Seul cria “lojas de conveniência” acolhedoras para reduzir solidão crescente

A cidade de Seul abriu quatro “lojas de conveniência calorosas” em março com o objectivo de mitigar a solidão entre residentes de todas as idades. O programa, gerido pela Divisão Municipal de Contramedidas à Solidão, registou cerca de 20 000 visitas nos primeiros meses, número quatro vezes superior à previsão oficial para o primeiro ano.

Funcionamento e serviços disponíveis

Cada espaço reproduz a atmosfera de uma sala de estar, com sofás, pufes, cadeiras de massagem e projecção de filmes. A entrada é gratuita e inclui ramen instantâneo, símbolo local de conforto alimentar. Enquanto aguardam a refeição, os visitantes preenchem um breve inquérito sobre humor e condições de vida; a informação ajuda a identificar níveis de isolamento e a orientar apoio social.

O local mais frequentado situa-se em Dongdaemun, zona nordeste da capital, e contabiliza 70 a 80 utilizadores por dia. Embora a maioria tenha entre 40 e 59 anos, há presença regular de jovens adultos. Uma visitante de 29 anos desloca-se diariamente para conversar com assistentes sociais e outros utilizadores, suprimindo a falta de contacto familiar e laboral. Outro frequentador, de 68 anos, recorre ao espaço semanalmente para ver filmes e escapar a um apartamento exíguo de baixo rendimento.

Os gestores encorajam ligações sociais de baixa intensidade, como sessões de cinema partilhadas, mas não impõem interacção directa. Quem preferir pode simplesmente sentar-se à mesma mesa e comer em silêncio. A designação “loja de conveniência” foi escolhida para afastar qualquer conotação clínica, pertinente num país onde permanece estigma associado à saúde mental.

Perfil dos utilizadores e dimensão do problema

Um estudo municipal de 2022 estimou que 130 000 jovens entre 19 e 39 anos em Seul vivem isolados ou reclusos. A mesma análise revelou que os agregados de uma só pessoa já representam perto de 40 % das habitações na capital. Factores como preços elevados de habitação, custos de vida e horários de trabalho extensos contribuem para o adiamento de casamento e parentalidade, reduzindo a rede familiar tradicional.

A preocupação inicial das autoridades surgiu com o aumento de “mortes solitárias”, casos em que idosos falecem sem serem notados durante dias. O município alargou depois o foco para a solidão em geral, lançando primeiro uma linha telefónica gratuita com consultas de 40 minutos. Em 2023, um inquérito nacional indicou que um terço dos adultos sul-coreanos não tem ninguém a quem recorrer para pequenas tarefas domésticas ou para desabafar quando se sente triste.

Resposta institucional e próximos passos

Os espaços físicos complementam o serviço telefónico e fornecem ar condicionado nos meses mais quentes, benefício relevante para moradores de alojamentos subdivididos com fracos recursos energéticos. Conselheiros no local monitorizam visitantes regulares, sugerindo encaminhamento para programas de apoio quando identificam vulnerabilidades económicas ou de saúde.

As autoridades consideram ampliar a rede de “lojas de conveniência calorosas” a outros distritos de Seul caso a procura continue a exceder as expectativas. A expansão depende de orçamento municipal, mas a recepção inicial é citada como argumento para novos investimentos em infra-estruturas anti-solidão.

Modelos semelhantes foram adoptados pelo Reino Unido, que nomeou um ministro para a solidão em 2018, e pelo Japão, que criou uma agência dedicada durante a pandemia. A iniciativa sul-coreana insere-se nessa tendência internacional de reconhecer o isolamento social como desafio de saúde pública.

Impacto observado

Até ao momento, a frequência elevada sugere que o formato casual reduz barreiras de entrada e encoraja a participação de grupos diversos. Funcionários relatam que visitantes inicialmente silenciosos tendem a envolver-se gradualmente em conversas ou actividades colectivas. Casos pessoais apontam para benefícios emocionais, como a disponibilidade de um abraço espontâneo entre uma jovem utilizadora e uma conselheira que partilhava experiência de separação familiar.

Apesar dos progressos, os responsáveis admitem que parte do público continua a levar ramen para casa para evitar comer com desconhecidos, sinal de que o estigma e os hábitos de reclusão persistem. O município planeia, por isso, reforçar campanhas de sensibilização e oferecer eventos de pequena escala que fomentem confiança de forma incremental.

O projecto de Seul destaca-se pela combinação de apoio prático, ambiente amigável e recolha sistemática de dados sobre bem-estar, fornecendo um modelo potencial para outras áreas urbanas confrontadas com isolamento crónico. A análise dos resultados ao longo do primeiro ano servirá de base a decisões sobre financiamento, formatos de expansão e integração com serviços sociais já existentes.

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Imagem: bbc.com

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