Ibama encerra licenciamento da última usina a carvão em análise na América Latina

Ibama encerra licenciamento da última usina a carvão em análise na América Latina

O arquivamento definitivo do processo de licenciamento da Usina Termelétrica (UTE) Ouro Negro, em Pedras Altas (RS), marcou, nesta segunda-feira, o fim do último projeto de geração elétrica a carvão em tramitação na América Latina. A deliberação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ocorreu no mesmo dia em que teve início a 30.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém (PA), conferindo ao ato relevância simbólica no debate climático.

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Quem: os atores envolvidos

A decisão partiu do Ibama, autoridade ambiental federal responsável pelo licenciamento de grandes empreendimentos no país. O projeto pertencia à Ouro Negro Energia LTDA, empresa que planejava instalar uma térmica de 600 megawatts (MW) no sul do Rio Grande do Sul. A iniciativa era acompanhada por organizações da sociedade civil, como o Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Carvão Mineral (OCM), que monitoram impactos de combustíveis fósseis.

O quê: a essência da decisão

O Ibama comunicou o arquivamento em definitivo do processo, encerrando qualquer possibilidade de continuação do licenciamento da UTE Ouro Negro. Ao arquivar, o órgão torna sem efeito todos os trâmites anteriores, dispensando a empresa de apresentar novos estudos ou complementações. Dessa forma, o empreendimento deixa de constar na carteira de projetos térmicos a carvão do país.

Quando e onde: o contexto temporal e geográfico

A divulgação ocorreu em 10 de junho, data que coincidiu com a abertura da COP30. A usina seria erguida em Pedras Altas, município da região sul-gaúcha sujeito a períodos recorrentes de crise hídrica. O local escolhido exigia captação de água para resfriamento do ciclo térmico, o que já havia sido contestado em avaliações anteriores.

Como: o caminho até o arquivamento

O processo da UTE Ouro Negro acumulou obstáculos técnicos e administrativos ao longo de quase uma década. Em 2016, a Agência Nacional de Águas (ANA) negou autorização para captação hídrica, alegando risco ambiental em função do estresse nos mananciais regionais. Mesmo assim, a empresa manteve o interesse e submeteu estudos ambientais ao Ibama.

Sete anos depois, em 2023, o instituto federal identificou pendências nos planos de risco e emergência. Entre as deficiências relatadas estavam falhas nos sistemas de combate a incêndios e a ausência de estratégias formais para proteção da fauna local. O órgão concedeu prazo para esclarecimentos, mas não recebeu retorno satisfatório da proponente. Diante da inércia, o Ibama paralisou provisoriamente o licenciamento. A etapa de paralisação evoluiu, agora, para o arquivamento definitivo, selando o encerramento do processo.

Por quê: as razões apresentadas pelos órgãos públicos

As justificativas oficiais baseiam-se em lacunas técnicas, riscos ambientais não sanados e ausência de informações complementares por parte da empresa. A conjunção desses fatores inviabilizou a continuidade do procedimento. O histórico de crises hídricas na bacia que abastece Pedras Altas pesou de forma decisiva, pois elevaria a competição entre uso industrial, consumo humano e preservação ecossistêmica.

A dimensão ambiental do carvão mineral

De acordo com a comunidade científica, o carvão mineral figura como o combustível fóssil com maior intensidade de emissões de dióxido de carbono por unidade de energia. Além dos gases de efeito estufa, sua combustão é fonte de material particulado, óxidos de enxofre e outros poluentes atmosféricos. Essa característica torna o insumo alvo preferencial de políticas de mitigação climática em diversos países.

Antecedentes: outros projetos cancelados em 2024

O arquivamento da UTE Ouro Negro não foi um caso isolado. Em fevereiro, o processo de licenciamento da UTE Nova Seival, planejada para o mesmo estado, foi retirado pelo empreendedor. A térmica teria capacidade de 726 MW, mas também enfrentou apontamentos de lacunas técnicas e potenciais impactos socioambientais, culminando na desistência voluntária do proponente.

Repercussão na sociedade civil

Entidades ambientalistas, como o Instituto Internacional Arayara, classificaram a decisão do Ibama como marco na transição energética brasileira. Segundo o grupo, o projeto apresentava inconsistências técnicas e seria ambientalmente inviável, argumento com o qual vinha sustentando campanhas contrárias ao licenciamento. Já a Ouro Negro Energia LTDA não divulgou posicionamento até o momento.

Carvão ainda presente: usinas em operação e subsídios

Especialistas do OCM alertam que a retirada da UTE Ouro Negro do pipeline de projetos não elimina a geração a carvão no Brasil. Permanecem em operação ou com autorização para funcionamento por até 15 anos a UTE Candiota, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e a UTE Pampa Sul. Esses empreendimentos se beneficiam de contratos e subvenções vigentes.

O respaldo financeiro ao setor é tema de debate no Congresso Nacional. O Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, originado da Medida Provisória nº 1.304/2025, propõe prorrogar subsídios ao carvão mineral até 2040 e estender garantias de outorga até 2050. A iniciativa aguarda sanção ou veto da Presidência da República. Segundo o engenheiro John Wurdig, membro do Arayara, as organizações trabalham juridicamente para barrar o avanço da proposta.

Custos econômicos do insumo fóssil

Apesar de possuir uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta, baseada em grande proporção de fontes renováveis, o Brasil despendeu, entre 2020 e 2024, média anual de R$ 1,07 bilhão em subsídios à geração a carvão mineral. O cálculo consta de levantamento da Global Energy Monitor, com colaboração do Arayara. O montante inclui incentivos tarifários e mecanismos de manutenção de mercado, destinados a assegurar competitividade às usinas existentes.

Implicações para a política climática

O encerramento do licenciamento da UTE Ouro Negro ocorre às vésperas de discussões internacionais voltadas a acelerar a redução de emissões. Ao arquivar o processo durante a COP30, o governo federal sinaliza, em âmbito doméstico, prioridade à expansão de alternativas de menor pegada de carbono. A extinção do último projeto a carvão em fase de análise reforça a percepção de que novos empreendimentos fósseis enfrentam obstáculos regulatórios crescentes.

O que ainda segue em disputa

Embora o Ibama tenha fechado a porta para a UTE Ouro Negro, ações judiciais e trâmites legislativos seguem moldando o futuro do carvão no país. A Arayara relata campanhas e processos, como a Ação Civil Pública que suspendeu o licenciamento da UTE Candiota III. Segundo a Nota Técnica nº 8 do Ibama, esse empreendimento acumula multas superiores a R$ 125 milhões, sem registro de pagamento. Esses dados sustentam a argumentação de organizações que defendem o fim das subvenções ao mineral.

Papel das crises hídricas na avaliação de projetos térmicos

O Brasil registrou episódios consecutivos de estiagem em regiões sulinas, afetando disponibilidade de água para múltiplos setores. A negativa da ANA, em 2016, ilustra como a limitação hídrica figura entre os fatores críticos na análise de usinas termelétricas, já que o resfriamento de turbinas a vapor demanda volumes significativos do recurso. A recusa embasou parte da fundamentação técnica que levou, anos depois, ao arquivamento do licenciamento.

Perspectivas para a matriz elétrica

Com a retirada do projeto Ouro Negro, a carteira de novos empreendimentos térmicos a carvão no país fica vazia. O vazio cria oportunidade para maior participação de fontes renováveis, como eólica, solar fotovoltaica e biomassa. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia tendem, agora, a concentrar esforços regulatórios em contratos de fontes de baixo carbono, dado o alinhamento com compromissos internacionais de mitigação.

Enquanto o cenário regulatório ainda abriga usinas em operação e discussões sobre subsídios até meados do século, o arquivamento da UTE Ouro Negro simboliza um ponto de inflexão. Ao remover o último pedido de licenciamento de usina a carvão da fila, o Ibama redefine as perspectivas de expansão desse combustível no Brasil e, por extensão, na América Latina.

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