Raízes biológicas ajudam a explicar a religiosidade humana, indicam pesquisas
Pesquisas de neurociência, psicologia evolutiva e genética apontam que a fé pode ter se formado a partir de mecanismos biológicos do cérebro, explicando por que práticas religiosas surgem em diferentes sociedades e períodos.
Ao longo da história, grupos humanos recorreram a narrativas sagradas para atribuir sentido a fenômenos naturais, organizar códigos morais e reforçar vínculos sociais, indicando que a religião exerce função prática além do âmbito exclusivamente espiritual.
Técnicas de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional, mostram que orações, cânticos e meditação ativam o sistema límbico, região associada às emoções, e o córtex pré-frontal, ligado ao raciocínio abstrato e ao planejamento.
Nos exames, também se observa a participação do núcleo accumbens, centro neural de recompensa que se acende em prazer, amor ou uso de substâncias, sugerindo que vivências religiosas podem gerar sensação fisiológica de bem-estar.
A partir desses dados, o campo da neuroteologia integra métodos científicos e reflexão teórica para investigar como ritos, símbolos e crenças modulam circuitos cerebrais, sem tomar partido sobre a veracidade das doutrinas analisadas.
Sob a ótica da psicologia evolutiva, a religião pode ter funcionado como mecanismo adaptativo, reforçando cooperação, respeito a regras e solidariedade, recursos considerados vantajosos para sobrevivência de grupos pré-históricos em ambientes hostis.
Crenças coletivas e rituais sincronizados, como danças ou cânticos, aumentam a confiança entre participantes, reduzem conflitos internos e elevam a disposição para proteger membros do mesmo clã, de acordo com meta-análises de estudos comportamentais.
Entretanto, alguns pesquisadores defendem que a fé talvez seja subproduto de capacidades cognitivas já selecionadas, como detectar padrões aleatórios ou atribuir intenções a agentes invisíveis, aptidões que teriam prevenido perigos na savana ancestral.
No campo genético, investigações buscam variantes associadas à espiritualidade; uma hipótese liga o gene VMAT2, responsável por regular neurotransmissores como dopamina e serotonina, a maior propensão a experiências místicas e sensação de transcendência.
A proposta de um “gene de Deus” permanece controversa, pois comportamentos complexos costumam resultar da interação entre múltiplos loci e fatores ambientais, indicando que herança biológica influencia, mas não determina, o grau de religiosidade individual.
Estudos com gêmeos relatam correlação moderada entre parentes idênticos na frequência de práticas religiosas, reforçando a ideia de componente hereditário, embora as crenças específicas dependam amplamente do contexto cultural e da educação recebida.
A capacidade de inferir estados mentais alheios, conhecida como teoria da mente, é investigada como suporte para conceber divindades dotadas de intenções, vigilantes de ações humanas e capazes de recompensar ou punir condutas.
Pesquisadores também observam que circuitos cerebrais ligados à empatia se ativam durante cultos que enfatizam compaixão, indicando que a religião pode reforçar normas morais existentes, ao oferecer narrativa que legitima o cuidado com o próximo.
Para especialistas, identificar mecanismos biológicos por trás da espiritualidade não invalida crenças, mas amplia a compreensão científica sobre comportamentos humanos, contribuindo para dialogar com campos como filosofia, antropologia e saúde mental.
Novas pesquisas testam intervenções baseadas em meditação contemplativa para observar efeitos em estresse, imunidade e plasticidade neural, enquanto análises genômicas de larga escala procuram variantes adicionais relacionadas à busca existencial.
Apesar dos progressos, cientistas reconhecem que a religiosidade resulta de interação multifacetada entre biologia, experiências pessoais, normas sociais e influências históricas, não havendo consenso único sobre peso relativo de cada componente.
Essa abordagem interdisciplinar permite mapear origens evolutivas da fé, descrever circuitos neurais envolvidos e quantificar participação genética, oferecendo panorama mais abrangente sobre por que a humanidade recorre, há milênios, a narrativas de caráter transcendente.
O aprofundamento dessas investigações deve prosseguir, alimentado por tecnologias cada vez mais precisas de imagem cerebral e sequenciamento, possibilitando refinar a compreensão das múltiplas dimensões que sustentam a religiosidade no comportamento humano.
Fonte: Vox