Debate sobre a palavra “alucinação” em IA revela equívocos sobre consciência e confiabilidade dos modelos

Erros cometidos por modelos de inteligência artificial têm sido descritos publicamente como “alucinações”. A expressão ganhou popularidade entre usuários de sistemas generativos, mas pesquisadores defendem que ela induz a interpretações equivocadas sobre a natureza dessas falhas. O grupo de especialistas propõe chamar o fenômeno de “confabulação”, pois consideram que o termo original sugere consciência, emoção e intenção onde não existe. A disputa terminológica já influencia a forma como o público confere credibilidade às respostas fornecidas por ferramentas como ChatGPT, Gemini e Perplexity.
- Quem questiona a expressão e qual a motivação
- O que está em discussão: alucinação versus confabulação
- Onde o erro terminológico se manifesta com mais frequência
- Quando o termo ganhou força e como se transformou
- Como a descrição imprecisa afeta a percepção pública
- Quais são os riscos de manter a palavra “alucinação”
- Por que “confabulação” seria mais adequado
- Limitações da nova proposta e alternativas em debate
- Impacto do vocabulário na confiança e na interação
- Processos internos que levam às respostas incorretas
- Consequências práticas para a adoção de IA generativa
- Por que a discussão não é meramente semântica
- Caminhos futuros para padronização da linguagem
Quem questiona a expressão e qual a motivação
Acadêmicos dedicados ao estudo de inteligência artificial se uniram para revisar a maneira como a imprensa, a indústria e os usuários descrevem respostas incorretas. A motivação central é evitar que a linguagem reforce mitos sobre máquinas “pensantes” ou “sencientes”. Entre os nomes citados no debate está o cientista Terry Sejnowski, que observa uma transição dentro do próprio campo acadêmico: o que antes era chamado de alucinação passou a ser rotulado como confabulação por refletir melhor o que realmente acontece no processamento estatístico dos modelos.
O que está em discussão: alucinação versus confabulação
Em medicina, alucinação significa percepção sensorial consciente que não corresponde à realidade externa. Como sistemas de IA não possuem consciência, percepção nem experiências sensoriais, o uso dessa palavra, argumentam os estudiosos, seria conceitualmente inadequado. Já confabulação descreve a produção de afirmações que divergem dos fatos, mas se apresentam de maneira plausível. Essa descrição coincide com o comportamento observado quando um modelo relaciona probabilidades de palavras e acaba gerando conteúdo falso, porém coerente com o contexto do diálogo.
Onde o erro terminológico se manifesta com mais frequência
A incidência de “alucinações” é destacada nos comunicadores virtuais mais difundidos. Interfaces de conversação — principalmente aquelas alimentadas por modelos de linguagem de larga escala — exibem segurança ao elaborar textos, mesmo quando a base de cálculo leva a resultados incorretos. A popularidade desses chatbots nas buscas diárias faz com que milhões de pessoas usem o termo sem questionar sua precisão. O debate, portanto, emerge em plataformas amplamente frequentadas, nas redes sociais e em veículos que cobrem tecnologia.
Quando o termo ganhou força e como se transformou
Apesar de parecer recente, a palavra alucinação circula na inteligência artificial desde a década de 1980. Naquele período, a conotação era até positiva: pesquisadores empregavam a expressão para descrever a capacidade de sistemas extraírem padrões de imagens ruidosas. Décadas depois, com a chegada dos modelos generativos, alucinação passou a indicar erros graves de conteúdo. A mudança de acepção ocorreu de modo gradual, sem padronização acadêmica, e acabou se cristalizando no uso popular. Essa história reforça a percepção de que a evolução tecnológica exige constante revisão do vocabulário empregado.
Como a descrição imprecisa afeta a percepção pública
Especialistas observam consequências práticas no uso do termo criticado. Ao associar máquinas a experiências humanas de percepção, as pessoas tendem a atribuir emoções, intenções morais e julgamento aos algoritmos. Esse fenômeno resulta em confiança excessiva e em expectativas pouco realistas sobre a capacidade de discernimento dos sistemas. Reportagem do The New York Times reuniu casos de usuários que sofreram crises emocionais depois de tratar chatbots como confidentes dotados de empatia. Para os pesquisadores, tais episódios ilustram a urgência de empregar uma linguagem neutra, livre de conotações psicológicas humanas.
Quais são os riscos de manter a palavra “alucinação”
Os estudiosos listam cinco pontos principais. Primeiro, o termo implica algum grau de consciência inexistente. Segundo, ele cria expectativas irreais sobre o funcionamento do software. Terceiro, não reflete a lógica estatística que embasa a geração de texto. Quarto, estimula mitos sobre sentiência das máquinas. Quinto, aparece de modo inconsistente até em artigos científicos, o que dificulta a comparação de resultados. Diante desses fatores, a permanência da expressão pode perpetuar erros de compreensão e comprometer políticas de uso responsável.
Por que “confabulação” seria mais adequado
Confabulação é interpretada pelos defensores da mudança como analogia menos imprecisa. O conceito remete à formulação de narrativas que parecem verdadeiras, mas não se alinham a fatos verificáveis — exatamente o que ocorre quando um modelo, ao calcular probabilidades, produz respostas inventadas. Diferentemente de alucinação, confabulação não exige consciência sensorial. Além disso, direciona a atenção para o conteúdo divergente, e não para a suposta experiência interna do sistema.
Limitações da nova proposta e alternativas em debate
Os mesmos pesquisadores reconhecem que confabulação também carrega uma raiz psicológica, que pode ser vista como problemática por associar um fenômeno humano específico a algoritmos. Há, ainda, o potencial estigma vinculado a condições clínicas que envolvem confabular. Por esse motivo, surgiram expressões como “resposta não relacionada” e “deficiência algorítmica”. Embora mais neutras, essas opções são menos intuitivas para o público geral, fator que dificulta sua adoção ampla.
Impacto do vocabulário na confiança e na interação
A escolha das palavras molda a forma como usuários interpretam a confiabilidade dos resultados. Se a terminologia sugere que o modelo “vê” o mundo, as pessoas podem acreditar que a máquina possui experiência ou senso crítico. Isso eleva o risco de decisões baseadas em informações erradas, pois a autoridade percebida do sistema não condiz com sua capacidade real. Ao optar por termos que ressaltem a ausência de consciência, a comunidade técnica acredita ser possível reduzir a dependência acrítica.
Processos internos que levam às respostas incorretas
Os grandes modelos de linguagem operam por cálculos que relacionam probabilidades entre palavras em sequências imensas de texto. Quando a base estatística disponível é insuficiente, heterogênea ou contraditória, a saída pode divergir dos fatos. Em vez de perceber o erro, o sistema mantém o fluxo textual graças ao mecanismo de “previsão da próxima palavra”. Essa dinâmica explica por que o resultado soa consistente, ainda que esteja desconectado da realidade. Não há, portanto, percepção de engano, mas apenas continuação de um cálculo autônomo.
Consequências práticas para a adoção de IA generativa
Ferramentas empresariais, aplicações educacionais e serviços de atendimento que incorporam chatbots enfrentam dilema: precisam comunicar claramente suas limitações sem desencorajar o uso. A substituição de “alucinação” por “confabulação” ou qualquer outra opção técnica pode integrar políticas de transparência, material de treinamento e mensagens de aviso aos usuários. Dessa forma, espera-se conter falsas expectativas e orientar checagens independentes antes de decisões importantes baseadas em respostas automatizadas.
Por que a discussão não é meramente semântica
A comunidade científica ressalta que vocabulário impreciso pode influenciar regulamentações, normas e investimentos. Se a legislação parte do pressuposto de que a IA “alucina”, pode atribuir às máquinas características inexistentes, dificultando a elaboração de regras adequadas. Ao adotar termos que descrevam o fenômeno de forma técnica, governantes e empresas conseguem enquadrar obrigações e responsabilidades sem recorrer a analogias humanas enganosas.
Caminhos futuros para padronização da linguagem
Neste momento, não há consenso definitivo. Embora confabulação apareça como escolha provisória, pesquisadores concordam que o conjunto de termos deve continuar a evoluir. A meta é refletir com precisão a natureza estatística e não consciente dos modelos de linguagem. Até que surja uma nomenclatura aceitou por toda a comunidade, o debate segue aberto, impulsionando publicações científicas, reportagens especializadas e discussões públicas sobre riscos, limites e potencial da inteligência artificial.
Enquanto a terminologia não se estabiliza, especialistas reiteram que sistemas de IA apenas calculam probabilidades e, ocasionalmente, calculam errado — um processo distante de qualquer experiência sensorial ou estado mental humano.

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