Bloqueio em El-Fasher condena crianças à fome e trava ajuda humanitária

O cerco imposto pela Força de Apoio Rápido (RSF) à cidade sudanesa de El-Fasher, no Darfur, está a provocar uma crise de fome que atinge sobretudo as crianças e dificulta a entrada de assistência humanitária, alertam organizações internacionais.

Escalada de preços e recurso a alimentos para animais

Voluntários da cozinha comunitária Matbakh-al-Khair relatam que o aumento dos preços tornou impossível adquirir produtos básicos. O dinheiro que, há poucos meses, garantia refeições para uma semana cobre agora apenas um dia. Perante a escassez de farinha, os responsáveis recorrem a ambaz, resíduo de amendoim normalmente destinado a animais, para preparar uma papa que, muitas vezes, é a única refeição diária das crianças.

Segundo o Conselho Norueguês para os Refugiados, cinco mil dólares — cerca de 3 680 euros — alimentavam 1 500 pessoas durante uma semana no início do ano; atualmente, a mesma quantia basta para um único dia.

Hospitais sem capacidade e surto de cólera

As unidades de saúde em El-Fasher funcionam sob bombardeamentos e com falta de material médico. O hospital Al-Saudi, um dos poucos ainda em operação, admite crianças em estado grave de subnutrição, mas não dispõe de alimentos terapêuticos. Médicos no local afirmam que os doentes “esperam pela morte” devido à ausência de tratamento adequado.

À fome soma-se um surto de cólera que se alastra pelos campos de deslocados instalados nos arredores da cidade. A doença, potenciada pela época de chuvas e pela destruição das infraestruturas de água, já provocou centenas de vítimas no Sudão. Em Tawila, a 60 km de El-Fasher, organizações como a Aliança para a Ação Médica Internacional alertam para a falta de medicamentos e de instalações de higiene, enquanto a Médicos Sem Fronteiras calcula que a disponibilidade de água nos campos mal chega a três litros por pessoa por dia.

Bloqueio e disputas militares prolongam o sofrimento

El-Fasher converteu-se no principal bastião do Exército sudanês no Darfur após mais de dois anos de confrontos com a RSF, iniciados depois de ambos os comandos terem participado num golpe de Estado e, posteriormente, entrado em conflito. A RSF intensificou o bloqueio há 14 meses, depois de perder Cartum, e lançou nas últimas semanas alguns dos ataques mais violentos sobre a cidade.

O Exército autorizou a entrada de comboios de ajuda, mas as Nações Unidas aguardam autorização formal da RSF. Conselheiros da força paramilitar afirmam recear que uma trégua seja utilizada para reabastecer posições militares adversárias. Enquanto isso, civis que tentam fugir enfrentam postos de controlo, cobranças ilegais e risco de ataques.

Apelos internacionais sem resposta

Agências da ONU e organizações não-governamentais denunciam o uso deliberado da fome como arma de guerra. Num comunicado conjunto, várias ONG referem “ataques sustentados, obstrução de ajuda e destruição de infraestruturas críticas” como parte de uma estratégia para quebrar a população através da fome, do medo e do desgaste.

O representante da UNICEF no Sudão, Sheldon Yett, renovou esta semana o pedido de uma pausa humanitária imediata para permitir a entrada de alimentos e medicamentos. Até ao momento, não há indicação de que os beligerantes aceitem o apelo.

Deslocação em massa agrava crise regional

Centenas de milhares de residentes e deslocados do campo de Zamzam abandonaram El-Fasher desde abril, quando a RSF assumiu o controlo da área. Muitos chegam a Tawila exaustos, com relatos de violência e extorsão durante o trajeto. Embora a cidade ofereça relativo acesso humanitário, os recursos são insuficientes face ao fluxo constante de deslocados.

Entre os recém-chegados encontra-se Zubaida Ismail Ishaq, grávida de sete meses. Após a captura do marido por homens armados, viajou a pé com a família e contraiu cólera à chegada ao campo. “Bebemos água sem ferver porque não há outra opção”, afirma.

Crianças sob ameaça imediata

Organizações médicas sublinham que os mais vulneráveis, sobretudo crianças com doenças pré-existentes, estão a morrer primeiro. A ausência de alimentos e de cuidados de saúde adequados aumenta diariamente o número de mortes infantis. Mulheres que distribuem refeições na cozinha comunitária apelam a um corredor aéreo de emergência: “Estamos exaustas. Se puderem lançar comida do ar, qualquer ajuda, façam-no.”

Com a continuação do cerco, o risco de fome generalizada cresce. Sem um acordo de cessar-fogo que permita a entrada segura de ajuda, El-Fasher mantém-se num impasse humanitário que ameaça milhares de vidas, sobretudo as das crianças já marcadas pela subnutrição e pela doença.

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Imagem: bbc.com

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