945 com um minuto de silêncio e diversas iniciativas centradas na memória das vítimas e na defesa do desarmamento. A cerimónia, que marcou o 80.º aniversário da explosão, reuniu moradores, sobreviventes e delegações de mais de 100 países.

Minuto de silêncio e regresso do sino histórico

Pontualmente às 11h02, hora exacta em que a bomba detonou sobre a cidade em 1945, a multidão concentrou-se no Parque da Paz para um momento de recolhimento. O campanário da antiga igreja de Nagasaki, destruída pela explosão, voltou a tocar após décadas de silêncio. O sino foi recentemente restaurado e tornou-se símbolo da tentativa de reconciliar o passado com um compromisso renovado de construir um futuro sem armas nucleares.

A Catedral da Imaculada Conceição de Urakami, reconstruída em 1959 na mesma colina onde ficou reduzida a escombros, também integrou o tributo. Dois sinos — um original recuperado e outro restaurado nos Estados Unidos — foram tocados lado a lado, sublinhando a cooperação internacional no processo de preservação da memória.

Presença internacional e mensagem política

Entre os representantes estrangeiros destacaram-se delegações da Rússia, ausente desde o início da guerra na Ucrânia, e de Israel, que tinha ficado de fora da lista de convidados no ano anterior. A China foi a única potência nuclear a recusar o convite, sem apresentar justificação oficial.

Durante o discurso de abertura, o presidente da câmara, Shiro Suzuki, sublinhou que “o risco de um conflito nuclear permanece real” e apelou a um cessar imediato de todas as guerras em curso. O governante recordou que cerca de 74 000 pessoas morreram em Nagasaki e 140 000 em Hiroshima, frisando que a memória das vítimas “deve orientar a política global de segurança”.

O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, reforçou a posição oficial de Tóquio em favor de um mundo livre de armamento atómico. Apesar de o Japão não ter aderido ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, Ishiba comprometeu-se a fomentar diálogo entre países com e sem ogivas, sobretudo na conferência de revisão do Tratado de Não-Proliferação, agendada para 2026 em Nova Iorque.

Testemunhos dos hibakusha e preservação digital

Com a média de idade dos hibakusha — sobreviventes das bombas — acima dos 86 anos, a transmissão das suas histórias torna-se urgente. Atsuko Higuchi, residente de 50 anos, afirmou que “manter viva a recordação é essencial para evitar a repetição da tragédia”.

Fumi Takeshita, de 83 anos, visita regularmente escolas para relatar a experiência do ataque e pede a cada turma que “lembre o que aprendeu e actue para impedir novas guerras”. Já Teruko Yokoyama, também com 83 anos, teme que os testemunhos desapareçam com o passar do tempo e participa num projecto local que digitaliza relatos para divulgação no YouTube. A iniciativa envolve voluntários mais jovens, encarregues de editar e publicar os conteúdos, garantindo acesso global às memórias.

Num fórum da paz paralelo à cerimónia, mais de 300 estudantes receberam sementes de “flores da paz” entregues pelo sobrevivente Seiichiro Mise, de 90 anos. O gesto pretendeu simbolizar a continuidade da mensagem antibélica entre gerações.

Apelo das Nações Unidas e desafio ao desarmamento

Uma mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres, foi lida no recinto. O diplomata exortou os Estados a passarem “das palavras à acção” em matéria de redução de arsenais nucleares, insistindo na “importância vital” do Tratado de Não-Proliferação. Guterres destacou que a crescente tensão mundial aumenta o perigo de uso acidental ou deliberado de armas atómicas.

Ainda que o Japão continue sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos, a opinião pública nipónica mantém ampla resistência a essas armas, influenciada pelos ataques de Hiroshima e Nagasaki. Sobreviventes e organizações civis criticam governos que usam a dissuasão nuclear como justificação de segurança, argumentando que o risco inerente supera qualquer benefício estratégico.

80 anos depois: memória, paz e responsabilidade

O aniversário encerrou-se com o lançamento de pombas brancas e a deposição de coroas de flores junto à estátua da Paz, erguida no centro do Parque. As autoridades reiteraram que a cerimónia anual funciona não só como tributo, mas também como alerta frente à proliferação de armas de destruição maciça.

Ao fim de oito décadas, Nagasaki continua a reconstruir-se física e emocionalmente, projectando para o mundo a responsabilidade colectiva de impedir que a história se repita. O restauro do sino, o minuto de silêncio e as vozes dos hibakusha convergem na mesma mensagem: a memória é indispensável para proteger o futuro.

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Imagem: olhardigital.com.br

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