Estudo revela indícios de vasto reservatório de água sob a Terra

Investigadores internacionais identificaram novos sinais de que uma quantidade de água possivelmente superior a três vezes o volume dos oceanos pode estar armazenada a centenas de quilómetros de profundidade, retida em minerais do manto terrestre.

Ringwoodita funciona como “esponja” a 700 km de profundidade

O trabalho, publicado na revista Communications Earth & Environment, analisou amostras de rochas extraídas da Província Ígnea de Emeishan, no sul da China. As amostras continham ringwoodita, mineral que se forma apenas sob pressões extremas, características da zona de transição entre o manto superior e o inferior, situada entre 410 e 660 quilómetros abaixo da superfície. A estrutura cristalina da ringwoodita atrai hidrogénio, permitindo-lhe incorporar até 1,5 % de água na sua composição, um comportamento que tem sido comparado a uma esponja sólida.

Medições sísmicas realizadas em campanhas anteriores já tinham detetado variações na propagação de ondas de terramoto compatíveis com a presença de água nessa região profunda. A nova análise reforça esses indícios ao demonstrar que parte da humidade presa na ringwoodita pode ter origem na superfície.

Subducção pode explicar transporte de água para o interior

Os cientistas recorreram a isótopos de boro para rastrear a proveniência da água detetada. O sinal isotópico das rochas chinesas revelou semelhanças com composições típicas de crosta oceânica, sugerindo que a água foi arrastada para o interior do planeta por placas tectónicas em subducção. Quando uma placa mergulha sob outra, transporta sedimentos húmidos e crosta hidratada que, sob temperaturas e pressões elevadas, libertam água que acaba retida na ringwoodita.

De acordo com a equipa, o processo provoca áreas localizadas de hidratação na zona de transição do manto. Parte desse material pode regressar à superfície através de plumas mantélicas, colisões continentais ou atividade vulcânica, estabelecendo um ciclo hidrológico profundo muito mais abrangente do que o normalmente considerado.

Volume potencial excede três oceanos

Mesmo que apenas 1 % da ringwoodita presente na zona de transição contenha água, o reservatório resultante superaria três vezes o volume de todos os oceanos à superfície. Essa estimativa coloca a zona de transição como um dos principais repositórios de água do planeta e levanta questões sobre a origem da própria água terrestre. Alguns investigadores admitem que parte da água hoje existente na superfície possa ter sido libertada gradualmente do interior ao longo da história geológica.

Novas regiões em estudo

Além da Província Ígnea de Emeishan, outras regiões com características geológicas semelhantes, como a Província Ígnea do Rio Columbia, nos Estados Unidos, estão a ser apontadas como possíveis locais onde o mesmo fenómeno possa ter ocorrido. Amostras desses locais poderão confirmar se a transferência de água por subducção é generalizada ou limitada a situações específicas.

Os autores defendem a necessidade de recolher mais dados sísmicos e geoquímicos à escala global para compreender a distribuição deste possível reservatório subterrâneo. O conhecimento do ciclo hidrológico profundo poderá também ajudar a explicar variações na atividade vulcânica e na dinâmica das placas tectónicas.

Implicações para a evolução do planeta

Se a presença de grandes volumes de água no manto for confirmada, vários modelos sobre a formação da Terra e a evolução do seu sistema hidrológico terão de ser revistos. A existência de um “oceano” interno afetaria a forma como se avalia a reciclagem de minerais, a condução de calor e a composição química do manto. Além disso, a descoberta pode alterar perceções sobre a habitabilidade de outros corpos planetários, ao sugerir que processos semelhantes podem ocorrer noutros mundos rochosos.

Para já, as conclusões permanecem cautelosas. O estudo acrescenta evidências fortes, mas indiretas, exigindo uma combinação de análises laboratoriais, observações sísmicas detalhadas e modelação computacional para quantificar a água efetivamente retida. A confirmar-se, o reservatório escondido pode representar um capítulo decisivo na compreensão da dinâmica interna da Terra.

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Imagem: água via olhardigital.com.br

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