STF confirma Cide sobre royalties e impõe ónus de 400 milhões de dólares à Netflix
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou, esta quarta-feira (13), a aplicação da Contribuição de Intervenção no Domínio Económico (Cide-Tecnologia) sobre remessas ao exterior relativas ao pagamento de royalties, licenças de marca e direitos de autor. A decisão encerra mais de duas décadas de disputas judiciais e cria um impacto estimado em 400 milhões de dólares (cerca de 2,1 mil milhões de reais) para a Netflix, uma das empresas abrangidas pela medida.
Decisão valida ampliação da Cide
A Cide-Tecnologia foi instituída pela Lei 10.168/2000 para financiar programas de investigação e desenvolvimento no Brasil. Originalmente, a contribuição de 10% incidia apenas sobre contratos de transferência de tecnologia estrangeira. Em 2001 a lei foi alterada, passando a abranger remessas de royalties de qualquer natureza, incluindo direitos de autor e serviços administrativos prestados por pessoas ou empresas não residentes no país.
No julgamento agora concluído, o STF analisou um recurso que questionava se essa ampliação era constitucional. O relator, ministro Luiz Fux, defendeu que a Cide deveria limitar-se à importação de tecnologia, excluindo as remessas associadas a direitos de autor. O seu entendimento foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Contudo, prevaleceu a posição do ministro Flávio Dino. Para o magistrado, não é necessária relação directa entre a origem da contribuição e o sector beneficiado, desde que a totalidade da receita seja aplicada em ciência e tecnologia, como determina a lei. Dino recebeu o apoio dos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, formando maioria no plenário.
Com a confirmação da constitucionalidade, qualquer empresa que envie valores ao exterior para remunerar licenças de uso de marcas ou conteúdos audiovisuais passa a recolher a contribuição. Os recursos continuarão destinados a universidades, centros de pesquisa e projectos de inovação.
Impacto financeiro para a Netflix
A Netflix já admitia, em relatórios financeiros de 2023, a possibilidade de desembolsar quantias significativas devido a processos fiscais no Brasil. Na época, a empresa estimava uma exposição de 300 milhões de dólares. O valor agora indicado, de 400 milhões de dólares, reflecte a confirmação do STF e engloba retroactivos referentes aos últimos anos.
Embora o acórdão não cite nominalmente operadoras de streaming, o modelo de negócio da Netflix enquadra-se na categoria de remessas para pagamento de direitos de autor e licenças de conteúdo. Por esse motivo, a plataforma entra no grupo de empresas sujeitas à contribuição adicional de 10% sobre os valores transferidos para produtoras e detentores de direitos fora do Brasil.
Analistas do sector acompanham a decisão para perceber se o novo encargo será absorvido pela empresa ou repercutido nos preços das assinaturas locais. Até ao momento, a Netflix não divulgou posicionamento oficial sobre eventuais ajustes de preços, prazos de pagamento ou eventuais impugnações administrativas.
Entenda a Cide-Tecnologia
Instituída com o propósito de estimular o desenvolvimento tecnológico nacional, a Cide recolhe recursos que devem ser integralmente aplicados em projectos científicos. Segundo dados oficiais, o financiamento sustenta bolsas universitárias, parcerias entre empresas e centros de pesquisa e iniciativas governamentais de inovação.
A alíquota de 10% aplica-se sobre o montante remetido ao exterior, somando-se a eventuais impostos de renda retidos na fonte e a tributos sobre serviços. A partir da decisão do STF, não há necessidade de comprovar que a empresa contribuinte actua directamente em actividades de investigação; basta que o pagamento esteja enquadrado como royalties ou licenças tratados em contrato internacional.
Próximos passos
A decisão produz efeitos imediatos, mas a cobrança de valores em atraso depende de procedimentos de fiscalização da Receita Federal. Empresas sujeitas à nova interpretação poderão apresentar defesas administrativas ou negociar parcelamentos. No caso da Netflix, fontes ligadas ao mercado estimam que a regularização possa ocorrer em etapas, dada a dimensão dos montantes envolvidos.
Acompanharemos a divulgação de orientações da autoridade fiscal e eventuais movimentos do sector de streaming, que poderá rever estratégias de produção local, contratos internacionais e políticas de partilha de custos para mitigar o impacto da Cide-Tecnologia.

Imagem: Elliott Cowand Jr via olhardigital.com.br