Estudo revisto reforça hipótese de sepultamentos pelo Homo naledi

Um artigo científico submetido novamente por uma equipa liderada pelo paleoantropólogo Lee Berger reacende o debate sobre se o Homo naledi praticava sepultamentos intencionais no sistema de cavernas Rising Star, na África do Sul. A versão revista apresenta dados adicionais que, segundo um dos avaliadores, tornam o argumento mais convincente, embora a comunidade académica permaneça dividida.

Novas evidências sobre deposição dos restos

O estudo original, publicado em 2023, defendia que esqueletos de Homo naledi foram colocados em covas escavadas deliberadamente. A alegação gerou ceticismo, principalmente porque a espécie possuía um cérebro proporcionalmente pequeno, comparável ao de um chimpanzé, característica vista como incompatível com comportamentos simbólicos complexos.

Na versão agora submetida à revista eLife, a equipa de Berger incluiu reconstruções tafonómicas detalhadas, articulações ósseas preservadas e padrões de deslocamento dos restos. Os autores apresentaram ainda uma cronologia das etapas de morte e deposição, com o objetivo de distinguir processos naturais — como transporte hídrico ou quedas — de ações deliberadas.

Entre os novos elementos, destacam-se:

  • Mapeamento tridimensional dos ossos dentro das câmaras subterrâneas;
  • Análises de sedimentação que descartam fluxo de água capaz de arrastar ossadas;
  • Descrições de cavidades escavadas no piso da gruta, compatíveis com túmulos rasos.

Revisores divididos após a reformulação

Quatro especialistas avaliaram o manuscrito original e, na altura, consideraram as provas insuficientes. Aquando da nova submissão, dois desses revisores voltaram a analisar o trabalho. Um manteve a posição crítica, apontando dúvidas sobre como hominídeos de baixa estatura poderiam ter alcançado câmaras de acesso difícil com cadáveres intactos. O outro, porém, alterou a sua conclusão, referindo que as novas análises “robustecem significativamente” a hipótese de sepultamento intencional.

Segundo esse avaliador, a combinação de evidências tafonómicas, integridade anatómica e ausência de agentes de transporte natural “reduz substancialmente” explicações alternativas. Apesar disso, sublinha que a questão “não está encerrada” e requer investigação adicional, nomeadamente escavações controladas noutras áreas da gruta.

Implicações para a compreensão do comportamento humano

Se confirmada, a prática de enterrar os mortos por parte do Homo naledi empurraria para trás no tempo a origem de rituais funerários, até agora atribuídos sobretudo a Homo sapiens e Neandertais. A espécie viveu há cerca de 236 a 335 mil anos, intervalo que coincide com o aparecimento dos primeiros humanos modernos em África.

Para Berger e colegas, o comportamento sugerido indicaria que capacidade simbólica não depende exclusivamente do volume cerebral. Críticos contrapõem que, mesmo com as novas informações, faltam ainda evidências culturais complementares, como ferramentas ou pigmentos associados aos ossos, que reforçariam a interpretação funerária.

Próximos passos da investigação

A equipa planeia continuar as escavações em Rising Star, realizar datações adicionais e aplicar técnicas avançadas de imagem para mapear áreas ainda inexploradas. Paralelamente, outros grupos procuram elementos comparáveis noutras grutas da África Austral para verificar se o alegado padrão se repete.

Enquanto isso, o debate permanece aberto. A revisão do artigo demonstra a importância do processo científico, no qual novas informações podem alterar avaliações anteriores, mas também evidencia a cautela com que a comunidade aborda afirmações que redefinem etapas-chave da evolução humana.

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