Processo de mumificação natural preservou cascos e pele de Edmontossauros em Wyoming, indica estudo

Quatro fósseis de Edmontossauro encontrados em uma faixa de quase dez quilômetros no leste do estado de Wyoming, nos Estados Unidos, revelam que um raríssimo processo de mumificação natural ocorrida há mais de 66 milhões de anos permitiu a preservação de detalhes de pele, escamas e até cascos desses dinossauros. A conclusão, publicada na revista Science, foi alcançada por uma equipe de paleontólogos após análises tomográficas e microscópicas que indicaram a participação de microrganismos e camadas de argila na formação de um molde externo dos animais.
- Quem: os protagonistas da descoberta
- O que: achados, características e raridade
- Quando e onde: o contexto temporal e geográfico
- Como: a metodologia empregada pelos pesquisadores
- Por quê: o mecanismo de mumificação natural proposto
- Consequências científicas: novos horizontes de pesquisa
- Limitações observadas no estudo
- Perspectiva de novas descobertas na zona de múmias
- Importância para o estudo da fossilização
Quem: os protagonistas da descoberta
Todos os espécimes analisados pertencem à espécie Edmontossauro, um grande herbívoro que viveu no fim do período Cretáceo. Os fósseis foram coletados em momentos históricos diferentes: os dois primeiros, ainda no início do século XX, e os dois últimos, escavados somente depois de mais de uma centena de anos.
Em 1908, durante atividades de campo em Wyoming, o caçador de fósseis Charles H. Sternberg encontrou o primeiro desses esqueletos. O exemplar chamou atenção por exibir um revestimento de pele escamosa, característica incomum em achados de dinossauros da época. O esqueleto acabou incorporado ao acervo do Museu Americano de História Natural. No ano seguinte, um segundo Edmontossauro emergiu da mesma localidade e foi encaminhado a um museu na Alemanha. A região, ainda pouco compreendida naquele momento, recebeu, posteriormente, a alcunha de “zona de múmias”.
Apenas no século XXI uma nova expedição retornou ao local e localizou outros dois indivíduos, completando o conjunto atual de quatro fósseis sob investigação. Todos eles demonstram um padrão de preservação que fornece informações anatômicas impossíveis de obter em ossos isolados, como a presença do primeiro registro de cascos em dinossauros, evidência que expandiu significativamente o conhecimento sobre a anatomia do grupo.
O que: achados, características e raridade
O principal achado reside no nível de integridade. Os fósseis conservam não apenas o arcabouço ósseo, mas também marcas externas de pele, escamas e partes moles que, na maioria dos casos, são perdidas logo após a decomposição. A constatação do estudo descreve a ocorrência de “moldes detalhados” que reproduzem as texturas cutâneas originais, resultado direto do processo de mumificação natural.
Outro ponto de destaque é a preservação dos cascos. Até esse anúncio, não havia registro verificado de cascos de dinossauros inteiros. A descoberta fornece base morfológica para estudos locomotores, oferecendo pistas sobre como esses animais distribuíam peso, caminhavam ou se adaptavam ao terreno alagadiço que caracterizava o vale fluvial costeiro no Cretáceo tardio.
Quando e onde: o contexto temporal e geográfico
A “zona de múmias” corresponde a um trecho de quase dez quilômetros no leste de Wyoming. Durante o final do período Cretáceo, essa área funcionava como um vale fluvial costeiro sujeito a inundações sazonais. As datas exatas de deposição dos fósseis remontam a mais de 66 milhões de anos, posicionando os eventos na fase derradeira dos dinossauros antes da extinção em massa que encerraria o Mesozoico.
O ambiente descrito contrasta com os contextos de preservação geralmente associados a fósseis de partes moles, mais comuns em sedimentos marinhos tranquilos. Ainda assim, as evidências apontam que as condições locais foram suficientes para isolar as carcaças e proteger detalhes delicados.
Como: a metodologia empregada pelos pesquisadores
Para elucidar o mecanismo de conservação, a equipe aplicou tomografias computadorizadas às peças, procedimento que permitiu avaliar o interior dos blocos de rocha sem remanescentes orgânicos. Em seguida, os cientistas coletaram amostras das superfícies externas e as examinaram em microscópios eletrônicos. Esses testes mostraram ausência total de compostos orgânicos preservados, indicando que carne, pele original e cascos se degradaram logo após a morte.
Apesar da perda da matéria orgânica, permaneceu um revestimento mineral que reproduz minuciosamente as formas originais. Essa camada funciona como um negativo geológico da pele e foi fundamental para que detalhes como o padrão das escamas chegassem ao presente.
Por quê: o mecanismo de mumificação natural proposto
Segundo o artigo, a sequência começou com a morte dos animais no vale fluvial. À medida que os corpos secavam, micróbios se proliferaram e formaram um biofilme sobre a pele já ressecada. Esse biofilme concentrou partículas finas de argila, criando uma película delgada que envolveu cada carcaça. Posteriormente, novos episódios de inundação depositaram sedimentos sobre essas barreiras microbianas. Com o soterramento gradual, sucederam-se processos de litificação e mineralização que converteram o molde argiloso em rocha, ao mesmo tempo em que os ossos internos passavam por substituições minerais típicas de fossilização.
A progênese dessa sequência difere das rotas de fosfatação ou pirita que costumam preservar tecidos moles em ambientes marinhos. O achado, portanto, demonstra que, mesmo em um cenário de fluxo fluvial sazonal, é possível formar registros de alta fidelidade anatômica quando biofilmes e argila interagem antes do sepultamento definitivo.
Consequências científicas: novos horizontes de pesquisa
Os fósseis ampliam a compreensão sobre a variedade de rotas químicas e biológicas capazes de gerar múmias fósseis. Ao confirmarem a atuação conjunta de micróbios e argila em um vale de rio inundado, os pesquisadores abrem espaço para reavaliar outros depósitos continentais onde se supunha inviável a preservação de tecidos externos.
Além disso, a documentação dos cascos inaugura uma fonte de dados anatômicos para estudos funcionais nos Edmontossauros especificamente. Detalhes como espessura, disposição de queratina original e interação com o substrato terrestre podem ser inferidos a partir das formas preservadas nos moldes, enriquecendo análises biomecânicas e paleoecológicas.
Limitações observadas no estudo
Os exames indicaram o desaparecimento completo de compostos orgânicos. Portanto, moléculas que pudessem revelar pigmentos de pele, proteínas ou DNA não foram encontradas. Em termos práticos, os pesquisadores ficaram restritos a informações estruturais, sem possibilidade de abordagem molecular.
Outro aspecto limitador é o número reduzido de espécimes. Quatro fósseis, ainda que valiosos, representam uma amostragem pequena para extrapolar padrões generalizados de preservação. A equipe destacou que a própria raridade da zona de múmias impossibilita, no momento, estabelecer quão frequente foi o processo em outros períodos ou localidades.
Perspectiva de novas descobertas na zona de múmias
Embora o artigo não apresente planos de escavações adicionais, a identificação de uma área específica com fósseis nesse grau de conservação sugere potencial para achados futuros. O histórico de descobertas espaçadas — dois fósseis em 1908-1909 e dois apenas um século depois — indica que porções do vale ainda podem conter material não explorado. Dessa forma, a zona de múmias de Wyoming permanece como um ponto estratégico para pesquisas subsequentes.
Até o momento, nenhum outro local continental apresentou combinação semelhante de fatores ambientais, bacterianos e sedimentares capaz de produzir moldes tão detalhados em dinossauros. Esse quadro reforça a unicidade do sítio e justifica atenção continuada de paleontólogos interessados em processos de fossilização fora de ambientes marinhos.
Importância para o estudo da fossilização
O caso dos Edmontossauros mumificados amplia o repertório de situações conhecidas de preservação excepcional. Ao detalhar o papel de micróbios e argila em vale fluvial, o trabalho complementa modelos já descritos em mares calmos ou lagos profundos, onde a ausência de correntes intensas e a rápida deposição de sedimentos favorecem a integridade de partes moles.
A compreensão desses caminhos alternativos permite refinar protocolos de prospecção, pois indica quais traços sedimentares — como camadas de argila finas integradas a biofilmes — podem sinalizar potenciais localidades de fósseis com alto grau de preservação.
Com essa nova peça no quebra-cabeça da paleontologia, o registro fóssil do fim do Cretáceo ganha contornos mais precisos, oferecendo uma janela rara para avaliar características anatômicas que normalmente se perdem nos processos convencionais de degradação.
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