Refugiado que viveu 18 anos num aeroporto inspirou filme “O Terminal”
O Terminal, estreia de 2004 realizada por Steven Spielberg e protagonizada por Tom Hanks, baseia-se numa história verídica pouco conhecida fora dos círculos jornalísticos. O caso real envolve Mehran Karimi Nasseri, cidadão iraniano que passou quase duas décadas a residir no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, após ver contestada a sua situação documental.
A vida de Mehran Karimi Nasseri
Nasseri nasceu no Irão e mudou-se para o Reino Unido na década de 1970 para frequentar o ensino superior. Durante um período de instabilidade política no seu país, participou em protestos estudantis e afirmou ter sido detido e torturado pelas autoridades iranianas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados concedeu-lhe estatuto de refugiado, permitindo-lhe circular na Europa.
Em 1988, enquanto viajava entre Londres e Paris, perdeu — ou enviou por correio, segundo versões não confirmadas — os documentos que comprovavam a sua identidade e o estatuto de proteção internacional. Sem passaporte válido e sem país que o reconhecesse, tornou-se apátrida e viu-se obrigado a permanecer no terminal de partidas do aeroporto francês.
Conhecido entre funcionários e passageiros como “Sir Alfred”, o iraniano adaptou-se às rotinas do edifício: tomava banho nas instalações públicas, dormia em bancos de espera e alimentava-se graças a vales de refeição oferecidos pelos trabalhadores. A situação prolongou-se durante 18 anos, transformando-o numa figura simbólica do Charles de Gaulle.
O seu percurso foi relatado no livro The Terminal Man, publicado em 2004 em coautoria com o escritor Andrew Donkin, e atraiu atenção de vários meios de comunicação internacionais.
Diferenças entre realidade e cinema
Embora o filme de Spielberg recorra aos elementos essenciais — um viajante preso num aeroporto devido a problemas diplomáticos —, a produção opta por uma abordagem mais leve e fictícia. No ecrã, Viktor Navorski (Tom Hanks) é oriundo de uma nação imaginária da Europa de Leste e fica retido em Nova Iorque quando um golpe de Estado torna o passaporte inválido. A versão cinematográfica introduz humor e romance, afastando-se dos contornos burocráticos e das questões de direitos humanos presentes na história original.
Documentos consultados pelo The Guardian revelam ainda incoerências na narrativa pública de Nasseri: não existem registos formais de expulsão do Irão e persistem dúvidas sobre o extravio dos papéis que o identificavam. Sabe-se, contudo, que recebeu apoio de um advogado de direitos humanos e chegou a habitar um abrigo em Paris antes de regressar voluntariamente ao aeroporto.
Em 2022, Nasseri voltou a instalar-se na mesma zona do Charles de Gaulle onde vivera nos anos anteriores. Meses depois, morreu vítima de ataque cardíaco, encerrando um capítulo que levantou debates sobre estatuto de refugiado, apatridia e limitações dos sistemas de controlo de fronteiras.
Onde ver “O Terminal”
Quase duas décadas após a estreia, a longa-metragem continua disponível em plataformas de streaming. O catálogo português da Netflix inclui o título, oferecendo aos subscritores a oportunidade de revisitar a interpretação de Tom Hanks. Em alternativa, o filme pode ser visto no serviço gratuito Mercado Play, mediante registo prévio.
A distância entre realidade e ficção não diminui o interesse pelo percurso de Mehran Karimi Nasseri, cuja experiência contribuiu para expor fragilidades legais enfrentadas por quem perde documentos ou nacionalidade. O Terminal, ao transformar a saga num enredo acessível ao grande público, manteve viva a discussão sobre mobilidade global e proteção de refugiados.

Imagem: tecmundo.com.br