Ceará recebe mega data centers e assume papel de novo hub de internet no Brasil

A construção de grandes centros de dados está a transformar o Ceará num dos principais eixos de infraestrutura digital do Brasil. A localização estratégica, a ligação a 16 cabos submarinos e o custo inferior de terrenos, quando comparado com São Paulo e Rio de Janeiro, impulsionam o movimento que coloca o Estado na rota de empresas globais.

Investimentos superam 50 mil milhões de reais

Em Fortaleza, a Tecto — braço de infraestrutura digital do grupo BTG — prepara a entrada em funcionamento do seu terceiro data center, designado Mega Lobster. A unidade, cuja inauguração está marcada para outubro, arranca com potência instalada de 10 MW e pode duplicar para 20 MW. O investimento directo ronda os R$ 550 milhões e soma-se aos 20 MW já em operação na capital cearense desde o início de 2024.

No município vizinho de Caucaia, a Casa dos Ventos desenvolve um complexo de dimensão muito superior. Com capacidade inicial de 300 MW, o projecto representa R$ 12 mil milhões em obras civis e outros R$ 38 mil milhões destinados pelos clientes à importação de equipamentos. Quando concluído, o empreendimento aumentará em cerca de 30 % a capacidade de processamento de dados disponível no país.

Francisco António Martins Barbosa, presidente da Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice), aponta três factores para o protagonismo regional: proximidade geográfica aos Estados Unidos, Europa e África; presença de múltiplos cabos submarinos; e preços de terrenos abaixo dos praticados nos maiores centros económicos do Sudeste.

Os operadores também realçam a vertente ambiental. A produção de energia eólica no litoral cearense reduz a pegada carbónica dos data centers, enquanto a inexistência de sistemas de arrefecimento por evaporação minimiza o consumo de água — recurso crítico noutras regiões do Brasil.

Falta de mão-de-obra e riscos costeiros

Apesar do avanço, a carência de profissionais qualificados dificulta a execução dos projectos. Edwin Eduardo Serrano Sanchez, gerente de operações da Tecto, explica que a empresa tem contratado trabalhadores experientes na construção de hospitais, cuja complexidade técnica é semelhante, e investido na sua requalificação. Durante a fase de obra do Mega Lobster, o número de funcionários no estaleiro atingiu 400; na operação permanente, deverão permanecer cerca de 40 técnicos e pessoal de apoio.

A proximidade ao mar obriga a cuidados adicionais. Equipamentos recebem tintas anticorrosão e reforço contra maresia, enquanto barreiras físicas protegem as instalações da areia. Os geradores, capazes de atingir 110 decibéis, exigem isolamento acústico para não afectar as zonas habitacionais vizinhas.

Pressões sociais e licenciamento ambiental

Os investimentos geram tensões com comunidades locais. No início de agosto, representantes do povo indígena Anacé ocuparam a sede da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) em Caucaia, alegando falta de consulta prévia sobre o projecto da Casa dos Ventos. Além disso, críticos contestam o processo de licenciamento ambiental, conduzido ao abrigo de normas semelhantes às aplicadas a centros comerciais.

O professor Alberto Sampaio Lima, da Universidade Federal do Ceará, recorda que a regulamentação é competência municipal, mas o Governo do Estado acompanha o debate. Para o académico, a utilização de turbinas eólicas produzidas em Aquiraz demonstra que a sustentabilidade é elemento central da estratégia industrial cearense.

Noutros pontos do litoral, o impacto tem sido discreto. Na Praia do Futuro, onde o Mega Lobster avança, moradores relatam normalidade e mencionam comunicação prévia por parte da autarquia.

Polo em ascensão no mapa digital

Com São Paulo consolidado como maior mercado e o Rio de Janeiro prestes a ser ultrapassado, o Ceará posiciona-se para ocupar o segundo lugar na lista de polos de data centers do Brasil. A perspectiva de novas ligações submarinas, aliada à expansão da energia renovável, sugere continuidade no fluxo de capitais para a região.

Se concretizados os planos em curso, o Estado ganhará importância não apenas como ponto de passagem de tráfego internacional, mas também como base de processamento de dados de plataformas globais, como o TikTok, previsto para o complexo da Casa dos Ventos. Ao mesmo tempo, a procura por engenheiros, técnicos de refrigeração e especialistas em redes deverá aumentar, reforçando a necessidade de programas de formação locais.

Entre oportunidades económicas, exigências ambientais e desafios de qualificação, o Ceará confirma-se como peça vital na infraestrutura que sustenta a economia digital brasileira.

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