Frankenstein de Guillermo del Toro na Netflix liga clássico de Mary Shelley ao debate sobre inteligência artificial

- Um clássico do século XIX reinterpretado para o streaming
- Origem de um projeto insistente
- Enredo contado sob duas óticas
- Técnicas de produção e design visual
- Relações temáticas com a inteligência artificial
- Duração e ritmo narrativo
- Impacto para o catálogo da Netflix
- Elenco e personagens em destaque
- Atualidade de uma história bicentenária
Um clássico do século XIX reinterpretado para o streaming
Quem conduz a nova adaptação de Frankenstein é o diretor mexicano Guillermo del Toro, vencedor de prêmios internacionais e responsável por obras como Labirinto do Fauno e A Forma da Água. O cineasta alimentava o desejo de filmar a história desde o início da carreira, mas só em 2025 conseguiu concretizar o projeto, agora disponível no catálogo da Netflix.
O que o público encontra é uma releitura cinematográfica do romance “Frankenstein; ou, O Prometeu Moderno”, publicado por Mary Shelley em 1818. A proposta declarada do diretor foi permanecer fiel à essência do livro e, ao mesmo tempo, imprimir a sua marca visual, caracterizada por efeitos práticos, cenários físicos e cuidadosa direção de arte.
Quando o longa-metragem chegou ao serviço de streaming, os assinantes ganharam acesso a uma produção de aproximadamente duas horas e meia de duração, estruturada em capítulos e misturando drama, ação e ficção científica.
Onde a narrativa se desenvolve mantém a ambientação de época, com vilarejos europeus, laboratórios e embarcações recriados em escala real dentro de estúdios e estacionamentos empregados como backlot.
Como a equipe trouxe o mundo à vida envolve trabalho manual intenso: cenários foram erguidos sem dependência de computação gráfica, miniaturas serviram de teste para enquadramentos, e o ator Jacob Elordi passou mais de dez horas por sessão na cadeira de maquiagem para se transformar no monstro.
Por que a obra volta a ser contada reside tanto na paixão pessoal de del Toro quanto na atualidade dos temas centrais. A lógica da criação sem responsabilidade, presente no texto de Shelley, encontra eco no avanço rápido da inteligência artificial, assunto dominante no noticiário de tecnologia.
Origem de um projeto insistente
Ao longo de décadas, diversos estúdios recusaram a versão proposta por Guillermo del Toro. A persistência do diretor se explica pela relação afetiva com o material de origem: histórias de Frankenstein e de Pinóquio acompanharam sua infância, e as duas acabaram ganhando tratamentos próprios no streaming. Depois de sucessivos adiamentos, a Netflix financiou a obra, permitindo que o realizador aplicasse a mesma metodologia artesanal exibida em Pinóquio, desta vez em live-action.
Enredo contado sob duas óticas
A narrativa se divide em blocos complementares. Na primeira metade, o espectador segue Victor Frankenstein, interpretado por Oscar Isaac, desde a infância marcada por um pai abusivo até o momento em que o cientista desafia a morte e cria a criatura a partir de retalhos humanos. O roteiro enfatiza a ambição intelectual de Victor, seu relacionamento conturbado com o irmão William, além do sentimento proibido que nutre pela cunhada Elizabeth, vivida por Mia Goth.
Na segunda metade, o foco se desloca para a perspectiva do monstro, encarnado por Jacob Elordi. A criatura emerge em um mundo que lhe oferece simultaneamente beleza e hostilidade. Enquanto aprende a falar e a observar o comportamento humano, o personagem testemunha diferentes formas de violência, internalizando a ideia de que a sociedade também é feita de “pedaços” nem sempre compatíveis entre si.
A escolha de mostrar as duas trajetórias evidencia o paralelo entre criador e criação: o filme sublinha que Victor pode ser tão falho e destrutivo quanto o ser que concebeu.
Técnicas de produção e design visual
Fiel ao estilo que consagrou o diretor, Frankenstein utiliza majoritariamente efeitos práticos. Toda a maquiagem aplicada ao monstro exige longa preparação diária, processo exibido no especial de bastidores disponível na plataforma. Os cenários principais, incluindo o laboratório e um grande barco, foram construídos fisicamente; o navio tomou forma em um estacionamento, reforçando a preferência por estruturas tangíveis em vez de chroma key.
O figurino segue a mesma linha de detalhamento. Cores fortes em peças pontuais ajudam o espectador a identificar personagens à distância — exemplo disso são as luvas vermelhas de Victor. Esse cuidado estende-se ao design da criatura, concebida para ser simultaneamente repulsiva e dotada de certa elegância, garantindo nova identidade ao ícone popularizado pelo cinema há quase um século.
Relações temáticas com a inteligência artificial
Embora ambientado no passado, o longa ecoa debates contemporâneos sobre tecnologia. Assim como Victor Frankenstein ignora as implicações de dar vida ao seu experimento, empresas de ponta no Vale do Silício — caso de OpenAI, Microsoft e Google — aceleraram lançamentos de sistemas de inteligência artificial sem antecipar consequências abrangentes.
O roteiro destaca um diálogo em que Victor admite não ter refletido sobre a existência da criatura fora do laboratório. O paralelo com a rotina da IA é imediato: ferramentas generativas foram disponibilizadas ao grande público antes de protocolos de segurança robustos, resultando em falhas, uso indevido de dados e incidentes de alto impacto.
Exemplos presentes no noticiário incluem o Gemini, iniciativa do Google, que entregou respostas incorretas dentro do buscador, além de eventos problemáticos em apresentações ao vivo. Já o ChatGPT, da OpenAI, equilibra enorme popularidade com casos de respostas imprecisas, memes e relatos que associam a ferramenta a decisões humanas graves.
No universo ficcional de del Toro, o monstro simboliza um sistema composto por partes desconexas que, uma vez animado, passa a agir segundo lógica própria. De maneira equivalente, modelos de linguagem funcionam como colchas de retalhos digitais treinadas em vastos repositórios de texto. Ambas as criações compartilham o potencial de deslizar para resultados imprevisíveis quando adotadas sem critério.
Duração e ritmo narrativo
Com cerca de 150 minutos, Frankenstein não se revela exaustivo, segundo feedback apontado pela própria análise interna da Netflix. A combinação de drama, sequências de ação e atmosfera de ficção científica mantém o espectador engajado, enquanto a estrutura em capítulos facilita a compreensão de saltos temporais e mudanças de ponto de vista.
Impacto para o catálogo da Netflix
A opção por investir em efeitos práticos contrasta com a tendência da própria plataforma de experimentar inteligência artificial em produções futuras. Nesse contexto, o filme destaca-se como demonstração de que métodos tradicionais ainda podem gerar resultado visualmente marcante e, ao mesmo tempo, dialogar com as maiores transformações tecnológicas em curso.
Elenco e personagens em destaque
O protagonismo de Oscar Isaac apresenta Victor como um intelectual brilhante, porém suscetível a falhas morais profundas. Jacob Elordi entrega um monstro cuja aparência grotesca é equilibrada por momentos de fragilidade, reforçando a dualidade central da obra. Felix Kammerer encarna William, o irmão que sofre pela obsessão do cientista, enquanto Mia Goth compõe Elizabeth, figura que liga os dilemas familiares às transgressões de Victor. Esse núcleo reforça o caráter humano dos conflitos antes de qualquer discussão sobre ciência ou ética.
Atualidade de uma história bicentenária
Mary Shelley publicou sua obra aos 20 anos de idade, refletindo sobre ambição, responsabilidade e limites do conhecimento. Mais de dois séculos depois, a versão comandada por Guillermo del Toro comprova a permanência desses questionamentos. A sucessão de escândalos envolvendo sistemas de inteligência artificial sugere que o “Prometeu Moderno” segue inspirando criadores fascinados pela possibilidade de transcender barreiras naturais, muitas vezes sem considerar o impacto resultante.
Frankenstein (2025) reúne, portanto, três camadas de interesse: releitura fiel de um texto fundamental da literatura gótica, exibição de técnicas artesanais em um mercado saturado por CGI e reflexão direta sobre desafios éticos que cercam a inovação tecnológica. O lançamento consolida a visão de Guillermo del Toro dentro da Netflix e reforça a relevância contemporânea do monstro que, ao ser reanimado, expõe tanto a grandeza quanto as falhas do seu criador.
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