Trump reforça tribunais federais com juízes antiaborto e pode influenciar legislação por décadas

Uma análise conduzida pela agência Associated Press revela que vários dos juízes nomeados por Donald Trump para os tribunais federais norte-americanos manifestaram posições explícitas contra a interrupção voluntária da gravidez ou estiveram ligados a organizações que defendem restrições ao procedimento. Com mandatos vitalícios, estas escolhas poderão moldar a jurisprudência sobre aborto muito depois de o ex-Presidente abandonar a cena política.
Nomeações alinhadas com movimentos antiaborto
Entre os candidatos indicados pela administração Trump surgem declarações públicas que descrevem o aborto como «prática bárbara» ou assumem o magistrado como «zelota» da causa antiaborto. Alguns dos nomeados participaram activamente na defesa de leis estaduais que limitam o acesso à interrupção da gravidez, incluindo acções com impacto nacional, como contestar a aprovação federal do fármaco mifepristona, utilizado em abortos medicados.
Os perfis analisados mostram ainda ligações a grupos religiosos e associações pró-vida. Um dos candidatos provenientes do Tennessee argumentou que o aborto «exige escrutínio especial» por pôr termo «a uma vida». Noutro caso, um jurista do Missouri descreveu, em documentos judiciais, que a mifepristona «retira alimento ao bebé» — afirmação classificada como desinformação por especialistas médicos.
Estratégia de longo prazo no poder judicial
Ao contrário de leis ou ordens executivas, as nomeações judiciais oferecem influência duradoura, sublinha Bernadette Meyler, professora de Direito Constitucional na Universidade de Stanford. A especialista considera que o Executivo recorre aos tribunais para «reconfigurar silenciosamente» o debate sobre aborto, evitando o escrutínio imediato que normalmente acompanha iniciativas legislativas.
Embora Trump tenha defendido durante a campanha que a decisão sobre o aborto «deve caber aos Estados», os juízes designados poderão reverter protecções a nível federal ou validar novas restrições estaduais. Esta possibilidade preocupa organizações defensoras de direitos reprodutivos, que antecipam um «retrocesso sistemático» impulsionado por decisões judiciais sucessivas.
Trump oscila no discurso, mas mantém apoio da base
O antigo Presidente tem alterado a mensagem consoante o contexto político. Em momentos diferentes, apoiou a proibição federal do aborto após 20 semanas, admitiu um limite de 15 semanas ou delegou a questão inteiramente nos parlamentos estaduais. Paralelamente, reivindica o mérito pela nomeação dos juízes do Supremo que contribuíram para derrubar o precedente Roe v. Wade, decisão histórica que assegurava o direito constitucional ao aborto desde 1973.
A dualidade procura conciliar duas faixas do eleitorado: a base conservadora, maioritariamente antiaborto, e o público em geral, que segundo várias sondagens apoia o acesso à interrupção voluntária da gravidez. A estratégia reflete-se nas escolhas para os tribunais inferiores, onde cada magistrado vitalício representa, segundo um porta-voz da Casa Branca, «o compromisso do Presidente com o respeito pela vida e a devolução de competências aos Estados».
Reacções opostas entre grupos de pressão
Organizações pró-vida saudaram os nomes avançados, considerando prematuro concluir como votarão em casos concretos, mas mostrando «expectativas elevadas» quanto a futuras decisões. A estrutura SBA Pro-Life America, por exemplo, afirma esperar «mais quatro anos de indicações do mesmo perfil» caso Trump regresse à Casa Branca.
Do outro lado, entidades como Reproductive Freedom for All acusam o ex-Presidente de «instalar opositores do aborto em cada nível do governo», enquanto afirma publicamente que a matéria deve ser resolvida a nível estadual. Para estas associações, a aparente distância que Trump coloca face ao tema não impede «um movimento metodicamente planeado de erosão dos direitos reprodutivos».
Entretanto, o debate sobre alterações legislativas permanece secundário frente a outros assuntos que dominaram a campanha de 2024, como economia e imigração. Ainda assim, analistas recordam que decisões judiciais podem ressurgir a qualquer momento, influenciando não só a disponibilidade de serviços de saúde reprodutiva, mas também o panorama político norte-americano a longo prazo.

Imagem: Christine Fernando The As via globalnews.ca
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