Protestos em Angola que paralisaram Luanda e outras províncias em julho resultaram em pelo menos 30 mortes, milhares de detenções e reacenderam o debate sobre pobreza e desigualdade no país que se prepara para celebrar 50 anos de independência.
O estopim foi o aumento no preço do combustível, convocado inicialmente por motoristas de táxi. Em três dias, pneus queimados bloquearam avenidas, lojas foram saqueadas e confrontos entre manifestantes e polícia transformaram-se na maior onda de agitação desde o fim da guerra civil em 2002.
Protestos em Angola deixam 30 mortos e revelam desigualdade
Nos bairros mais pobres de Luanda, onde faltam saneamento básico e empregos formais, o medo de represálias impede muitos de falar abertamente sobre o episódio. Um vendedor ambulante de 24 anos disse que, apesar dos riscos, saiu às ruas para mostrar que “a riqueza do petróleo não pode beneficiar apenas poucos”.
Dados oficiais apontam taxa de desemprego de 54% entre jovens de 15 a 24 anos; apenas três dos 18 milhões de angolanos em idade ativa têm emprego formal. Esse cenário alimenta o sentimento de “nada a perder” descrito pelo sociólogo Gilson Lázaro, que classifica os manifestantes como “despossuídos”.
Em cadeia nacional, o presidente João Lourenço atribuiu a violência a “organizações anti-patrióticas” que teriam manipulado cidadãos pelas redes sociais. Especialistas, porém, veem falhas estruturais. O economista Francisco Paulo lembra que, apesar de o petróleo continuar sendo a principal fonte de receita, o país não copia modelos de sucesso, como o da Noruega, para diversificar a economia.
O Banco Mundial calcula que mais de um terço da população vive com menos de US$ 2,15 por dia. Embora o PIB tenha voltado a crescer em 2022, a expansão não acompanha o aumento populacional, o que, na prática, torna os angolanos mais pobres.
Com a proximidade de 11 de novembro, data da independência, o governo organiza festivais, condecorações e um amistoso de futebol que pode contar com Lionel Messi. Para a estudante de ciência política Lea Komba, de 20 anos, a festa contrasta com a realidade da juventude marginalizada: “Pensamos com o estômago, porque a fome tira o medo”. Ela prevê novos atos até as eleições de 2027 se as causas — fome, desemprego e corrupção — não forem enfrentadas.
Analistas concordam que o governo precisa agir rapidamente para evitar outra explosão social. Diversificar a economia, ampliar programas de qualificação e fortalecer a proteção social são apontados como caminhos urgentes.
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Imagem: AFP via Getty Images