iFood aciona ex-funcionários e acusa 99Food de uso indevido de dados confidenciais

iFood abriu uma série de processos contra ex-funcionários que migraram para a 99Food, alegando que informações sigilosas de restaurantes parceiros teriam sido utilizadas pela concorrente para atrair estabelecimentos e intensificar a disputa no mercado de entrega de refeições.
- Como o iFood descobriu o possível vazamento de informações
- Restaurantes relatam propostas da 99Food baseadas em informações do iFood
- Disputa trabalhista: cláusulas de não concorrência e ações movidas pelo iFood
- Buscas, apreensões e investigação sobre transferência de arquivos do iFood
- Competição no mercado de delivery se intensifica com 99Food e novas entrantes
- O que dizem especialistas sobre sigilo empresarial e responsabilidade das empresas
Como o iFood descobriu o possível vazamento de informações
O ponto de partida das ações judiciais ocorreu quando proprietários de restaurantes que mantêm contratos de exclusividade com o iFood relataram ter sido abordados por executivos da 99Food. Durante as reuniões, a equipe da plataforma ligada ao grupo asiático teria apresentado dados detalhados sobre o desempenho comercial dos estabelecimentos, incluindo faturamento, tíquete médio, multas contratuais e prazos de vigência. Esses números, segundo os empresários, só podem ser consultados por eles próprios e pela plataforma com a qual assinaram o acordo de exclusividade.
Diante dos relatos, o iFood concluiu que informações restritas estariam sendo compartilhadas fora dos canais autorizados. A empresa afirma ter reunido indícios que apontam para o uso não autorizado de documentos internos por ex-colaboradores agora contratados pela concorrente. O material foi anexado aos processos trabalhistas e civis em andamento.
Restaurantes relatam propostas da 99Food baseadas em informações do iFood
A estratégia de convencimento relatada pelos donos de restaurantes segue um roteiro claro. Em encontros presenciais e virtuais, representantes da 99Food demonstravam conhecer receitas mensais, variações sazonais de demanda e até penalidades estipuladas para rompimento de contrato. De posse desses dados, propunham cobrir possíveis multas, oferecer taxas de comissão mais baixas e ampliar a visibilidade desses parceiros em campanhas de marketing.
Para os empresários convidados a migrar, a apresentação de números tão específicos levantou suspeitas imediatas sobre a origem das informações. Alguns deles comunicaram o iFood e forneceram documentos que agora fazem parte das ações judiciais. Entre as evidências estão planilhas impressas e capturas de tela que teriam circulado durante as reuniões.
Disputa trabalhista: cláusulas de não concorrência e ações movidas pelo iFood
No centro das controvérsias estão ao menos cinco ex-funcionários do iFood que aceitaram propostas para integrar a operação comercial da 99Food. Em casos analisados pela Justiça do Trabalho, surgem cláusulas de não concorrência firmadas com os antigos empregadores. Esses contratos previam que, durante seis meses após o desligamento, o profissional não poderia atuar em empresas concorrentes, período pelo qual receberia remuneração equivalente ao último salário fixo.
Em um dos processos, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinou que um ex-integrante da equipe de vendas se desligasse imediatamente da 99Food, sob pena de multa diária. O empregado cumpriu a ordem e celebrou acordo que restabeleceu o pagamento previsto na cláusula de não competição. Embora esse caso não mencionasse uso irregular de dados, ele reforçou o entendimento jurídico de que a obrigação contratual estava em vigor.
O iFood sustenta que o descumprimento das cláusulas, aliado ao compartilhamento de documentos internos, configura prática de concorrência desleal. Os processos pedem indenização, imposição de multas e, em alguns pedidos, a proibição temporária de exercício de funções similares nas concorrentes.
Buscas, apreensões e investigação sobre transferência de arquivos do iFood
Outro episódio relevante ocorreu quando a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão na residência de um ex-colaborador em Piracicaba (SP). Foram recolhidos celulares, computadores portáteis e dispositivos de armazenamento, como pendrives, para perícia. De acordo com a queixa apresentada pelo iFood, esse profissional teria copiado bases de dados de clientes pouco antes de pedir demissão. Parte do conteúdo teria chegado a terceiros, afirmativa contestada pelo investigado.
As autoridades aguardam a análise forense do material apreendido para confirmar a existência de arquivos proprietários da companhia e eventuais compartilhamentos. Em nota, o iFood ressalta que os investigados possuíam acesso legítimo às informações durante o contrato de trabalho, mas que o uso após o desligamento viola protocolos internos e as legislações de proteção a segredos comerciais.
Há ainda registro de um terceiro ex-funcionário que, às vésperas de sua saída, realizou downloads de documentos corporativos. A movimentação motivou reclamação trabalhista e abertura de inquérito específico. Todos esses processos correm sob sigilo, e os resultados das perícias ainda não foram divulgados.
Competição no mercado de delivery se intensifica com 99Food e novas entrantes
As disputas judiciais ocorrem em um contexto de acirramento da concorrência no setor. A 99Food retomou suas atividades recentemente com investimento pesado em expansão, enquanto outra plataforma de origem chinesa, a Keeta, iniciou operações em São Paulo. A chegada de novos players pressiona margens e amplia a necessidade de conquistar restaurantes e consumidores.
Nesse cenário, práticas como contratos de exclusividade voltam ao centro do debate. O tema já foi alvo de investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em anos anteriores e continua gerando controvérsia. Restaurantes que interromperam a exclusividade com o iFood relatam queda expressiva no faturamento, atribuindo o desempenho à perda de visibilidade dentro da plataforma que dominava suas vendas.
Além da briga por estabelecimentos, as empresas disputam talentos. Profissionais experientes em vendas, marketing e tecnologia vêm sendo assediados por propostas de salário superiores e participação em resultados. A migração de pessoal qualificado intensifica o risco de transferência não autorizada de know-how e, no entendimento do iFood, pode facilitar a circulação de documentos internos.
O que dizem especialistas sobre sigilo empresarial e responsabilidade das empresas
Advogados trabalhistas indicam que o empregado pode carregar para a nova empresa apenas o conhecimento técnico adquirido ao longo da carreira, mas não tem autorização para compartilhar segredos comerciais, listas de clientes, políticas de preços ou projeções financeiras. Caso essas informações transitarem para a concorrência sem consentimento, tanto o indivíduo quanto a empresa que se beneficia podem responder civil e criminalmente por concorrência desleal.
Especialistas reforçam ainda que cláusulas de não concorrência precisam estar expressas em contrato para gerar efeito. Quando inexistentes, o profissional é livre para mudar de empregador, desde que mantenha o sigilo dos dados sensíveis. No litígio atual, os processos apresentados pelo iFood incluem justamente cláusulas desse tipo e, segundo a companhia, há violação dupla: descumprimento do acordo e uso indevido de dados.
As ações em curso buscam indenizações, sanções pecuniárias e, se confirmada a materialidade, responsabilização criminal. Para o mercado, o desfecho desses casos pode criar precedente sobre a proteção de bases de dados em plataformas digitais, setor em que a informação sobre comportamento de consumo é elemento de alto valor estratégico.
Os resultados das perícias nos dispositivos apreendidos e as decisões finais dos processos trabalhistas permanecem pendentes e deverão ser conhecidos nos próximos meses, quando a Justiça concluir a análise das provas apresentadas pelas partes.

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