Sindicato de roteiristas pede bloqueio da Compra da Warner pela Netflix nos Estados Unidos

Compra da Warner pela Netflix, anunciada na semana anterior e avaliada em US$ 83 bilhões, enfrenta forte resistência de organizações de trabalhadores do setor audiovisual norte-americano, que alegam risco de desemprego, redução de salários e prejuízo ao consumidor.

Compra da Warner pela Netflix redefine o cenário do streaming

O acordo firmado entre a maior plataforma de vídeo por assinatura do mundo e um dos mais tradicionais estúdios de Hollywood une duas empresas que até então competiam pelo tempo e pelo bolso do público. Ao adquirir a Warner Bros., a Netflix passa a deter um catálogo de franquias globais que inclui O Senhor dos Anéis, Harry Potter e Game of Thrones, entre outras propriedades intelectuais consolidadas. A transação ainda depende de aval de acionistas e de autoridades regulatórias, mas, se confirmada, representará a consolidação de um grupo com participação significativa tanto na produção de conteúdo original quanto na exploração de obras clássicas do cinema e da televisão.

Para a Netflix, a incorporação oferece a oportunidade de diversificar receitas, reforçar a estratégia de streaming e ampliar sua biblioteca de títulos exclusivos. Para a Warner, o negócio promete aporte de capital e acesso direto à base global de assinantes que supera duzentos milhões de usuários. A amplitude do catálogo resultante, entretanto, acendeu sinais de alerta entre entidades sindicais que representam roteiristas, produtores e outros profissionais da indústria.

Sindicato dos roteiristas vê ameaça em Compra da Warner pela Netflix

A Writers Guild of America (WGA) divulgou comunicado oficial defendendo que a operação seja barrada com fundamento nas leis antitruste dos Estados Unidos. A gremiação argumenta que a concentração prevista limita oportunidades de trabalho, pressiona remunerações para baixo e restringe a variedade de obras disponíveis ao público. De acordo com o texto, permitir que a maior plataforma de streaming absorva um de seus principais concorrentes “retira do mercado uma fonte essencial de emprego e reduz a alternativa de escolha para espectadores”.

O posicionamento da WGA não é isolado nem recente. A entidade já havia manifestado preocupação antes mesmo de o vencedor do processo de venda ser anunciado. Na visão do sindicato, qualquer grande grupo que saísse vitorioso — fosse Paramount, Comcast ou outra corporação — provocaria concentração excessiva no mercado. No entanto, o impacto seria potencialmente maior com a vitória da Netflix, pois a empresa acumularia o duplo papel de produtora e distribuidora dominante em streaming.

Impactos econômicos e de emprego destacados pela WGA

Os roteiristas elencam quatro consequências principais caso a Compra da Warner pela Netflix seja ratificada:

1) Eliminação de postos de trabalho — A Netflix poderia integrar equipes e reestruturar departamentos, enxugando quadros técnicos e artísticos duplicados. A expectativa do sindicato é de corte relevante em salas de roteiristas e em setores administrativos.

2) Pressão para redução salarial — Com menos estúdios disputando roteiros, a concorrência pelos serviços dos escritores diminuiria, permitindo oferta de contratos menos vantajosos. A WGA cita negociações recentes para afirmar que o poder de barganha dos profissionais declina em ambientes controlados por um número restrito de conglomerados.

3) Possível aumento de preços ao consumidor — A entidade avalia que, sem um rival direto de porte semelhante, a Netflix ganharia espaço para reajustar tarifas de assinatura, repassando custos de aquisição da Warner aos espectadores.

4) Redução de diversidade de conteúdo — A WGA ressalta que estratégias baseadas em algoritmos de audiência tendem a favorecer formatos já testados, em detrimento de narrativas inovadoras ou de nicho. A fusão, portanto, poderia diminuir a pluralidade de gêneros, estilos e perspectivas culturais.

IBT e PGA se somam contra a Compra da Warner pela Netflix

A International Brotherhood of Teamsters (IBT), que representa mais de 1,3 milhão de trabalhadores em diferentes segmentos, emitiu nota de solidariedade à WGA. Para a irmandade, a aquisição “retira milhares de empregos qualificados do mercado” e gera risco de repasse de preços mais elevados ao consumidor final. O grupo convida outras organizações a pressionar parlamentares e órgãos reguladores para que vetem o negócio.

Já a Producers Guild of America (PGA) sustenta que a presença histórica da Netflix quase exclusiva no streaming contraria o modelo tradicional do cinema, baseado em janelas de exibição que incluem salas comerciais. Na avaliação dos produtores, a fusão “ameaça a própria existência da indústria cinematográfica” ao concentrar distribuição em uma única plataforma, reduzindo a viabilidade financeira de lançamentos no circuito convencional.

As três entidades insistem que o debate ultrapassa interesses corporativos: estaria em jogo a manutenção de um ecossistema audiovisual diverso, capaz de sustentar profissionais de diferentes especialidades — da roteirização à pós-produção — e de oferecer múltiplas formas de acesso ao público.

Histórico de concentração criticado pela WGA

O protesto atual se insere em uma trajetória de contestações anteriores lideradas pela WGA. O sindicato se posicionou contra a união Comcast-NBC em 2011, contra a compra da Warner pela AT&T em 2016 e contra a fusão Disney-Fox em 2017. Em 2021, a organização pediu que o governo revisse a aquisição da MGM pela Amazon, e, no ano seguinte, se opôs à formação da Warner Bros. Discovery. Para a guilda, tais movimentos consolidaram novos “gatekeepers” da cultura, concentrando decisões de conteúdo em poucos conglomerados, agora acrescidos de gigantes digitais.

Na leitura da WGA, esse processo resulta em cadeias de valor mais curtas, nas quais o estúdio também é distribuidor e, por vezes, proprietário da plataforma exibidora. O efeito prático seria uma queda no poder de negociação de criadores independentes, que acabam com menos canais para apresentar projetos ou buscar financiamento.

Próximas etapas regulatórias para a Compra da Warner pela Netflix

Em comunicação encaminhada aos assinantes, a Netflix declarou que nenhuma mudança imediata ocorrerá na experiência do usuário enquanto o processo regulatório estiver em curso. A empresa lembra que a conclusão do acordo depende de autorizações de órgãos antitruste e do voto favorável de acionistas de ambas as companhias. Somente após esses trâmites será possível integrar operações, catálogos e equipes.

Do ponto de vista legal, a análise deverá incluir o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Federal Trade Commission. Esses órgãos costumam avaliar participação de mercado, impacto sobre concorrência e efeitos para o consumidor. Caso entendam que a operação ameaça a competição, podem impor condições, exigir venda de ativos ou, em último caso, barrar o negócio.

No calendário previsto, reuniões com acionistas estão agendadas para o primeiro trimestre de 2026. Reguladores, por sua vez, podem estender a investigação por vários meses, especialmente diante da mobilização de sindicatos e de organizações de defesa do consumidor. Até lá, Warner e Netflix permanecem juridicamente separadas, e o mercado aguarda definições que podem redesenhar, outra vez, a estrutura da indústria audiovisual global.