Site estrangeiro que comercializava deepfakes de pornografia infantil é retirado do ar após ação da AGU

Um site hospedado fora do Brasil, dedicado à venda de imagens geradas por inteligência artificial que simulavam abuso sexual infantil, foi derrubado após intervenção da Advocacia-Geral da União (AGU). A retirada aconteceu depois de notificação extrajudicial encaminhada pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), setor responsável por iniciativas de proteção de direitos fundamentais em ambientes digitais. As autoridades brasileiras fundamentaram seu pedido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Convenção sobre os Direitos da Criança, obtendo a remoção da página sem contestação por parte dos responsáveis.
- Quem participou da operação e como o fato veio à tona
- O que exatamente era vendido na página derrubada
- Quando e onde o conteúdo circulava
- Como a tecnologia de IA foi explorada pelos cibercriminosos
- Por que a AGU recorreu a instrumentos legais específicos
- Etapas que levaram à derrubada do site
- Impacto da ausência de contestação e importância do resultado
- Contexto mais amplo: a popularização das ferramentas abertas de IA
- Exploração infantil e dark web: convergência de riscos
- Declaração da PNDD sobre a cadeia de produção ilícita
- Proteção integral de crianças e adolescentes como princípio norteador
- Papel do jornalismo investigativo na iniciativa
- Perspectiva de novas ações e monitoramento permanente
Quem participou da operação e como o fato veio à tona
A movimentação oficial teve origem em solicitação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). O órgão federal encaminhou à AGU informações reveladas em reportagem da agência Núcleo, que denunciou a existência de um esquema estruturado para produzir e comercializar deepfakes envolvendo menores de idade. A PNDD, após receber o material, expediu notificação extrajudicial ao provedor estrangeiro que mantinha o site ativo. O documento detalhou violações legais claras e citou instrumentos de proteção internacionais e nacionais, exigindo a remoção imediata.
O que exatamente era vendido na página derrubada
Segundo a investigação jornalística que sustentou o pedido, criminosos usavam fotos reais de crianças como matéria-prima para gerar centenas de imagens de pornografia infantil em formato deepfake. Os responsáveis alimentavam modelos de inteligência artificial de código aberto, disponíveis gratuitamente na internet, com registros fotográficos autênticos. A combinação de facilidade de acesso aos algoritmos e ausência de barreiras técnicas permitiu produzir material com realismo perturbador, capaz de enganar observadores desavisados e, ao mesmo tempo, alimentar um mercado ilícito altamente lucrativo.
Quando e onde o conteúdo circulava
A veiculação se dava essencialmente na dark web, porção da internet acessível apenas por navegadores específicos e projetada para garantir anonimato. Fóruns de acesso restrito funcionavam como praças de comércio e de troca, possibilitando que compradores tivessem contato com as imagens assim que eram publicadas. A página estrangeira agora desativada integrava essa cadeia: ela oferecia pacotes de fotos sintéticas, obtendo pagamento e, na sequência, disponibilizando os arquivos em diretórios protegidos ou encaminhando-os diretamente para usuários cadastrados em comunidades clandestinas.
Como a tecnologia de IA foi explorada pelos cibercriminosos
Os infratores recorreram a serviços de hospedagem de modelos, aplicativos de manipulação visual e repositórios de código aberto extremamente populares. Várias dessas soluções, disponibilizadas sem custo, permitem treinar algoritmos com grande acurácia usando computadores pessoais. Ao inserir fotografias reais de crianças, os operadores instruíam o software a gerar representações eróticas que nunca aconteceram no mundo físico, mas que mantinham traços reconhecíveis das vítimas, agravando o potencial de dano psicológico e ampliando a gravidade do crime.
Por que a AGU recorreu a instrumentos legais específicos
A atuação da Procuradoria Nacional buscou sustentação jurídica sólida para enfrentar um infrator sediado no exterior. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece responsabilidade objetiva de meios que permitam circulação de material de exploração sexual de menores dentro ou fora do território nacional, desde que alcance usuários brasileiros. Paralelamente, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1989, impõe aos signatários obrigação de proteger pessoas com menos de 18 anos de qualquer forma de abuso ou exploração. A AGU utilizou esses dispositivos para argumentar que a permanência do conteúdo violava compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e lesionava diretamente direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Etapas que levaram à derrubada do site
- Identificação do domínio e das rotas de distribuição das imagens ilícitas, a partir do material fornecido pela reportagem investigativa.
- Elaboração de notificação extrajudicial pela PNDD, descrevendo infrações e solicitando retirada imediata dos conteúdos.
- Envio da notificação ao provedor estrangeiro responsável pela hospedagem do site.
- Ausência de contestação por parte da empresa, que reconheceu a irregularidade das publicações.
- Desativação completa da página e interrupção de seu serviço de comercialização de deepfakes.
Impacto da ausência de contestação e importância do resultado
A falta de resposta formal dos administradores da plataforma facilitou o cumprimento da ordem de remoção. Ao não apresentar defesa nem alegar algum tipo de direito ao conteúdo, o provedor sinalizou concordância tácita com a irregularidade identificada. Com isso, os mecanismos de hospedagem suspenderam o serviço em poucas horas. A ação reduz a circulação imediata das imagens naquele endereço eletrônico, interrompendo, ainda que temporariamente, o fluxo comercial observado pela investigação.
Contexto mais amplo: a popularização das ferramentas abertas de IA
O caso evidencia como modelos de inteligência artificial de código aberto podem ser instrumentalizados para práticas ilícitas. A disponibilidade de algoritmos avançados, aliados a comunidades online que compartilham instruções técnicas, torna a produção de deepfakes cada vez mais simples e veloz. Mesmo sem recursos financeiros expressivos, grupos criminosos conseguem instalar as aplicações, alimentar os dados e obter resultados de alta qualidade visual, suficientes para enganar ou satisfazer consumidores de conteúdos ilegais.
Exploração infantil e dark web: convergência de riscos
A dark web, projetada para preservar anonimato, converte-se em ambiente propício à trocas que violam legislações de múltiplos países. A venda de pornografia infantil, ainda que falsificada, permanece crime, pois os retratos sugerem atos degradantes envolvendo menores. Além disso, a utilização de retratos reais, mesmo que manipulados, agrava a condição de revitimização. Investigações apontam que fóruns escondidos empregam sistemas de reputação e camadas de criptografia para manter distantes atores estatais, dificultando rastreamento de origem e destino dos arquivos.
Declaração da PNDD sobre a cadeia de produção ilícita
Em nota pública, o advogado da PNDD responsável pelo caso destacou a existência de um mecanismo com diversos atores, todos aproveitando o livre acesso ao código dos modelos de IA. O profissional ressaltou que a estrutura de distribuição identificada não se limitava ao site retirado: incluía desde desenvolvedores que adaptavam algoritmos até usuários ativos nos fóruns da dark web. A página extinta, no entanto, cumpria papel crucial, pois convertia imagens geradas em produto comercial, alimentando financeiramente a cadeia.
Proteção integral de crianças e adolescentes como princípio norteador
O Estatuto da Criança e do Adolescente adota a lógica da proteção integral, que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em fase peculiar de desenvolvimento. Nesse contexto, qualquer conteúdo que afete a dignidade da faixa etária exige pronta intervenção estatal. A Convenção sobre os Direitos da Criança reforça essa leitura, orientando os países a atuar de modo cooperativo no combate à exploração sexual, inclusive em cenários transnacionais como o identificado pela AGU.
Papel do jornalismo investigativo na iniciativa
A reportagem da agência Núcleo atuou como ponto de partida para o processo de responsabilização. Ao revelar detalhes técnicos sobre a geração das imagens, listar volumes de material distribuído e identificar a ligação com fóruns ocultos, o trabalho jornalístico forneceu insumos concretos para que a Secom encaminhasse solicitação à AGU. O episódio ressalta a função da imprensa na detecção de violações e na promoção de respostas governamentais rápidas.
Perspectiva de novas ações e monitoramento permanente
A Advocacia-Geral da União sinalizou que seguirá monitorando ambientes digitais para coibir reincidência ou migração do serviço para outros domínios. Como a infraestrutura de distribuição na dark web é descentralizada, a continuidade da vigilância se mostra necessária. O sucesso na remoção deste site, contudo, demonstra a eficácia de combinar investigação jornalística, mobilização de órgãos públicos e uso de tratados internacionais para desarticular pontos de comercialização de deepfakes de abuso infantil.
A derrubada da página estrangeira representa, assim, um passo relevante na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, evidenciando a capacidade de instituições brasileiras de atuar além das fronteiras quando tecnologias emergentes são empregadas para violar a legislação.

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