Oceano Antártico pode liberar calor acumulado e provocar aquecimento temporário após queda das emissões, mostra modelo climático

Oceano Antártico pode liberar calor acumulado e provocar aquecimento temporário após queda das emissões, mostra modelo climático

Um estudo recém-publicado na revista AGU Advances projeta que, em um futuro de emissões líquidas negativas, o Oceano Antártico poderá devolver à atmosfera parte do calor que armazenou desde o início da era industrial. A liberação, descrita pelos pesquisadores como um “arroto oceânico”, teria potencial para interromper ou retardar a tendência de resfriamento global por períodos que vão de algumas décadas a vários séculos, ainda que as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO₂) estejam em queda.

Índice

Quem conduziu a investigação

A pesquisa foi realizada por um grupo internacional de cientistas que utilizou o modelo UVic v.2.9, desenvolvido na Universidade de Victoria, no Canadá. O conjunto de ferramentas reúne componentes de atmosfera, oceano, gelo marinho e biosfera terrestre, permitindo simular a interação entre diferentes partes do sistema climático. O trabalho foi submetido e aprovado pela comunidade científica por meio da AGU Advances, periódico que publica estudos de alta relevância para as geociências.

O que motivou o estudo

Desde meados do século XX, os oceanos têm atuado como importantes amortecedores do aquecimento do planeta. Estimativas consolidadas apontam que cerca de 25% do CO₂ gerado pelas atividades humanas é absorvido pelas águas marinhas, juntamente com mais de 90% do calor associado a essas emissões. Apesar dessa contribuição crucial, ainda existe ampla incerteza sobre a forma como os oceanos responderão quando, eventualmente, a humanidade conseguir reduzir emissões a ponto de produzir um declínio nas temperaturas médias globais. O artigo buscou esclarecer justamente essa lacuna.

Quando e onde a análise foi divulgada

A pesquisa veio a público neste mês, reforçando debates recentes sobre estratégias de remoção de carbono e metas de neutralidade climática. Embora a publicação seja contemporânea, o tema dialoga com estudos anteriores que discutem respostas de longo prazo dos oceanos ao forçamento radiativo provocado pelas atividades humanas.

Como o experimento foi montado

Os cientistas criaram um cenário em duas etapas. Na primeira, as emissões de CO₂ aumentam progressivamente até duplicarem a concentração atual em um intervalo de 70 anos. Esse período corresponde a uma trajetória de forte expansão industrial e energética. Na segunda etapa, as emissões são drasticamente reduzidas até se tornarem negativas — situação em que tecnologias ou ações de remoção retiram mais carbono da atmosfera do que o volume liberado.

Com esse esquema, o modelo conseguiu reproduzir um pico de aquecimento seguido de um declínio gradual de temperatura, permitindo observar a reação do Oceano Antártico ao longo de vários séculos. Diversos processos físicos foram incluídos, como circulação meridional, troca de calor entre camadas profundas e superficiais e dinâmica do gelo marinho.

Por que o Oceano Antártico é decisivo

A região antártica apresenta características que a diferenciam de outros corpos d’água. Correntes intensas e o chamado Giro Circumpolar facilitam a transferência de propriedades entre águas rasas e profundas. Além disso, a formação sazonal de gelo marinho aumenta a salinidade da água que afunda, contribuindo para transportar calor e carbono para camadas inferiores. Esse mecanismo transforma o Oceano Antártico em um dos principais reservatórios de energia térmica do planeta.

Resultados obtidos pelo modelo

Após vários séculos de emissões negativas, a simulação indicou que o oceano começa a liberar calor armazenado nas profundezas, transferindo energia para a superfície e, em seguida, para a atmosfera. O efeito provoca um aumento temporário da temperatura média global, mesmo em um contexto de concentração decrescente de CO₂. Dependendo da intensidade do resfriamento externo e da quantidade de calor acumulada, o aquecimento secundário pode persistir de algumas dezenas de anos a alguns séculos.

O modelo também apontou que, embora exista liberação simultânea de CO₂ dissolvido na água, o volume de carbono devolvido ao ar é relativamente pequeno quando comparado ao estoque total de calor. Dessa forma, o fenômeno se manifestaria primordialmente como uma descarga térmica, e não como um retrocesso significativo no balanço de carbono atmosférico.

Causas físicas do “arroto”

O disparo da liberação está relacionado à reorganização da circulação oceânica. À medida que a atmosfera esfria, as camadas superficiais do Oceano Antártico perdem calor para o ar mais frio, tornando-se mais densas. Essa mudança quebra o estrato que antes isolava as águas profundas, facilitando a mistura vertical. O processo funciona como uma válvula que permite a ascensão de massas d’água aquecidas, que permaneciam retidas em níveis inferiores desde a fase de maior aquecimento global.

Possíveis repercussões climáticas

A ocorrência de um aquecimento transitório poderia atrasar os benefícios esperados das políticas de mitigação, exigindo um período maior para que os termômetros voltem a patamares pré-industriais. Setores sensíveis à temperatura, como a criosfera, os ecossistemas terrestres e os sistemas agrícolas, ficariam expostos a oscilações adicionais. Em longo prazo, o fenômeno pode ainda influenciar padrões de circulação atmosférica, chuvas e frequência de eventos extremos, embora esses desdobramentos não tenham sido detalhados no estudo.

Limitações reconhecidas pelos autores

O UVic v.2.9 pertence à categoria de modelos intermediários de complexidade. Ele oferece representação realista de inúmeros processos, porém possui resolução espacial mais baixa que modelos de última geração usados em avaliações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Os autores observam que, mesmo com essa limitação, resultados semelhantes emergiram em simulações independentes, o que reforça a robustez da projeção, mas não elimina a necessidade de testes adicionais.

Recomendações e próximos passos

Uma das orientações centrais é intensificar o monitoramento do Oceano Antártico. Redes de boias, satélites e campanhas oceanográficas podem coletar dados sobre temperatura, salinidade e conteúdo de calor em diferentes profundidades, fornecendo parâmetros para calibrar futuros modelos. Paralelamente, estudos de remoção de carbono devem considerar a possibilidade de um atraso na resposta térmica do planeta, planejando metas de mitigação que levem em conta o papel dos oceanos.

Ao destacar a liberação de calor como fator potencialmente crítico, a pesquisa amplia a compreensão sobre a inércia do sistema climático e sobre a importância de processos de longa escala que ocorrem fora da atmosfera. O reconhecimento de que o resfriamento global pode ser temporariamente contrabalançado por mecanismos naturais oferece subsídios para políticas públicas de adaptação e, principalmente, para o desenho de estratégias de monitoramento contínuo do oceano Austral.

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