Vacinas de mRNA contra Covid elevam a sobrevida de pacientes com câncer quando combinadas à imunoterapia, mostra estudo

Vacinas de mRNA originalmente desenvolvidas para a Covid-19 podem dobrar a chance de pacientes oncológicos estarem vivos três anos após o início da imunoterapia com inibidores de checkpoint. A conclusão foi apresentada no Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) de 2025, onde pesquisadores detalharam a análise de prontuários de mais de mil pessoas tratadas no Centro de Câncer MD Anderson, nos Estados Unidos.
- Quem conduziu a investigação
- O que foi analisado
- Resultados gerais de sobrevida
- Detalhamento por tipo de tumor
- Importância da janela de 100 dias
- O que são inibidores de checkpoint
- Como as vacinas de mRNA entram na equação
- Benefício destacado em tumores pouco responsivos
- Consistência dos resultados
- Próximos passos
- Cenário que viabilizou a pesquisa
- Como o estudo foi concebido
- Implicações clínicas potenciais
- Limitações reconhecidas
- Conclusões provisórias
Quem conduziu a investigação
O trabalho foi liderado por Steven Lin, professor de Oncologia Radioterápica, em colaboração com Adam Grippin, residente sênior na mesma especialidade. A dupla avaliou dados coletados entre agosto de 2019 e agosto de 2023, período que abrange a introdução e a ampla utilização das vacinas de mRNA contra o coronavírus.
O que foi analisado
Os autores buscaram identificar se o uso das vacinas de mRNA contra Covid-19 em até 100 dias após o início da terapia com inibidores de checkpoint imunológico impactava a sobrevivência. O levantamento incluiu 1 097 pacientes com diferentes tipos de câncer submetidos a imunoterapia no MD Anderson. Desse universo, parte recebeu o imunizante dentro da janela de 100 dias e parte não foi vacinada nesse intervalo.
Resultados gerais de sobrevida
A comparação revelou que os participantes vacinados tinham o dobro de probabilidade de estarem vivos após três anos em relação aos não vacinados. Esse ganho se manteve consistente mesmo depois de ajustes estatísticos que levaram em conta fabricante da vacina, número de doses e local de tratamento.
Detalhamento por tipo de tumor
No subgrupo de câncer de pulmão avançado foram avaliados 884 pacientes. Entre eles, 180 receberam a vacina de mRNA contra Covid-19 dentro do período estabelecido. A sobrevida mediana nesse segmento alcançou 37,3 meses, contra 20,6 meses observados nos 704 indivíduos não vacinados.
Entre pessoas com melanoma metastático, outro recorte do estudo, a mediana de sobrevida ainda não foi atingida nos 43 pacientes vacinados, sinal de benefício prolongado. No grupo de 167 não vacinados, a média foi de 26,7 meses.
Importância da janela de 100 dias
Os dados sugerem que receber o imunizante de mRNA em até 100 dias após o início da imunoterapia é decisivo. Dentro desse período, o organismo já está exposto aos inibidores de checkpoint e, segundo os pesquisadores, a ativação sistêmica provocada pela vacina funciona como um estímulo adicional ao sistema imunológico, potencializando a atividade antitumoral.
O que são inibidores de checkpoint
Checkpoints imunológicos são mecanismos responsáveis por regular a ativação das células de defesa. Eles funcionam como freios que impedem respostas exageradas, evitando danos a tecidos saudáveis. Tumores exploram essas vias para escapar do controle imune, produzindo proteínas, como PD-L1, que sinalizam tolerância ao sistema de defesa. Inibidores de checkpoint bloqueiam essa sinalização, reativando linfócitos para que ataquem o câncer.
Como as vacinas de mRNA entram na equação
A equipe descreve as vacinas de mRNA contra Covid-19 como ativadoras imunológicas. Ainda que o material genético presente nelas não seja direcionado a antígenos tumorais, o estímulo geral ao sistema de defesa coloca o organismo em estado de alerta. Modelos pré-clínicos indicam que, após a vacinação, células cancerígenas passam a expressar mais PD-L1, tentativa de neutralizar a ofensiva imune. Essa mudança, paradoxalmente, cria um cenário ideal para que inibidores de checkpoint, já em uso, ajam com maior eficácia, pois a via PD-L1 se torna um alvo proeminente.
Benefício destacado em tumores pouco responsivos
A análise apontou que o ganho de sobrevida foi quase cinco vezes maior entre pacientes cujos tumores exibiam baixíssima expressão basal de PD-L1, grupo que costuma responder mal à imunoterapia isolada. O achado sugere que a vacina pode transformar um microambiente tumoral inicialmente “frio” em “quente”, tornando-o suscetível à ação dos bloqueadores de checkpoint.
Consistência dos resultados
Para descartar vieses, os cientistas verificaram se fatores como marca do imunizante ou número de doses modificavam o desfecho, e não encontraram diferenças significativas. Além disso, o benefício apareceu em pacientes atendidos em diferentes unidades do MD Anderson, reforçando a robustez dos dados.
Próximos passos
Com base nos resultados positivos, o grupo planeja um ensaio clínico de Fase III para confirmar se a vacinação de mRNA contra Covid-19 deve ser incorporada ao tratamento padrão de pacientes que iniciam imunoterapia. Esse estudo, prospectivo e randomizado, deverá avaliar tanto eficácia quanto segurança da estratégia em larga escala.
Cenário que viabilizou a pesquisa
A aprovação emergencial e o uso maciço das vacinas de mRNA contra Covid-19 criaram uma situação inédita: milhões de pessoas, incluindo pacientes oncológicos, receberam o imunizante em tempo recorde. Esse contexto possibilitou estudar, em vida real, a interação entre a vacina e terapias imunológicas já estabelecidas, hipótese antes restrita a modelos de laboratório.
Como o estudo foi concebido
A ideia de explorar o efeito adjuvante das vacinas surgiu durante o doutorado de Adam Grippin na Universidade da Flórida, sob orientação de Elias Sayour. Experimentos em camundongos mostraram que o mRNA vacinal podia gerar inflamação controlada e reconhecimento ampliado de células malignas. A oportunidade de testar o conceito em humanos apareceu quando pacientes passaram a receber a vacina contra Covid-19 concomitantemente à imunoterapia.
Implicações clínicas potenciais
Se confirmados, os achados poderão alterar protocolos de tratamento. A combinação de terapias caras, como inibidores de checkpoint, com uma vacina amplamente disponível e de baixo custo representa possibilidade de ampliar o benefício de forma acessível. Além disso, fornecer o imunizante dentro da janela mais favorável, logo após o início da imunoterapia, poderá converter não respondedores em respondedores, principalmente em tumores historicamente resistentes.
Limitações reconhecidas
Os autores destacam que os mecanismos exatos de sinergia ainda não estão completamente elucidados. Embora os dados de mundo real sejam valiosos, só um ensaio controlado poderá definir causalidade e esclarecer nuances como dose ideal, intervalo preciso entre vacina e imunoterapia e durabilidade do efeito protetor.
Conclusões provisórias
O estudo apresentado na ESMO 2025 reforça o potencial das vacinas de mRNA contra Covid-19 como ferramenta adicional no arsenal contra o câncer. Ao agir como um alarme que desperta o sistema de defesa, o imunizante cria terreno fértil para os inibidores de checkpoint liberarem sua ação antitumoral, refletindo em melhorias consistentes na sobrevida de diversos grupos de pacientes.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
Postagens Relacionadas