Tiroteio em barco de fiscais intensifica tensão entre Guiana e Venezuela na véspera das eleições

Um barco que transportava funcionários eleitorais e urnas foi alvo de disparos provenientes da margem venezuelana do rio Cuyuni, na zona contestada de Essequibo, poucas horas antes da abertura das urnas na Guiana. As autoridades guianenses garantem que não houve feridos e que todo o material de voto chegou aos respetivos locais de votação.

Incidente armado ocorre em território disputado

Segundo um comunicado conjunto da polícia e das forças de defesa da Guiana, a embarcação escoltada por uma patrulha militar foi atacada no domingo, véspera das eleições gerais que decorrem esta segunda-feira. Os militares responderam de imediato ao fogo “proveniente do lado venezuelano”, não tendo sido registadas vítimas.

O local do ataque situa-se no rio Cuyuni, dentro da região de Essequibo — área de 159 500 km2 administrada pela Guiana há mais de um século, mas reclamada pela Venezuela. Caracas ainda não comentou o episódio, que agrava o clima de tensão num momento em que o contencioso territorial se mantém sem solução.

Em dezembro de 2023, o governo venezuelano promoveu um referendo interno em que mais de 95 % dos votantes apoiaram a reivindicação sobre Essequibo. A Guiana recorreu ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ); porém, o executivo de Nicolás Maduro contesta a competência daquela instância para decidir o litígio.

Eleições marcadas pelo boom do petróleo

Enquanto as autoridades investigam o ataque, 800 000 eleitores guianenses escolhem hoje o presidente e os 65 deputados que compõem a Assembleia Nacional. O atual chefe de Estado, Irfaan Ali, do Partido Progressista Popular/Cívico (PPP/C), procura um segundo mandato e surge como favorito nas sondagens.

O principal adversário é Aubrey Norton, líder da coligação A Partnership for National Unity (APNU), na qual se integra o Congresso Nacional do Povo (PNC). A corrida inclui ainda Azruddin Mohamed, empresário bilionário que tenta romper o tradicional bipartidarismo do país.

As projeções que antecederam a votação atribuíram vantagem a Ali, impulsionado pelo crescimento económico resultante de grandes descobertas petrolíferas offshore. Dados do Fundo Monetário Internacional indicam que o PIB da Guiana quase quintuplicou desde 2020.

O governo utilizou parte da receita do petróleo para financiar projetos de infraestruturas, como construção de estradas, e para tornar gratuitas as propinas nas universidades públicas. Os críticos acusam, contudo, o executivo de distribuir benefícios de forma desigual, favorecendo comunidades historicamente ligadas ao PPP/C, acusação que Ali rejeita.

Polarização étnica e possível surpresa eleitoral

A política guianense permanece marcada por divisões étnicas. Eleitores de ascendência indo-guianense tendem a apoiar o PPP/C, enquanto a população afro-guianense vota maioritariamente no PNC e, por extensão, na coligação APNU. O partido ou coligação que conquistar mais votos indica diretamente o presidente.

Na legislatura cessante, o PPP/C dispunha de apenas um assento de vantagem, cenário que abre espaço para alterações significativas caso a candidatura independente de Azruddin Mohamed consiga captar votos fora dos alinhamentos tradicionais. Analistas admitem que essa terceira via possa reconfigurar a correlação de forças no parlamento.

Segurança reforçada e fecho das urnas

Após o incidente no Cuyuni, as forças armadas da Guiana reforçaram o patrulhamento fluvial e terrestre na fronteira com a Venezuela. As autoridades asseguram que todas as urnas atingiram os postos de votação remotos a tempo da abertura dos escrutínios.

As assembleias de voto encerram às 18:00 (hora local), correspondentes às 22:00 UTC. Resultados preliminares são esperados nas horas seguintes, embora contagens finais possam prolongar-se devido à logística em zonas de difícil acesso.

O desfecho eleitoral ocorre sob o olhar atento de observadores internacionais e num contexto em que os recursos energéticos transformaram a Guiana num dos países de crescimento mais rápido do mundo. O ataque de domingo reforça, porém, a urgência de uma solução pacífica para a disputa de Essequibo e sublinha os riscos de instabilidade numa região essencial para a nova economia petrolífera do Caribe.

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