Segunda fase da COP30 traz disputa sobre financiamento climático e pressiona Belém por acordos concretos

- Início da etapa ministerial: o momento mais político da COP30
- Documento-chave revela quatro impasses centrais
- Financiamento climático: o fiel da balança
- NDCs e indicadores globais de adaptação ganham urgência
- Decisões de capa: fórmula para lidar com múltiplas controvérsias
- Pressão das ruas: Marcha Global por Justiça Climática
- A presença da indústria fóssil e o prêmio “Fóssil do Dia”
- Aldeia COP: protagonismo indígena e experiências de campo
- O que está em jogo nos próximos dias
Início da etapa ministerial: o momento mais político da COP30
A 30ª Conferência das Partes (COP30) alcançou sua fase decisiva em Belém (PA) na manhã de segunda-feira, 17 de junho, quando ministros e representantes de alto escalão desembarcaram na capital paraense. Essa nova etapa, considerada a mais politicamente sensível, transfere o protagonismo dos negociadores técnicos para autoridades com poder de decisão, que agora precisam definir até onde estão dispostas a ceder para fechar um pacote global de ações climáticas.
No ato de abertura, discursaram o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin; o embaixador André Corrêa do Lago, que preside a COP30; o secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Simon Stiell; e a ministra alemã Annalena Baerbock, em nome da ONU. A solenidade marcou a transição oficial de uma primeira semana dedicada a aspectos técnicos para um segundo bloco focado em decisões políticas.
Documento-chave revela quatro impasses centrais
Na véspera da retomada das negociações de alto nível, a presidência divulgou um diagnóstico técnico que sistematiza mais de cem temas resolvidos e, sobretudo, sinaliza onde as delegações ainda divergem. Quatro pontos foram destacados como os mais controversos:
1. Financiamento climático;
2. Comércio internacional relacionado ao clima;
3. Lacuna de ambição em relação às metas do Acordo de Paris;
4. Relatórios de implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
A decisão de isolar esses itens da agenda formal na primeira semana permitiu avanço sobre tópicos menos sensíveis, mas agora o desafio se concentra em traduzir o diagnóstico em texto de decisão respaldado por todos os governos presentes.
Financiamento climático: o fiel da balança
Entre os impasses, o financiamento se consolidou como o eixo capaz de destravar (ou paralisar) as demais negociações. O Brasil propôs mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para apoiar mitigação, adaptação e transição energética em nações em desenvolvimento. Embora elogios à ambição brasileira tenham sido registrados, a iniciativa enfrenta resistência explícita de Japão, China e Quênia, que questionam a forma como o debate foi estruturado e evitam endossar o texto elaborado conjuntamente pelas presidências da COP29 e COP30.
Complicando o cenário brasileiro, o resumo técnico distribuído no domingo não incorporou os chamados “mapas do caminho” defendidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ausência esvaziou o peso político da proposta quando o tema passou ao centro da mesa ministerial, exigindo articulações adicionais para reinserir elementos considerados prioritários pela diplomacia nacional.
Apesar das barreiras, sinais pontuais de avanço surgiram. A Alemanha indicou que deverá anunciar, nos próximos dias, o valor que pretende aportar no Fundo Tropical Forests Forever (TFFF), mecanismo liderado pelo Brasil para remunerar a conservação de grandes áreas florestais. A expectativa é que esse compromisso estimule outros financiadores a se posicionarem.
Outra frente crítica envolve o compromisso coletivo de triplicar o financiamento global para adaptação até 2030. Sem clareza sobre montantes e fontes de recursos, especialistas alertam que todo o pacote político da COP30 pode emperrar, uma vez que adaptação é vista por nações vulneráveis como condição inegociável.
NDCs e indicadores globais de adaptação ganham urgência
Com o ingresso dos ministros, a conferência passa a concentrar esforços na materialização das metas assumidas desde o Acordo de Paris, evitando criar novas obrigações antes de comprovar execução das existentes. A presidência reitera que esta deve ser uma COP voltada à implementação, e não à proliferação de promessas.
Um rascunho de texto já apresenta indicadores universais para medir progresso em adaptação, mas ainda falta consenso em torno de definição técnica e cronograma de adoção. Se o acordo atrasar, ações e investimentos podem perder velocidade, reduzindo o impacto prático da conferência.
Decisões de capa: fórmula para lidar com múltiplas controvérsias
A discussão sobre as chamadas “decisões de capa” — textos políticos que funcionam como guarda-chuva para sintetizar resultados — voltou ao centro das conversas. Embora o Brasil afirme preferir não recorrer a esse instrumento, a pressão internacional por um sinal claro a respeito de combustíveis fósseis, desmatamento e financiamento reabriu a possibilidade.
Diferentemente dos itens formais da agenda, as decisões de capa não passam por negociação linha a linha, o que desperta cautela em vários países que temem concessões sem debate aprofundado. Nos bastidores, cresce a avaliação de que os quatro tópicos polêmicos poderão ser empacotados em uma única saída política, potencialmente incorporada a um texto de capa para assegurar algum avanço, mesmo que parcial.
O histórico das COPs anteriores reforça o peso desse mecanismo: em Glasgow e Dubai, ele elevou a ambição; em Madri e Sharm el-Sheikh, frustrou expectativas. Em Belém, a percepção é que a decisão de recorrer ou não a esse expediente pode definir a avaliação final da conferência.
Pressão das ruas: Marcha Global por Justiça Climática
No fim de semana que antecedeu a fase ministerial, Belém sediou a Marcha Global por Justiça Climática, que reuniu milhares de participantes — entre eles movimentos sociais de vários continentes. Três caixões com as inscrições “carvão”, “petróleo” e “gás” tornaram-se a imagem-símbolo do protesto, reforçando a demanda por uma transição energética acelerada.
Embora fora do perímetro oficial da conferência, a caminhada foi transmitida nos telões da chamada Zona Azul, lembrando aos negociadores que há cobrança crescente por resultados tangíveis. Para vários observadores, manifestações desse tipo ampliam a sensação de urgência e reduzem a margem para acordos minimalistas.
A presença da indústria fóssil e o prêmio “Fóssil do Dia”
A participação de representantes ligados ao setor de petróleo e gás voltou a gerar contestação. No sábado, 15 de junho, a Indonésia recebeu o prêmio satírico “Fóssil do Dia”, entregue por organizações da sociedade civil a delegações consideradas obstrucionistas. O país foi acusado de levar um dos maiores contingentes de lobistas fósseis entre as nações em desenvolvimento e de replicar seus argumentos em plenária sobre o mercado de carbono (Artigo 6.4).
Um levantamento citado por entidades revela que mais de 1,6 mil pessoas associadas à indústria fóssil estão credenciadas para a COP30, superando o tamanho de delegações inteiras de países considerados vulneráveis. Críticos argumentam que a influência direta desses atores ameaça comprometer a ambição climática, especialmente nos debates sobre eliminação progressiva de combustíveis fósseis.
Aldeia COP: protagonismo indígena e experiências de campo
Paralelamente às tratativas oficiais, a Universidade Federal do Pará (UFPA) hospedou a Aldeia COP, que reuniu mais de três mil indígenas brasileiros e estrangeiros. Nos painéis, lideranças relataram impactos já sentidos no cotidiano, como perda de safras devido a chuvas irregulares ou ondas de calor fora de época, e defenderam participação direta nas instâncias decisórias.
A presença maciça desses povos ressalta que, para muitas comunidades, a crise climática não é uma abstração geopolítica, mas uma questão existencial que atravessa modos de vida, segurança alimentar e identidade cultural. O espaço reforçou o entendimento de que qualquer pacto climático duradouro precisa envolver, de maneira estruturada, quem vive na linha de frente das mudanças ambientais.
O que está em jogo nos próximos dias
Com prazo limitado até o encerramento da conferência, ministros precisam resolver uma equação complexa: garantir recursos concretos para adaptação e mitigação, estabelecer parâmetros de avaliação de NDCs, pactuar regras de comércio climático que não gerem barreiras unilaterais e preencher a lacuna entre promessas e ações. Se o financiamento permanecer indefinido, há risco de bloqueio em série das demais frentes.
Ao mesmo tempo, a pressão externa — de ruas, academia, sociedade civil e povos originários — tende a aumentar, exigindo respostas claras sobre a trajetória de abandono de combustíveis fósseis e sobre a proteção de florestas tropicais. Em Belém, esses vetores se cruzam no momento em que a política global do clima busca provar que o ciclo iniciado em Paris pode entregar resultados mensuráveis.

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