Recurso “Sobre esta conta” do X/Twitter revela localizações controversas e expõe fragilidades na luta contra perfis inautênticos

O X, rede social anteriormente conhecida como Twitter, introduziu no fim de semana o recurso Sobre esta conta, ferramenta que torna públicos dados de criação e histórico de perfis. A novidade, anunciada originalmente em outubro, chegou prometendo restringir interações inautênticas, mas provocou uma sequência imediata de rastreamentos, suspeitas e debates sobre precisão das informações exibidas.
- O que o recurso coloca em evidência
- Primeiras horas: caçadores de trolls em ação
- Contexto histórico de campanhas de influência
- Erros de localização e remoção temporária de dados
- Controvérsia envolvendo perfis governamentais
- Alerta de localização mascarada ainda sem data
- Liberdade de expressão e risco de exposição
- Repercussão política e uso de “prints” fora de contexto
- Fragilidades técnicas reconhecidas pela plataforma
- Transparência em choque com desconfiança
O que o recurso coloca em evidência
A função expõe elementos até então restritos à administração da plataforma: local de criação da conta, possíveis alterações de nome de usuário e o país atualmente associado ao perfil. Com essas três peças, usuários podem montar uma linha do tempo básica de cada conta, identificando quando e de onde ela surgiu, além de eventuais mudanças de identidade ao longo do tempo.
A iniciativa foi apresentada pela empresa como uma resposta direta ao uso crescente de bots, contas automatizadas e perfis de influência que operam de forma coordenada. Ao permitir que qualquer pessoa visualize a origem de um perfil, o X afirma dificultar a ação de trolls — usuários que inflamam discussões de maneira deliberada — e de campanhas de desinformação.
Primeiras horas: caçadores de trolls em ação
Minutos depois da liberação do recurso para um grupo amplo de usuários, jornalistas, pesquisadores e curiosos começaram a vasculhar milhares de perfis. A busca tinha um objetivo claro: verificar se contas engajadas em debates políticos estariam realmente localizadas nos países que diziam representar.
Entre os resultados mais comentados, apareceram perfis favoráveis ao slogan MAGA (Make America Great Again), associado ao ex-presidente norte-americano Donald Trump. Muitos desses usuários se apresentavam como patriotas dos Estados Unidos, exibindo bandeiras, frases nacionalistas e fotos de pessoas que se declaravam conservadoras. Contudo, segundo o que era exibido pelo novo painel, parte considerável dessas contas tinha origem em países como Nigéria, Bangladesh e Tailândia.
Em um dos exemplos relatados por internautas, até um perfil verificado que se passava pelo ex-agente de imigração Tom Homan apareceu com localização fora do território norte-americano. O episódio ampliou a suspeita de que redes inteiras de influência política estariam operando a partir de regiões geograficamente distantes do público-alvo que tentam impactar.
Contexto histórico de campanhas de influência
Especialistas consultados por veículos internacionais apontam que a revelação não chega a surpreender. Desde o período em que fazendas de perfis falsos baseadas na Rússia ganharam notoriedade, dois eixos principais vêm sendo observados:
1. Operações de Estado: iniciativas patrocinadas por governos para semear confusão, desacreditar instituições e polarizar sociedades adversárias.
2. Engajamento lucrativo: contas que publicam conteúdos polêmicos apenas para atrair cliques e retuítes, convertendo essa visibilidade em ganhos financeiros, sobretudo no modelo de monetização hoje oferecido pelo X. Para usuários localizados em economias emergentes, mesmo ganhos modestos podem representar renda significativa, incentivando a manutenção de perfis voltados a públicos estrangeiros.
Erros de localização e remoção temporária de dados
A exibição de informações também revelou limitações técnicas. Poucas horas após as primeiras denúncias de imprecisão, a empresa removeu o dado “local de criação” de contas antigas, justificando que o campo não apresentava “100% de precisão”. Segundo a equipe do X, aspectos como viagens, uso de redes privadas virtuais (VPN) e conexões por proxy podem alterar o ponto de acesso registrado pelos sistemas internos.
A retirada parcial de dados alimentou novo ciclo de desconfiança. Usuários que já haviam capturado telas começaram a comparar as duas versões da mesma conta — antes e depois do ajuste — insinuando que a plataforma estaria suprimindo provas de manipulação externa.
Controvérsia envolvendo perfis governamentais
No meio do tumulto, perfis oficiais também viraram alvo. Circulou nas redes a imagem de que o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS) aparecia com localização indicada em Tel Aviv, Israel. A instituição desmentiu publicamente, afirmando nunca ter operado fora do país. Nikita Bier, chefe de produto do X, classificou a imagem como manipulação e declarou que a localização não é fornecida para contas governamentais, sinalizando que a captura de tela não refletia o funcionamento real da ferramenta.
Alerta de localização mascarada ainda sem data
Para lidar com possíveis distorções, o X divulgou que prepara um sistema de alerta capaz de indicar quando a localização parecer mascarada por VPN ou outros métodos de ocultação. Contudo, a empresa não apresentou calendário para a implementação desse mecanismo adicional.
Liberdade de expressão e risco de exposição
Desde a fase de testes, defensores de privacidade alertavam que tornar visível o país de origem poderia colocar usuários em risco, especialmente em regimes autoritários. Como resposta, a plataforma incluiu configurações que permitem ocultar o país ou exibir apenas uma região aproximada, medida voltada a perfis que poderiam sofrer perseguição política. Ainda assim, a adoção desses filtros permaneceu opcional, o que não impediu que a enxurrada inicial de consultas gerasse revelações sensíveis.
Repercussão política e uso de “prints” fora de contexto
O recurso, concebido para desmascarar identidades falsas, acabou reforçando práticas conhecidas no ambiente virtual: compartilhamento de capturas de tela sem conferência da fonte completa, conclusões apressadas e acusações cruzadas. Perfis de diferentes espectros ideológicos passaram a rotular adversários como “agentes estrangeiros” sem apresentar verificação técnica detalhada.
Essa dinâmica demonstra que a disponibilidade de dados brutos não garante, por si só, uma interpretação correta. A leitura de cada elemento pode variar conforme a intenção de quem publica, fenômeno que alimenta ainda mais a desinformação que a ferramenta pretendia atenuar.
Fragilidades técnicas reconhecidas pela plataforma
A própria administração do X admitiu que ainda existem “arestas a aparar” no sistema. Além do impacto de VPNs e proxies, contas criadas há muitos anos podem ter registros armazenados em padrões antigos, o que amplia a margem de erro. A empresa reiterou que continua analisando inconsistências e que ajustes adicionais serão liberados gradualmente.
Transparência em choque com desconfiança
O lançamento de Sobre esta conta amplia um dilema presente nas redes sociais: até que ponto a exposição de dados detalhados contribui para a confiabilidade das interações? Por um lado, o recurso oferece insumos concretos que ajudam a identificar coordenação artificial. Por outro, a apresentação de informações incompletas ou imprecisas pode produzir novas ondas de suspeita, sobretudo quando se mistura a disputas políticas polarizadas.
Embora o X destaque sua intenção de reduzir manipulação, o episódio evidencia que a simples liberação de um indicador de localização não substitui verificação jornalística, análise forense de rede ou checagem independe. A plataforma promete evoluir o sistema, mas o cenário inaugural ilustra as limitações de soluções puramente tecnológicas diante da complexidade do comportamento humano online.
Por enquanto, a ferramenta permanece ativa, com algumas restrições, e segue no centro de testes informais realizados por usuários em busca de incoerências. A cada perfil examinado, reforça-se a percepção de que transparência e desinformação podem caminhar lado a lado, dependendo de como os dados são apresentados e interpretados.

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