Entre a realidade e a licença dramática: o que é fato ou ficção na série Tremembé, do Prime Video

Entre a realidade e a licença dramática: o que é fato ou ficção na série Tremembé, do Prime Video

A produção original Tremembé, lançada pelo Prime Video, revisita crimes de grande repercussão nacional e leva o espectador para dentro de uma das penitenciárias mais comentadas do país. Misturando acontecimentos verídicos com cenas imaginadas pelos roteiristas, a série revela — e às vezes reinventa — momentos ligados a nomes como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Roger Abdelmassih e os irmãos Cravinhos. A seguir, cada elemento que a trama traz à tela é confrontado com registros oficiais, documentos judiciais e reportagens, permitindo separar aquilo que efetivamente ocorreu do que foi criado para fins dramáticos.

Índice

O ponto de partida: a transferência de Suzane von Richthofen

O enredo abre com a mudança de Suzane da Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto para a Penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba. Foi um deslocamento motivado por questões de segurança, realizado em 2 de fevereiro de 2007, depois de incidentes registrados em outras unidades. Tanto a data quanto o trajeto — 314 quilômetros separam Ribeirão Preto da capital paulista, enquanto Tremembé fica a aproximadamente 138 quilômetros — constam em despachos oficiais. Na série, a sequência ganha tom de urgência e tensão, mas o fato, em si, procede exatamente como noticiado na época.

Relações afetivas no presídio: Suzane, Elize e Sandrão

Outro núcleo retratado com base em ocorrências confirmadas é o triângulo amoroso envolvendo Suzane, Elize Matsunaga e Sandra Regina Ruiz Gomes, conhecida entre as detentas como Sandrão. Reportagens publicadas em 2014 descrevem que Elize manteve com Sandrão um romance breve, de três dias, antes de a própria Sandrão estabelecer vínculo afetivo com Suzane. Trabalhando juntas na oficina de costura, Suzane e Sandrão assinaram um termo de compromisso interno, reconhecido pela administração, que lhes permitia coabitar a ala destinada a casais.

A série incorpora esses relacionamentos, mas lhes atribui diálogos e cenas que não aparecem em quaisquer registros públicos. Dessa forma, o fundamento é real, enquanto a forma como os encontros se desenrolam reflete escolha dramatúrgica.

A entrevista televisionada concedida a Gugu Liberato

Um dos episódios de maior repercussão repete a passagem do apresentador Gugu Liberato pelo presídio para entrevistar Suzane, ocasião que também contou com a participação de Sandrão. Com aval judicial, a gravação foi exibida em 2015 em rede nacional. Documentos e reportagens indicam que Suzane recebeu cerca de 100 mil reais pelo conteúdo, enquanto Sandrão teria recebido 20 mil. O programa ainda forneceu três máquinas de costura à detenta, itens que ela utilizaria posteriormente quando progrediu para o regime semiaberto. A dramatização refaz a entrevista, preservando a essência do encontro, mas adapta falas e ângulos de câmera que não constam na gravação original.

Roger Abdelmassih: alegações médicas e tentativas de transferência

Condenado por crimes sexuais e recolhido a Tremembé desde 2014, o ex-médico Roger Abdelmassih surge na narrativa simulando doenças com o intuito de deixar o presídio. A inspiração parte de uma sequência de pedidos encaminhados pela defesa ao Judiciário. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal chegou a autorizar prisão domiciliar, decisão revogada dois anos depois diante de suspeitas sobre exames apresentados. Desde então, Abdelmassih alterna períodos internos no hospital penitenciário com sucessivas negativas de transferência. A produção mantém o cerne dos fatos, mas compacta acontecimentos de anos distintos, permitindo que o enredo avance com ritmo mais acelerado.

Cristian Cravinhos e o relacionamento com Duda

A série dedica tempo ao vínculo amoroso entre Cristian Cravinhos e o detento chamado Duda. Na vida real, Duda é Ricardo de Freitas Nascimento, condenado por assalto à mão armada. O envolvimento dos dois ocorreu dentro dos muros de Tremembé e terminou quando Cristian mudou para o regime semiaberto. Cartas trocadas pelo casal e documentos internos sustentam a veracidade do episódio. No entanto, nem todos os detalhes mostrados na tela são confirmáveis publicamente.

Uma passagem que levantou curiosidade entre os espectadores mostra Cristian pedindo à mãe uma peça íntima, a qual usaria nos encontros com Duda. O fato é apontado como autêntico por um jornalista responsável por parte das reportagens que inspiraram o roteiro. Após o lançamento da série, Cristian criticou a forma como foi retratado e classificou a história como falsa, enquanto o jornalista divulgou correspondências e objetos que, segundo ele, comprovariam o episódio. Ainda que o embate siga nos bastidores, a inclusão da cena no roteiro está amparada em depoimentos documentais.

Diálogos, confrontos e intimidades: onde começa a ficção

Embora a maioria dos eventos descritos até aqui tenha respaldo factual, grande parte dos diálogos, brigas e cenas íntimas foi imaginada pelos roteiristas. Não existem gravações, atas ou transcrições que descrevam com precisão como detentos conversavam ou discutiam dentro das celas e alas comuns. Os autores, portanto, criaram interações verossímeis, mas não comprovadas, para ilustrar o clima no interior do presídio.

Reorganização da linha do tempo para efeito dramático

Outro recurso utilizado pela produção é a alteração da ordem cronológica. Fatos registrados em anos diferentes acabam mostrados em sequência, o que aumenta a tensão dramática e permite que histórias paralelas se cruzem com mais frequência. Dessa maneira, a narrativa aproxima personagens que, em determinados períodos, sequer estiveram na mesma ala ou na mesma unidade. Essa condensação temporal não altera o conteúdo principal dos acontecimentos, porém modifica a percepção do espectador sobre relações de causa e efeito.

Personagens com nomes trocados ou perfis fundidos

Por questões legais e de privacidade, parte dos nomes sofreu alteração. Alyne Bento, esposa de Daniel Cravinhos, aparece na série com outro nome. O mesmo se aplica a Duda, que recebe um apelido em lugar do nome civil completo. Há ainda personagens secundários — como Poliana e outras presas — construídos a partir da fusão de traços de pessoas diversas, o que protege identidades sem perder a verossimilhança.

O primeiro contato entre Suzane e Elize

No roteiro, o encontro inicial entre Suzane e Elize ganha contornos cinematográficos, carregado de tensão visível. Na realidade, relatos apontam que a aproximação se deu gradualmente, em atividades cotidianas do presídio, sem o impacto imediato mostrado na tela. Embora a amizade e posteriores desentendimentos existam, a maneira como o primeiro diálogo é encenado foi adaptada para efeito dramático.

Como a série equilibra fato e dramatização

Ao reconstruir crimes e relacionamentos que mobilizaram a opinião pública, Tremembé utiliza base factual robusta: transferências oficialmente registradas, romances confirmados por documentos internos, entrevistas autorizadas pelo Judiciário e processos judiciais consultáveis. Ao mesmo tempo, recorre a licenças narrativas em três frentes principais: diálogos inventados, reorganização de datas e mudança de nomes.

Esse equilíbrio permite que o espectador reconheça acontecimentos notórios — como a entrevista televisionada ou a estratégia de Abdelmassih — e se mantenha engajado por meio de situações que, embora não comprovadas, poderiam ter ocorrido dentro de uma penitenciária de segurança máxima. A distinção entre fato e ficção, contudo, exige atenção do público: tudo que envolve datas, transferências, relações confirmadas e transações financeiras tem lastro documental; já conversas, detalhes íntimos e a ordem exata dos eventos são escolhas criativas.

Em última análise, a série cumpre a proposta de revisitar casos emblemáticos brasileiros, mas faz isso por meio de uma costura que alterna registros oficiais e imaginação, permitindo que Verdade e dramaturgia convivam na mesma cela de Tremembé.

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