Frankenstein e a eletricidade do século XIX: o que a ciência real ofereceu à imaginação de Mary Shelley

Frankenstein e a eletricidade do século XIX: o que a ciência real ofereceu à imaginação de Mary Shelley

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Em 1816, a então jovem escritora britânica Mary Shelley concebeu a trama que resultaria em “Frankenstein”, romance em que o estudante Victor Frankenstein tenta reanimar matéria morta por meio de eletricidade. A obra surgiu na Suíça, em um encontro marcado por discussões científicas e filosóficas, e refletiu os avanços e temores que cercavam o uso da eletricidade no início do século XIX. A pergunta que persiste desde então é direta: havia base científica suficiente para sustentar a ideia de trazer um cadáver de volta à vida?

Índice

Mary Shelley e o ambiente intelectual que originou o romance

Mary Shelley tinha 18 anos quando passou uma temporada em Genebra, acompanhada de Percy Shelley, Lord Byron e outros intelectuais. O grupo, preso em longas noites chuvosas, propôs um desafio literário de produzir histórias de terror. As conversas giravam em torno de filosofia, avanços médicos e hipóteses sobre as fronteiras da vida. Desses debates, a autora extraiu o enredo de um criador que ousa romper limites naturais.

A educação de Mary Shelley favoreceu esse mergulho em temas complexos. Seu pai, William Godwin, era filósofo político; sua mãe, Mary Wollstonecraft, figura central no pensamento social. Essa convivência garantiu à jovem acesso a publicações, conferências e relatos científicos que transitavam entre o fascínio e o receio sobre a eletricidade recém-explorada.

Contexto histórico: eletricidade, curiosidade e ausência de regulações

O início do século XIX foi marcado por experimentações sem parâmetros éticos estabelecidos. A eletricidade, recém-descoberta e pouco compreendida, era vista quase como sinônimo de força vital. Pesquisadores acreditavam que correntes elétricas poderiam restaurar o movimento muscular e, talvez, reacender funções orgânicas em organismos mortos.

Demonstrações públicas de tais estudos lotavam auditórios. As plateias testemunhavam patas de animais recém-dissecados se contraindo ao contato com faíscas, fenômeno que alimentava tanto a curiosidade científica quanto o imaginário popular. Esse ambiente, onde a ciência ganhava contornos de espetáculo, influenciou diretamente a atmosfera sombria descrita por Shelley.

Galvanismo: a principal influência experimental

O termo “galvanismo” deriva do trabalho do médico italiano Luigi Galvani. Ele observou que pernas de rãs mortas se moviam quando conectadas a metais distintos, concluindo que a eletricidade podia ativar músculos sem auxílio do cérebro. A hipótese de uma “eletricidade animal” se espalhou rapidamente pela Europa, alcançando jornais, universidades e salões literários.

Giovanni Aldini, sobrinho de Galvani, levou a ideia a extremos. Em execuções recentes, aplicava correntes em cadáveres humanos. Braços erguidos, olhos que pareciam abrir e mandíbulas que se moviam eram exibidos a públicos atônitos. Embora as contrações fossem reflexos involuntários, muitos relatos sugeriam possibilidades de reanimação, ampliando o debate sobre até onde a ciência poderia ir.

Outros experimentos que repercutiram no período

Apartados do galvanismo, pesquisadores como Erasmus Darwin também investigavam movimentos involuntários em organismos. Técnicas rudimentares de ventilação artificial e massagem cardíaca surgiam timidamente, acompanhadas de especulações sobre recuperação de funções vitais. Esse conjunto de investigações configurou um pano de fundo em que a fronteira entre vida e morte pareceu, pela primeira vez, passível de manipulação prática.

O romance como espelho das tensões científicas

Mary Shelley não detalhou o método de criação do monstro; concentrou-se nas consequências éticas e sociais do feito. Essa escolha literária refletiu a preocupação da época: o conhecimento científico podia, teoricamente, animar matéria morta, mas restava a questão de responsabilidade sobre o resultado. Victor Frankenstein representa o pesquisador que ultrapassa limites e recusa prestar contas, tensão que ecoava nas discussões sobre experimentos sem ética clara.

A inviabilidade biológica da criação de Frankenstein

A ciência moderna aponta obstáculos imediatos à reanimação total de um corpo. Após a morte, tecidos começam a se degradar em poucos minutos. A falta de oxigênio causa morte celular, e o cérebro sofre danos irreversíveis. Correntes elétricas podem induzir contrações musculares, mas não restauram funções neurológicas complexas.

Outro impasse é a integração de partes distintas de vários corpos, ideia sugerida no romance. Transplantes contemporâneos exigem compatibilidade tecidual elevada e uso constante de imunossupressores. Montar um organismo composto por membros diversos violaria as defesas imunológicas conhecidas, gerando rejeição aguda.

Limitações tecnológicas diante da decomposição

Mesmo com avanços em suporte vital, transplantes ou biotecnologia, não existe método para reverter a cascata de reações químicas que acompanham a morte. Cada célula depende de produção contínua de energia; cessada essa produção, enzimas degradam componentes celulares. A mera aplicação de eletricidade não restaura membranas rompidas ou DNA danificado.

Frankenstein como alerta sobre responsabilidade científica

Embora impossível do ponto de vista técnico, a narrativa de Shelley permanece relevante porque põe em evidência o comportamento do cientista. Victor Frankenstein abandona a criatura, que passa a representar os perigos de pesquisas conduzidas sem consideração por consequências humanas. O romance faz distinção entre explorar a ciência e ignorar a ética, aspecto debatido ainda hoje em temas como inteligência artificial, engenharia genética e biotecnologia emergente.

A permanência do debate no século XXI

Adaptações recentes, como a produção lançada pela Netflix, reacendem o interesse nessa dualidade entre avanço científico e responsabilidade moral. Mesmo com diferenças significativas em relação ao romance original, as releituras mantêm o foco na pergunta central: até onde um pesquisador deve ir antes que as descobertas ultrapassem fronteiras aceitáveis?

Síntese dos fatos históricos e científicos

A ciência da época de Shelley forneceu insumos concretos, sobretudo via galvanismo, para que a autora concebesse a possibilidade de animar matéria inerte. O fascínio público por experimentos elétricos, a ausência de controle ético e a rapidez com que relatos se disseminavam criaram o cenário ideal para que a ficção dialogasse diretamente com a realidade emergente.

Contudo, as limitações biológicas identificadas posteriormente demonstram que o monstro de Frankenstein pertence ao campo da especulação. O corpo humano não suporta períodos prolongados de anóxia, e a combinação de partes heterogêneas não se sustenta frente às exigências imunológicas. Nesse contraste entre entusiasmo e impossibilidade reside o legado científico do romance: ele conecta ambição, medo e a necessidade permanente de reflexão ética sobre o poder de transformação que a ciência detém.

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