Série Tremembé expõe a complexidade de Roger Abdelmassih e Cristian Cravinhos, afirmam intérpretes

Quem são os criminosos retratados, quais delitos cometeram, como lidam com a própria culpa e de que maneira interagem dentro de uma penitenciária são questões centrais em Tremembé, série do Prime Video que revisita casos reais de enorme repercussão no Brasil. A produção acompanha nomes que chocaram o país, colocando-os lado a lado no ambiente prisional e expondo contradições humanas que, segundo o elenco, precisam ser mostradas sem atenuar a gravidade dos crimes.
- O ponto de partida: crimes reconhecidos pela Justiça
- Humanizar não é absolver: a proposta do roteiro
- Complexidade “shakespeariana”: a visão de Anselmo Vasconcelos
- Quando a opinião pública tenta relativizar
- Kelner Macêdo e o retrato de uma personalidade contraditória
- A construção dramática do “triângulo de Tremembé”
- Os bastidores da interpretação: método e cautela
- Percepções internas e externas ao presídio
- Cinco episódios, cinco recortes de violência
- Crimes que não deixam espaço para neutralidade
- A disponibilidade da série
O ponto de partida: crimes reconhecidos pela Justiça
Na dramaturgia, Roger Abdelmassih e Cristian Cravinhos aparecem como figuras que, ainda que distintas em trajetória, dividem o mesmo espaço físico depois de condenações definitivas. Abdelmassih teve pena inicial de 278 anos por 37 estupros, reduzida posteriormente para 181 anos. Cravinhos recebeu 38 anos por sua participação no assassinato do casal von Richthofen. Esses números estabelecem a dimensão dos casos e servem de âncora para a narrativa, que não contesta sentenças nem relativiza responsabilidades.
Humanizar não é absolver: a proposta do roteiro
A argumentação dramatúrgica, criada por Ullisses Campbell e Vera Egito, afasta a ideia de romantizar criminosos. Os roteiristas optam por explorar motivações, reações e estratégias de sobrevivência adotadas pelos detentos, reconhecendo, ao mesmo tempo, a crueldade intrínseca a cada história. Para o ator Anselmo Vasconcelos, que vive Roger Abdelmassih, o texto fornece os alicerces para ilustrar a frieza do ex-médico sem cair em sentimentalismo. Já no primeiro episódio, o personagem surge calculista, focado na esperança de deixar o presídio antes que a idade o condene à morte atrás das grades.
Dentro dessa perspectiva, os roteiristas reservam momentos em que vítimas confrontam o agressor, evidenciando o contraste entre a postura imperturbável do detento e o trauma de quem sofreu violência. Em uma dessas sequências, relatada pelo elenco como “magnífica”, Abdelmassih reage à presença de uma vítima com aparente indiferença, atitude que revela a profundidade de sua desumanidade sem recorrer a exageros cenográficos.
Complexidade “shakespeariana”: a visão de Anselmo Vasconcelos
Ao comentar o processo de criação, Vasconcelos estabelece um paralelo com a obra de Shakespeare, argumentando que o poeta inglês foi pioneiro em dar camadas psicológicas aos personagens. O ator sustenta que Tremembé segue essa trilha ao exibir a capacidade humana de praticar atos extremos. Para ele, retratar a monstruosidade não elimina a humanidade; ao contrário, evidencia que ambas coexistem. O intérprete também sublinha que, na prisão, Abdelmassih não ocupa a posição de “preso comum”, pois o volume de delitos e a repercussão midiática isolam-no até mesmo entre outros condenados.
Quando a opinião pública tenta relativizar
Embora os crimes de Abdelmassih provoquem repúdio quase unânime, Cristian Cravinhos enfrenta outro tipo de reação. A roteirista Vera Egito observa que parte do público, e o próprio detento, costumam alegar manipulação para amenizar a gravidade do assassinato cometido. Essa relativização surge na série por meio de diálogos nos quais personagens questionam limites morais: “Tem crime que não tem condição”, afirma uma detenta, referindo-se a delitos considerados inaceitáveis até dentro do cárcere.
Kelner Macêdo e o retrato de uma personalidade contraditória
Interpretar Cristian Cravinhos exigiu de Kelner Macêdo uma postura de distanciamento pessoal. O ator afirma que precisou “limpar” o próprio julgamento para entender as relações que definem o personagem. Segundo Macêdo, Cristian manipula desejos alheios, mantém dois relacionamentos simultâneos e se vale de sedução constante como estratégia de poder. Ainda assim, a ligação com o irmão Daniel surge como o afeto que sustenta sua rotina na prisão, diferenciando-se das conexões baseadas em interesse ou instinto de sobrevivência.
A dualidade aparece com nitidez quando o roteiro mostra Cravinhos justificando o crime “por amor” e, na mesma cena ou em sequência, engajado em novas aventuras logo que tem direito a saidinha. O comportamento pavoneado, mencionado por Macêdo, reforça o contraste entre culpa declarada e desejo permanente de liberdade e emoção.
A construção dramática do “triângulo de Tremembé”
Embora Roger e Cristian concentrem parte significativa da atenção, Tremembé dedica espaço ao triângulo amoroso envolvendo Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Sandrão. As interações desse núcleo ampliam o debate sobre afetos, poder e manipulação dentro do presídio. Para Cravinhos, tal ambiente se torna oportunidade de reafirmar sua vaidade: ele observa, testa limites e, quando possível, insere-se em disputas emocionais que não lhe dizem respeito diretamente, mas que alimentam seu senso de controle.
Os bastidores da interpretação: método e cautela
Tanto Vasconcelos quanto Macêdo relatam ter adotado recursos distintos para dar vida a personagens com tamanho peso criminal. No caso de Abdelmassih, o foco recaiu sobre gestos contidos, expressões mínimas e olhar calculado, características que reforçam o distanciamento do personagem em relação às consequências de seus atos. Já Macêdo apostou na observação das dinâmicas de cada relação — com o irmão, com parceiras, com outros presos — para montar múltiplas facetas de Cristian. A cada interlocutor, surge um “novo Cristian”, refletindo o papel que ele deseja representar naquele momento.
Percepções internas e externas ao presídio
A equipe criativa também aborda como criminosos classificam uns aos outros, revelando hierarquias morais construídas entre pessoas já condenadas. Ullisses Campbell menciona que Abdelmassih se queixa de estar “misturado com monstros”, numa tentativa de criar distância simbólica entre seus delitos e os dos demais detentos. No entanto, essa estratégia encontra resistência tanto dos colegas de cela quanto do público, que vê nos 37 estupros um grau de violência incontornável.
Cinco episódios, cinco recortes de violência
A temporada possui cinco episódios, cada qual dedicado a um crime de forte impacto social. Esse formato permite mergulhar em detalhes de cada caso, sem perder de vista o pano de fundo coletivo: a convivência em Tremembé. A alternância entre histórias garante que o espectador compreenda a singularidade de cada criminoso, mas também reconheça padrões de manipulação, autopreservação e conflito comuns a todos.
Crimes que não deixam espaço para neutralidade
Ao direcionar a câmera para condenados cujas ações extrapolaram qualquer limite ético, Tremembé reconhece que certas barbáries exigem registro fiel e sem concessões. A proposta de “humanizar” é, portanto, um exercício de exposição: mostrar sem amenizar e retratar sem elogiar. As falas do elenco e dos roteiristas convergem para a ideia de que enxergar a humanidade nos algozes não diminui a dor das vítimas; apenas reforça a noção de que atrocidades provêm de pessoas ordinárias, um choque que o termo “monstro” costuma suavizar.
A disponibilidade da série
Com todos os episódios já liberados no catálogo do Prime Video, Tremembé apresenta ao espectador uma sequência de histórias verídicas ancoradas em argumentos penais consolidados. Entre corredores estreitos, pátios abafados e salas de visita tumultuadas, a narrativa evidencia a luta de cada personagem para manter poder, construir alianças e, sobretudo, sobreviver em meio às próprias culpas e justificativas.
Tremembé confronta o público com a coexistência de brutalidade e racionalidade, servindo-se do trabalho de intérpretes que, conscientes da responsabilidade, conduzem relatos sem verter julgamento pessoal para a tela. Ao final, permanece a constatação de que a complexidade humana inclui extremos desconfortáveis, e a série escolhe encará-los sem adornos.
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