Brasil proíbe testes em animais para cosméticos e impõe rotulagem até 2027
O Brasil aprovou uma lei federal que elimina a utilização de animais em pesquisas destinadas a produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. A medida, sancionada no fim de julho, conclui um processo legislativo de 12 anos e passa a enquadrar o país nas mesmas práticas já vigentes em várias nações da Europa, bem como no Canadá, Índia, Austrália e em alguns estados norte-americanos.
Fim dos testes em laboratório
Coelhos, porquinhos-da-índia e camundongos eram tradicionalmente expostos a substâncias para verificar possíveis reações alérgicas ou irritações cutâneas e oculares. Com a nova legislação, essa prática fica totalmente vedada em território nacional. Além da proibição interna, a lei impede a comercialização de artigos testados em animais fora do país, abrangendo tanto importadores como distribuidores.
A aprovação contou com forte mobilização de organizações de defesa dos animais, que há mais de uma década pressionavam o Congresso Nacional. O texto definitivo recebeu apoio transversal de diferentes bancadas e entrou em vigor imediatamente após a publicação.
Fiscalização e rotulagem gradual
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispõe de dois anos para criar procedimentos de inspeção que garantam o cumprimento integral da lei em laboratórios e cadeias de produção. Até 2027, o órgão deverá ainda regulamentar selos oficiais que identifiquem claramente, nas embalagens, os produtos livres de testes em animais, permitindo aos consumidores reconhecer rapidamente as marcas que obedecem às novas regras.
Alguns estados brasileiros, como São Paulo, já possuíam legislação regional no mesmo sentido. A norma federal uniformiza as exigências em todo o território, evitando diferenças de critérios entre regiões e reduzindo custos de conformidade para a indústria.
Alternativas científicas em expansão
Boa parte dos laboratórios de cosmética no Brasil já recorre a métodos alternativos para garantir a segurança dos artigos colocados no mercado. Entre as soluções mais avançadas destaca-se a utilização de tecidos humanos reconstruídos em laboratório. A empresa francesa Episkin, com fábrica instalada no país, foi uma das pioneiras neste processo. Segundo a companhia, mais de 45 000 unidades de pele humana artificial já foram fornecidas a centros de pesquisa brasileiros.
O procedimento começa com a recolha de pequenos fragmentos de pele excedentes de cirurgias plásticas, mediante termo de consentimento. No laboratório, esses amostras são analisadas, dissociadas e cultivadas até formarem um tecido completo em cerca de um mês. O resultado permite testar a compatibilidade de substâncias de forma ética e tecnicamente robusta.
Setores que ainda recorrem a animais
Para especialistas em biotecnologia, a nova lei representa um avanço substantivo, mas não cobre todas as áreas que mantêm experimentação animal. A doutora Bianca Marigliani recorda que brinquedos, artigos escolares, pesticidas, produtos de limpeza, medicamentos e vacinas continuam a recorrer a modelos animais para avaliação de segurança ou eficácia. Segundo a investigadora, o objetivo a médio prazo é alargar a proibição à medida que metodologias alternativas fiquem validadas cientificamente.
Organizações não governamentais veem na legislação um incentivo à inovação. A expectativa é de que universidades e empresas invistam em modelos in vitro, simulações por computador e outras técnicas que dispensam seres vivos, impulsionando pesquisas mais rápidas e custos potencialmente menores.
Impacto económico e competitivo
O mercado brasileiro de cosméticos é o quarto maior do mundo, representando uma parcela significativa do PIB industrial. Analistas do sector consideram que a harmonização com normas internacionais evitará barreiras comerciais, sobretudo na União Europeia, onde a entrada de produtos testados em animais está proibida desde 2013. As grandes multinacionais instaladas no Brasil já operavam, na prática, sem experimentação animal, de modo que o impacto logístico deve ser limitado às empresas de menor porte.
Entidades empresariais apontam, contudo, a necessidade de apoio técnico para a adaptação de fabricantes regionais. A implantação das rotinas de fiscalização pela Anvisa será acompanhada de programas de capacitação para laboratórios que pretendam migrar para métodos substitutivos.
Próximos passos
Com a legislação em vigor, o foco desloca-se para a implementação de regulamentos específicos, a certificação de alternativas científicas e a sensibilização do consumidor. A criação de um selo nacional “cruelty-free” deverá reforçar a transparência no ponto de venda e influenciar escolhas de compra, replicando experiências positivas de outros mercados.
A proibição brasileira reforça a tendência global de eliminação de testes em animais na indústria da beleza e higiene, colocando o país entre os líderes regionais em matéria de bem-estar animal e inovação tecnológica.

Imagem: AndriiKoval via olhardigital.com.br