Licença de venda da Tesla na Califórnia pode ser suspensa após acusações de propaganda enganosa

O Departamento de Veículos Motorizados da Califórnia (DMV) quer suspender a licença da Tesla para vender e fabricar carros no estado, alegando que a empresa induziu consumidores a erro ao promover os recursos Autopilot e Full Self-Driving como se permitissem direção totalmente autônoma. A acusação foi formalizada em audiência administrativa realizada em Oakland na segunda-feira, 21, e coloca em risco o principal mercado doméstico da montadora de Elon Musk.

Durante a sessão, o procurador-geral adjunto Christopher Beatty afirmou que o material publicitário da empresa sugere operação sem supervisão humana, contrariando o funcionamento real dos sistemas e violando norma californiana que, desde 2023, proíbe termos capazes de confundir o público sobre os limites da automação veicular. O DMV pede, além da suspensão temporária da licença, pagamento de indenizações a compradores que teriam sido enganados.

A comandante do DMV, Melanie Rosario, classificou a comunicação corporativa da Tesla como “contraditória” e incompatível com a legislação estadual. Segundo ela, a montadora destaca a autonomia dos veículos em anúncios, mas, nos manuais, admite que o motorista deve manter atenção constante e assumir o controle a qualquer momento.

Em sua defesa, a empresa alega que jamais prometeu carros totalmente autônomos, sustenta que os nomes Autopilot e Full Self-Driving não enganam consumidores razoáveis e reforça que os manuais alertam para a necessidade de supervisão ativa do condutor. A Tesla afirma ainda estar próxima de alcançar direção realmente autônoma e vê o processo como tentativa de barrar avanços tecnológicos.

O caso na Califórnia corre paralelamente a uma ação civil na Flórida, movida por familiares de um casal morto em 2019 quando o veículo dirigido por George McGee, com o Autopilot ativado, atravessou cruzamento e colidiu com as vítimas. Os autores do processo sustentam que o sistema não identificou corretamente a situação e que a estratégia de marketing da Tesla incentivou confiança excessiva na tecnologia.

Na ocorrência, McGee disse ter desviado o olhar para pegar o celular e esperava que o carro o alertasse sobre perigos à frente. A defesa da montadora argumenta que ele era o responsável pela condução e descumpriu instruções de permanecer atento, mas os advogados das vítimas citam declarações públicas de Elon Musk, segundo as quais os sensores dos veículos seriam “sobre-humanos” e a direção autônoma já estaria “resolvida”.

O julgamento na Flórida, ainda sem data para encerramento, pode resultar em indenizações milionárias e ampliar a pressão sobre a companhia. Se condenada em ambos os processos, a Tesla poderá enfrentar impacto financeiro e reputacional num momento em que tenta recuperar dinamismo de vendas por meio de serviços de robotáxis e promessas de condução autônoma integral.

A Califórnia é um mercado estratégico para a montadora: concentra grande parte de suas vendas nos Estados Unidos e abriga centros de desenvolvimento de software vinculados às funcionalidades de pilotagem assistida. A suspensão da licença limitaria a entrega de veículos no estado e poderia provocar atrasos no cronograma de produção de modelos destinados a outras regiões.

Especialistas em legislação de trânsito acompanham o caso como precedente para futuras regulações sobre marketing de tecnologia veicular. Desde janeiro de 2023, qualquer fabricante que utilize expressões como “autopilotado” ou “autodirigível” deve esclarecer de forma objetiva as limitações dos sistemas, sob pena de sanções administrativas e multas.

No processo administrativo atual, o DMV sustenta que a Tesla promoveu vídeos e material de divulgação onde o motorista aparece com as mãos fora do volante, sem indicar claramente que se tratava de demonstrações supervisionadas. Para os reguladores, essa apresentação reforçou a percepção de que os carros já dispensariam intervenção humana, o que, segundo eles, não corresponde à realidade técnica.

A audiência em Oakland está prevista para continuar até o fim da semana. Após essa etapa, o parecer de um juiz administrativo será encaminhado ao diretor do DMV, responsável por decidir se a licença será suspensa, mantida ou condicionada ao cumprimento de termos adicionais de transparência.

Enquanto isso, investidores observam potenciais reflexos sobre os planos de expansão de frota autônoma anunciados por Musk. A companhia aposta em renda recorrente por meio de assinatura do pacote Full Self-Driving, disponibilizado atualmente em versão beta, mas que depende de aprovação regulatória para uso amplo sem intervenção do motorista.

Nos documentos encaminhados ao órgão regulador, a Tesla argumenta que o Full Self-Driving, mesmo em desenvolvimento, já ofereceria níveis de segurança superiores à condução humana média, graças a câmeras, radares e processadores que monitoram o ambiente em tempo real. O DMV questiona essa afirmação e diz não haver comprovação estatística independente que respalde tal vantagem.

Além da possibilidade de suspensão, o departamento estadual busca exigir que a empresa publique alertas corretivos em todos os canais de comunicação, revise nomes dos recursos e reembolse consumidores que adquiriram pacotes de automação baseados em expectativas, na visão da agência, não condizentes com o desempenho atual.

Caso a penalidade seja aplicada, a Tesla poderá continuar prestando assistência técnica a proprietários na Califórnia, mas ficaria impedida de registrar novos veículos ou instalar linhas de produção adicionais até cumprir as exigências impostas. A medida também serviria de alerta a outras montadoras que divulgam recursos avançados de assistência ao motorista.

O resultado dos processos, tanto no oeste quanto no sudeste dos Estados Unidos, tende a influenciar a formulação de normas federais sobre condução automatizada, área ainda sem regulamentação unificada no país. Legisladores avaliam que a falta de padronização gera incertezas jurídicas e dificulta a avaliação dos riscos individuais de cada sistema.

Enquanto aguarda as decisões, a Tesla continua a distribuir atualizações de software aos clientes e a coletar dados de condução para aprimorar seus algoritmos, estratégia que, segundo a empresa, permitirá a transição gradual para veículos capazes de operar de forma autônoma em qualquer circunstância.

Fonte: Washington Post

Posts Similares

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.