Estudo projeta Nordeste quase totalmente árido até 2100 e reforça urgência de políticas hídricas

Um levantamento do Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS), desenvolvido em parceria com a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, projeta um cenário extremo para o Nordeste brasileiro. A análise, apresentada durante a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), indica que quase toda a região pode enfrentar condições áridas ou semiáridas até o fim deste século caso as emissões globais de gases de efeito estufa permaneçam elevadas. Os resultados transformam a zona semiárida, historicamente associada ao sertão, em um vasto território de escassez hídrica, com implicações diretas para a agricultura, a biodiversidade e o bem-estar das comunidades locais.
- Dimensionamento do risco: quem realizou o estudo e como os dados foram avaliados
- Cenários de emissões: intermediário versus alto
- Distribuição regional: avanço acelerado no Ceará
- Impactos projetados sobre agricultura, biodiversidade e comunidades
- Gestão hídrica adaptativa: necessidade de políticas integradas
- A fronteira climática do Brasil e o papel das escolhas humanas
- Conclusões do levantamento: número chave e urgência de ação
Dimensionamento do risco: quem realizou o estudo e como os dados foram avaliados
O trabalho foi conduzido pelo CEPAS, organização voltada à pesquisa de recursos hídricos, com colaboração da Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará. Para estimar a aridização, os pesquisadores recorreram a 19 modelos climáticos globais, comparando projeções de temperatura e precipitação. O critério de classificação das áreas seguiu o método de Thornthwaite, que relaciona calor e disponibilidade de umidade a partir do balanço entre evapotranspiração potencial e chuvas. Dessa forma, foi possível mapear a distribuição atual de zonas úmidas, subúmidas, semiáridas e áridas e, na sequência, simular a migração dessas categorias sob diferentes níveis de aquecimento.
Cenários de emissões: intermediário versus alto
A equipe avaliou dois panoramas climáticos. No cenário intermediário — que pressupõe cortes parciais, porém insuficientes, nas emissões — a área árida no Nordeste pode aumentar dos atuais 3% para 26% até 2100. Paralelamente, a parcela classificada como semiárida saltaria de 43% para quase 60%. Apesar de representar um compromisso parcial de redução de carbono, a configuração ainda amplia significativamente a vulnerabilidade do território.
No cenário de altas emissões, que considera a continuidade de trajetórias intensivas em carbono, a situação torna-se mais grave. As simulações apontam que 56,7% da região se converteriam em área árida, enquanto 42,4% alcançariam condição semiárida. Somados, esses dois índices levariam 99% do Nordeste a níveis críticos de déficit hídrico, evidenciando o impacto direto das decisões humanas sobre a trajetória climática.
Distribuição regional: avanço acelerado no Ceará
Embora a tendência abranja todos os nove estados, o estudo ressalta que o processo de aridização ocorre primeiro no Ceará. Áreas hoje classificadas como subúmidas — a exemplo dos sertões dos Inhamuns, Cariri e médio Jaguaribe — tendem a migrar para o regime semiárido nas próximas duas décadas. Enquanto isso, faixas litorâneas e zonas de maior altitude mantêm-se como refúgios relativamente mais úmidos, ainda que a extensão desses bolsões diminua e se fragmente ao longo do tempo.
A antecipação do quadro no Ceará tem implicações diretas na recarga de rios, açudes e reservatórios, elementos centrais do sistema de abastecimento estadual. Na medida em que as chuvas se tornam mais irregulares e a evaporação se intensifica, a oferta de água para consumo humano, produção agropecuária e manutenção de ecossistemas será pressionada.
Impactos projetados sobre agricultura, biodiversidade e comunidades
A expansão das áreas áridas e semiáridas significa menor disponibilidade de umidade no solo, redução da produtividade agrícola e maior frequência de quebras de safra. O estudo aponta que a biodiversidade regional, adaptada a condições já limitantes, enfrentará estresse adicional, e as comunidades rurais verão sua vulnerabilidade social aumentar. A combinação de menos água e maiores temperaturas compromete culturas de subsistência e agronegócios dependentes de irrigação, ampliando o risco de insegurança alimentar.
Além disso, a diminuição do fluxo de rios compromete o abastecimento de pequenas localidades e centros urbanos que se valem de mananciais superficiais. Sistemas de cisternas instalados em domicílios do semiárido — instrumento indispensável para armazenar água da chuva — tornam-se ainda mais estratégicos. Contudo, os pesquisadores ressaltam que, sem políticas públicas de maior alcance, tais estruturas podem revelar-se insuficientes diante da magnitude das mudanças previstas.
Gestão hídrica adaptativa: necessidade de políticas integradas
Segundo o estudo, a única forma de mitigar o avanço da aridez é combinar ações de adaptação local com reduções globais nas emissões. Entre as medidas apontadas como essenciais estão a gestão flexível dos recursos hídricos e a integração entre conhecimento científico, formulação de políticas e participação comunitária. A abordagem pretende antecipar crises, evitando respostas tardias que sofram com altos custos econômicos e sociais.
Para além do Ceará, a pesquisa recomenda que todos os estados nordestinos revisem seus planos de convivência com a seca, incorporando projeções climáticas atualizadas e instrumentos de monitoramento contínuo. Tecnologias de uso eficiente da água, como sistemas de gotejamento e reúso, aparecem como caminhos para reduzir o consumo em setores-chave, especialmente na agricultura.
A fronteira climática do Brasil e o papel das escolhas humanas
O documento classifica o Nordeste como a “fronteira climática” nacional, pois concentra a transição entre zonas úmidas e regiões em processo de desertificação. Desse modo, o comportamento de emissões de gases de efeito estufa ao longo das próximas décadas será determinante para definir se a fronteira avançará ou recuará. A mensagem central do estudo é que, apesar da tendência severa, as escolhas humanas ainda podem limitar a extensão dos danos, seja por meio de políticas de mitigação, seja pela adoção de estratégias de adaptação antecipatória.
Conclusões do levantamento: número chave e urgência de ação
De forma sintética, o estudo traz três quantificações que resumem a gravidade da situação:
• Atual versus 2100 (cenário intermediário): a fração árida pode subir de 3% para 26% e a semiárida de 43% para quase 60% da área total do Nordeste.
• Pior cenário (altas emissões): 56,7% árido e 42,4% semiárido, cobrindo 99% do território.
• Antecipação no Ceará: zonas hoje subúmidas tornam-se semiáridas ainda nas duas próximas décadas, pressionando ecossistemas, agricultura e comunidades.
A soma dos dados coloca em evidência a urgência de fortalecer políticas públicas voltadas ao uso racional da água, à modernização de práticas agrícolas e ao desenvolvimento de infraestrutura capaz de suportar períodos mais longos de estiagem. Sem ações coordenadas, o Nordeste poderá entrar no próximo século marcado por desertificação generalizada e estresse hídrico permanente.
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