Documentos judiciais apontam que Meta suprimiu pesquisa interna sobre impactos do Facebook na saúde mental de adolescentes

Documentos apresentados em um processo federal nos Estados Unidos descrevem que a Meta Platforms Inc. teria interrompido e mantido em sigilo resultados de uma pesquisa interna que relacionava o uso do Facebook a níveis mais altos de depressão, ansiedade, solidão e comparação social, especialmente entre crianças e adolescentes. A ação judicial, movida pelo escritório Motley Rice em nome de distritos escolares de várias regiões do país, alega que a empresa priorizou métricas de engajamento em detrimento do bem-estar dos usuários mais jovens.
- Origem das alegações e escopo do processo
- Projeto Mercúrio: pesquisa interna interrompida
- Alegações específicas sobre práticas da Meta
- Menções a Google, TikTok e Snapchat
- Resposta oficial da Meta
- Declarações de executivos e prioridades corporativas
- Conteúdo dos documentos e tramitação do caso
- Ponto central: engajamento versus segurança
Origem das alegações e escopo do processo
O litígio foi aberto no Tribunal Distrital do Norte da Califórnia e inclui, além da Meta, outras gigantes de tecnologia: Google, TikTok e Snapchat. Segundo a petição inicial, todas essas plataformas teriam conhecimento interno de riscos à saúde mental de seus públicos infantis e adolescentes, mas optaram por não divulgar as evidências nem adotar mudanças substanciais. Ainda assim, os documentos encaminhados ao tribunal concentram-se de forma mais detalhada na conduta da Meta.
O escritório Motley Rice representa distritos escolares que afirmam lidar diariamente com consequências psicológicas e comportamentais atribuídas ao uso excessivo das redes sociais. Esses demandantes sustentam que os custos educacionais e de saúde pública cresceram devido a problemas emocionais supostamente agravados pelas plataformas.
Projeto Mercúrio: pesquisa interna interrompida
No centro das denúncias contra a Meta está o chamado Projeto Mercúrio, um estudo conduzido pela própria companhia. De acordo com documentos citados pelos autores da ação, a investigação envolveu usuários que deixaram de acessar o Facebook durante sete dias. Ao final desse intervalo, os participantes reportaram reduções na sensação de depressão, ansiedade, solidão e comparação social. Esses dados, segundo o processo, contradiziam interesses comerciais da Meta e, por isso, o projeto foi encerrado prematuramente, sem divulgação pública dos resultados.
A petição sustenta que, pouco depois de as conclusões negativas terem sido consolidadas, a equipe responsável foi desmobilizada e não houve sequer publicação interna detalhada. Conforme essa narrativa, a interrupção eliminou a possibilidade de que pais, educadores, reguladores e o público em geral tivessem conhecimento de potenciais efeitos adversos do Facebook sobre a saúde mental de jovens.
Alegações específicas sobre práticas da Meta
Além de ocultar o Projeto Mercúrio, os autores enumeram outros comportamentos que consideram prejudiciais. Entre eles, destaca-se a suposta exigência de que um usuário fosse flagrado 17 vezes tentando traficar pessoas para exploração sexual antes de ser removido da plataforma. Um memorando interno classificado anexado ao processo descreveu esse patamar como “muito, muito, muito alto”.
Outro ponto alega que os recursos de segurança voltados a menores teriam sido deliberadamente estruturados de forma ineficaz. Os documentos sugerem que a Meta reconhecia internamente que otimizar o algoritmo para aumentar o engajamento de adolescentes resultava em exposição a conteúdo mais nocivo, mas teria mantido a estratégia porque ela impulsionava tempo de tela e receita publicitária.
Há ainda a acusação de que iniciativas para impedir que predadores contatassem menores foram postergadas por anos, devido a receios de que barreiras adicionais reduzissem crescimento e engajamento. Segundo o processo, equipes de segurança teriam sido pressionadas a formular justificativas que sustentassem a decisão de não implementar proteções mais rígidas.
Menções a Google, TikTok e Snapchat
Embora o foco documental recaia sobre a Meta, o processo sustenta que concorrentes diretos também omitiram riscos. As acusações gerais contra essas empresas incluem a alegação de que incentivaram a participação de crianças menores de 13 anos, falharam em conter conteúdo de abuso sexual infantil e buscaram estratégias para elevar o uso de adolescentes durante o horário escolar. Os autores afirmam ainda que organizações voltadas ao público infantil teriam recebido pagamentos para defender publicamente a segurança dos produtos.
Nenhuma dessas alegações, porém, é acompanhada de detalhes tão extensos quanto os vinculados à Meta, razão pela qual o litígio destaca a companhia de Mark Zuckerberg como o exemplo mais robusto de suposta negligência.
Resposta oficial da Meta
Em comunicado divulgado no sábado, o porta-voz Andy Stone rejeitou a interpretação apresentada na ação. De acordo com ele, o Projeto Mercúrio teria sido descontinuado porque a metodologia foi considerada falha, não por causa dos resultados preliminares. Stone declarou ainda que a empresa investe continuamente em aprimorar ferramentas de segurança para adolescentes e pais, classificando como “deturpada” a versão apresentada no processo.
Os representantes da companhia também solicitaram ao tribunal que determinados documentos internos permaneçam sob sigilo, alegando que contêm informações proprietárias. Esse pedido, oficializado por meio de uma moção, será avaliado na audiência já agendada para 26 de janeiro.
Declarações de executivos e prioridades corporativas
Um dos trechos mais citados na petição refere-se a uma mensagem de texto enviada em 2021 por Mark Zuckerberg. Na conversa, o executivo teria afirmado que a segurança infantil não era sua principal prioridade, indicando foco maior em iniciativas como o desenvolvimento do metaverso. O documento acrescenta que pedidos de Nick Clegg, então chefe de políticas públicas globais, para ampliar o financiamento de projetos de proteção a menores foram supostamente ignorados ou rejeitados.
A defesa da Meta nega que a liderança tenha minimizado a importância do tema. Segundo a empresa, recursos como verificações de privacidade, controle de tempo de uso e supervisão parental constituem evidência de um compromisso consistente com a segurança de jovens usuários.
Conteúdo dos documentos e tramitação do caso
Os arquivos anexados pelo escritório Motley Rice ainda não são públicos. Até que o tribunal decida sobre o pedido da Meta para mantê-los sob sigilo, apenas descrições gerais integram o dossiê consultável. A sessão marcada para 26 de janeiro servirá para avaliar essa e outras questões processuais preliminares, definindo se o caso avançará para fases de descoberta mais amplas e depoimentos sob juramento.
Se confirmados no mérito, os fatos apresentados poderiam influenciar políticas internas da Meta e de outras plataformas, mas, por ora, o impacto concreto limita-se à esfera jurídica. O resultado imediato será determinar se os demandantes obtêm acesso irrestrito aos documentos e se a corte considerará plausível a tese de que a empresa ocultou intencionalmente provas sobre danos psicológicos em jovens.
Ponto central: engajamento versus segurança
Toda a argumentação dos distritos escolares converge para a ideia de que, ao privilegiar métricas de engajamento, a Meta teria negligenciado a saúde mental de seus usuários mais vulneráveis. O Projeto Mercúrio, as supostas 17 tentativas de tráfico sexual toleradas antes da exclusão de perfis e a demora em implementar barreiras contra predadores são citados como exemplos de uma cultura corporativa que, de acordo com a ação, favoreceria crescimento e receita em detrimento de salvaguardas efetivas.
Para a Meta, a narrativa omite esforços já em vigor. A empresa menciona iniciativas de bem-estar digital, campanhas educativas e parcerias institucionais que, na sua avaliação, comprovam a prioridade dada ao tema. Contudo, esses pontos de defesa não constam nos documentos anexados pelo escritório Motley Rice, concentrados em episódios e comunicações internas que, segundo os autores, revelam postura oposta.
O desenrolar do processo, portanto, dependerá da análise judicial sobre a confiabilidade das evidências e da interpretação legal acerca do dever de cuidado que plataformas digitais devem a crianças e adolescentes. A audiência de janeiro será o primeiro momento formal em que as partes exporão argumentos perante o juiz, definindo se as alegações seguirão para julgamento ou eventual acordo.

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