Programa Muralha Paulista é alvo de manifesto que questiona vigilância e uso de dados sensíveis

Programa Muralha Paulista é alvo de manifesto que questiona vigilância e uso de dados sensíveis

Programa Muralha Paulista, iniciativa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, passou a ser formalmente contestado após a entrega de um manifesto técnico à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O documento, assinado por três instituições, afirma que o sistema de vigilância viola direitos fundamentais ao coletar dados sensíveis em larga escala sem fornecer garantias adequadas de transparência, proporcionalidade e governança.

Índice

Como funciona o Programa Muralha Paulista

O projeto utiliza uma malha de videomonitoramento composta por câmeras públicas e privadas, interligadas a softwares de reconhecimento facial e a múltiplas bases de dados governamentais. De acordo com o material encaminhado à ANPD, mais de 38 000 câmeras já estariam conectadas à rede, e a meta do governo paulista é estender a cobertura aos 645 municípios do estado.

No centro da arquitetura tecnológica, há um “fusion center”, estrutura de processamento que integra registros de origem variada — biometria facial, geolocalização, placas de veículos e históricos de circulação — e os converte em informações estruturadas. Esse núcleo gera alertas em tempo real e direciona equipes de segurança para abordagens ou ações de investigação.

A operação é contínua e automatizada. Assim que um rosto é capturado por uma câmera, o algoritmo compara a imagem com conjuntos de dados já cadastrados, identificando coincidências ou emitindo notificações de suspeita. Ao mesmo tempo, a localização geográfica do indivíduo, o horário e outros metadados são registrados, compondo um histórico detalhado de deslocamento.

Instituições questionam bases legais do Programa Muralha Paulista

A Defensoria Pública da União (DPU), o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e o grupo de pesquisa Politicrim subscrevem o manifesto entregue à ANPD. Para essas entidades, o desenho atual do programa afronta a Constituição Federal, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e normas internacionais de proteção à privacidade.

Os signatários argumentam que a administração pública precisa demonstrar, de forma robusta, a necessidade e a proporcionalidade da vigilância tão abrangente. Sem esse exercício de justificativa, concluem, qualquer coleta em massa se torna presumidamente excessiva, pois inclui pessoas que não são investigadas ou suspeitas de ilícitos.

Outro ponto central é a clarificação de papéis entre controladores e operadores dos dados. Segundo o texto, a ausência de definição precisa sobre qual órgão assume a responsabilidade principal pela custódia, pelo tratamento e pela eventual eliminação das informações dificulta a responsabilização em caso de abuso ou vazamento.

Coleta massiva de dados sensíveis sob a lupa

No conceito da LGPD, “dados sensíveis” abrangem, entre outros itens, biometria e informações que possam revelar aspectos da vida privada de um indivíduo. O manifesto destaca que o Programa Muralha Paulista trabalha, justamente, com biometria facial e dados de mobilidade, ambos considerados de altíssimo impacto para a privacidade.

A captação é descrita como sistemática e de grande escala. A cada imagem capturada, há uma chance de que novas correlações sejam adicionadas aos bancos existentes, aumentando o volume e a complexidade dos perfis individuais. Para as instituições, a prática viola o princípio da minimização de dados — isto é, a obrigação de limitar a coleta ao estritamente necessário para a finalidade declarada.

O manifesto também denuncia a falta de informação clara ao cidadão. Não há sinalização consistente em todas as áreas monitoradas nem divulgação pública de políticas de retenção ou descarte. Consequentemente, as pessoas não sabem exatamente quais dados estão sendo armazenados, por quanto tempo e com qual propósito específico.

Riscos de discriminação algorítmica no reconhecimento facial

Estudos internacionais citados pelas entidades mostram que sistemas de reconhecimento facial podem apresentar maiores taxas de erro quando analisam rostos de pessoas negras, asiáticas ou de outros grupos étnicos historicamente sub-representados nos conjuntos de treinamento dos algoritmos. O manifesto considera esse fator crítico em um estado cuja população é marcada por diversidade racial significativa.

Erros de identificação, mesmo que ocorram em pequena porcentagem em um universo de milhões de registros, podem resultar em abordagens indevidas, constrangimentos públicos e processos criminais equivocados. O documento enviado à ANPD aponta, ainda, que a ausência de mecanismos de auditoria independente agrava o risco de perpetuação de vieses discriminatórios.

Para os autores, sem controles robustos, a ampliação do Programa Muralha Paulista tende a intensificar desigualdades, pois grupos vulnerabilizados estariam mais expostos a falsos positivos e a abordagens policiais desnecessárias.

Transparência e governança: pontos fracos identificados

A legislação brasileira exige que projetos de vigilância sejam acompanhados por Relatórios de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPDs). No entanto, as instituições relataram ter recebido apenas versões parciais desses documentos, com trechos suprimidos “sem fundamentação plausível”. Para os signatários, a omissão prejudica o controle social e impede a fiscalização autônoma sobre a legalidade do sistema.

O manifesto também menciona lacunas procedimentais. Entre elas, a inexistência de políticas públicas que contemplem processos claros de revisão humana em decisões baseadas em algoritmos e a falta de canais acessíveis para que cidadãos questionem ou solicitem correções sobre seus dados.

Outro ponto de preocupação refere-se às políticas de compartilhamento entre órgãos. Embora o fusion center integre bases federais, estaduais e, potencialmente, municipais, não há transparência sobre os convênios, nem sobre os critérios para acesso às informações por entidades parceiras.

Recomendações apresentadas à ANPD e próximos passos

Para enfrentar os problemas identificados, as três instituições encaminharam um conjunto de propostas à Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Entre elas estão:

1. Acesso integral aos autos: a DPU solicita acesso completo à documentação do processo administrativo que avaliou o Programa Muralha Paulista, permitindo análise técnica mais aprofundada.

2. Relatórios de impacto detalhados: exigência de RIPDs que exponham metodologias, bases jurídicas, prazos de retenção e estatísticas de desempenho dos algoritmos.

3. Definição clara de papéis: identificação formal dos responsáveis pelo tratamento, incluindo critérios de responsabilização em caso de incidentes de segurança ou uso indevido.

4. Políticas transparentes de retenção: criação de regras para armazenamento, prazos máximos e processos de descarte de dados pessoais.

5. Salvaguardas para grupos vulnerabilizados: implementação de auditorias frequentes, revisão humana obrigatória e mecanismos de reclamação acessíveis para indivíduos afetados.

As entidades reforçam que a atuação da ANPD poderá se tornar referência para a regulação de tecnologias de vigilância em todo o país. Caso a autoridade aceite as recomendações, espera-se a adoção de parâmetros mais rigorosos na coleta e no tratamento de dados sensíveis, bem como maior envolvimento da sociedade civil na fiscalização dessas iniciativas.

O processo agora aguarda manifestação oficial da ANPD, que deverá avaliar a legalidade das práticas descritas e determinar eventuais medidas corretivas ao Programa Muralha Paulista.

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