Esferas de vidro cósmico revelam impacto de asteroide de 11 milhões de anos na Austrália

Um conjunto de minúsculas esferas vítreas encontrado em solo australiano acaba de alterar o mapa dos grandes impactos de asteroides na Terra. A análise dessas partículas, batizadas de ananguites, indica que elas se formaram há aproximadamente 11 milhões de anos, quando um corpo celeste colidiu com o planeta com energia suficiente para projetar material fundido a milhares de quilômetros de distância. O estudo que descreve a descoberta, conduzido por pesquisadores das universidades Curtin (Austrália) e Aix-Marseille (França), foi publicado na revista Earth and Planetary Science Letters e apresenta o primeiro campo de tektitos totalmente localizado na Austrália.
- Quem participou da descoberta
- O que foi encontrado
- Quando o fenômeno ocorreu
- Onde as esferas foram localizadas
- Como os cientistas confirmaram a origem de impacto
- Por que a cratera permanece oculta
- Qual a extensão do campo de dispersão
- Consequências científicas da descoberta
- Próximos passos da investigação
- Impacto na compreensão geológica do Mioceno
- Importância dos tektitos como arquivos naturais
Quem participou da descoberta
A equipe responsável reúne especialistas de instituições na Oceania e na Europa. Os autores integram linhas de pesquisa em geocronologia, mineralogia e ciência planetária. O trabalho combina a experiência do grupo da Curtin University, com histórico em impactos cósmicos, e do laboratório de geologia isotópica da Aix-Marseille University, onde técnicas de datação de alta precisão foram aplicadas às amostras.
O que foi encontrado
Os objetos identificados pertencem à classe dos tektitos, vidros naturais gerados quando um asteroide atinge a superfície terrestre e provoca fusão instantânea de porções do solo. Durante o evento, parte do material derretido é ejetada para grandes altitudes, solidificando-se em pleno ar antes de cair de volta ao chão na forma de grãos, gotas ou pequenas esferas de vidro. Esse processo confere a cada fragmento uma composição química que funciona como assinatura do local e das condições do impacto.
No caso específico, as ananguites exibem composição andesítica, com menor teor de sílica e proporções elevadas de ferro, cálcio e magnésio em comparação aos tektitos descritos anteriormente na região. Essa singularidade química foi determinante para diferenciar as novas amostras do conhecido campo australásico, que cobre áreas da Ásia e da Oceania e data de cerca de 780 mil anos.
Quando o fenômeno ocorreu
Utilizando datação por isótopos de argônio — método capaz de registrar o momento em que o vidro resfriou — os cientistas estimaram a idade das ananguites em 10,76 milhões de anos. O resultado confirma que o evento é cronologicamente independente de outros impactos catalogados, sobretudo do episódio australásico, muito mais recente. A precisão obtida reforça que o planeta sofreu um choque adicional no intervalo geológico conhecido como Mioceno Superior.
Onde as esferas foram localizadas
Os fragmentos analisados provêm do centro-sul da Austrália. As primeiras unidades foram coletadas em 1969, quando uma missão da agência espacial norte-americana examinou depósitos de sedimentos no deserto australiano. Na época, oito partículas chamaram atenção por exibirem composição “anômala” em relação aos demais vidros da região, mas não houve consenso sobre a origem. Décadas depois, uma reavaliação conduzida por Anna Musolino e colaboradores levou os pesquisadores a examinar milhares de itens no acervo do Museu da Austrália do Sul. Nessa triagem, outras seis unidades com a mesma assinatura química foram identificadas, totalizando 14 amostras que definem o novo campo de dispersão.
Como os cientistas confirmaram a origem de impacto
Para caracterizar definitivamente as ananguites como tektitos, a equipe combinou:
• Análises geoquímicas: determinaram a abundância de óxidos de silício, ferro, cálcio e magnésio, diferenciando os vidros recém-descritos de outros depósitos.
• Estudos isotópicos: a razão entre isótopos de argônio permitiu calcular a idade de resfriamento, indicativa do momento do impacto.
• Comparação com campos conhecidos: parâmetros químicos e temporais foram confrontados com os cinco campos clássicos — Europa, América do Norte, Costa do Marfim, América Central e australasiano — demonstrando que nenhum deles corresponde ao padrão observado.
A soma desses fatores levou ao reconhecimento de um sexto campo global de tektitos, o primeiro restrito ao território australiano.
Por que a cratera permanece oculta
Apesar de o material projetado ter sido encontrado na Austrália, a fonte do impacto pode situar-se a milhares de quilômetros de distância. Dados geoquímicos sugerem que o corpo celeste pode ter atingido uma zona de arco vulcânico no Pacífico Ocidental, em pontos como Luzon (Filipinas), Sulawesi (Indonésia) ou Papua-Nova Guiné. Esse cenário explicaria a composição andesítica dos vidros e a necessidade de trajectórias de longa distância para que o material chegasse ao interior australiano.
Entre as hipóteses para a ausência de uma cratera visível estão milhões de anos de erosão, processos de sedimentação ou a possibilidade de a estrutura remanescente ter sido confundida com formações de origem vulcânica. Até que prospecções geofísicas detalhadas sejam feitas nas áreas candidatas, o ponto exato da colisão permanecerá desconhecido.
Qual a extensão do campo de dispersão
Os autores calculam que o impacto gerou um campo que cobre cerca de 900 quilômetros no centro-sul da Austrália. Um lançamento de detritos nessa escala requer energia considerável, o que implica um asteroide de dimensões expressivas. O evento, embora violento, não deixou registro histórico humano, pois ocorreu muitos milhões de anos antes da presença de nossa espécie no continente.
Consequências científicas da descoberta
1. Ampliação do catálogo de impactos recentes
O reconhecimento das ananguites eleva para seis o número de campos de tektitos oficialmente documentados. Cada novo campo oferece uma janela para processos de colisão que moldaram a crosta terrestre.
2. Ajuste na frequência de colisões
Adicionar um impacto de 11 milhões de anos modifica as estimativas de frequência com que asteroides de grande porte atingem a Terra. Modelos estatísticos dependem de dados empíricos, e a nova informação contribui para projeções mais refinadas.
3. Melhoria em protocolos de defesa planetária
Entender o histórico de impactos ajuda a calibrar sistemas de vigilância e a priorizar estratégias de mitigação. Se eventos significativos podem passar despercebidos por eras geológicas, mesmo os vestígios residuais tornam-se cruciais.
Próximos passos da investigação
Para resolver o enigma da cratera, os cientistas pretendem combinar levantamentos geofísicos, teledetecção e amostragem de rochas em possíveis locais do Pacífico Ocidental. A correlação entre assinaturas químicas dos vidros e composições de rochas-alvo pode servir como pista decisiva. Além disso, esforços para localizar tektitos adicionais em solos australianos podem expandir a área de dispersão conhecida, refinando a direção do fluxo de ejeção.
Impacto na compreensão geológica do Mioceno
O intervalo de 11 milhões de anos insere o evento no Mioceno Superior, período marcado por mudanças climáticas, expansão de gramíneas e diversificação de mamíferos. Grandes impactos podem influenciar sistemas atmosféricos e bióticos, ainda que de forma temporária. Mapear colisões desse período fornece contexto para avaliar correlações com registros paleoclimáticos e faunísticos.
Importância dos tektitos como arquivos naturais
Fragmentos vítreos de impacto funcionam como cápsulas microscópicas contendo indícios da temperatura, pressão e composição química vigentes no momento do choque. Ao contrário de crateras, que podem ser erodidas ou soterradas, os tektitos preservam-se em depósitos sedimentares e podem ser transportados por vento ou água. Por isso, mesmo quando a estrutura de impacto some do registro geológico, as microesferas permanecem como testemunhas confiáveis.
A identificação das ananguites demonstra que a superfície terrestre ainda guarda sinais sutis de eventos que remodelaram o planeta. A cada novo conjunto de tektitos estudado, os geocientistas ganham instrumentos para reconstruir capítulos perdidos da história terrestre e aprimorar o entendimento das dinâmicas entre a Terra e os objetos que cruzam sua órbita.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Conteúdo Relacionado