Novo estudo decifra método maia de prever eclipses no Dresden Codex

Novo estudo decifra método maia de prever eclipses no Dresden Codex

Lead — Um dos maiores enigmas da escrita astronômica pré-colombiana acaba de ganhar explicação técnica. Um estudo recém-publicado detalha, pela primeira vez de forma consistente, o procedimento usado pelos especialistas maias para transformar a tabela de 405 meses lunares do Dresden Codex em um calendário confiável de eclipses solares que se estendeu por aproximadamente oito séculos, do ano 350 ao 1150 d.C.

Índice

O manuscrito e seu lugar na tradição maia

Escrito entre os séculos XI e XII, o Dresden Codex é um manuscrito de 78 páginas produzido em papel obtido da casca de árvores. As ilustrações coloridas distribuem-se por temas como ciclos lunares, astrologia, medicina e fenômenos celestes de interesse religioso. Entre as seções, figura uma tabela que organiza 405 meses lunares, equivalentes a 11 960 dias. A presença desse bloco numérico atraiu pesquisadores desde o século XIX, mas o caminho exato para convertê-lo em previsão de eclipses permanecia incerto.

Para a sociedade maia, a observação celeste fazia parte da administração do poder e da manutenção das práticas espirituais. Os ciclos do Sol, da Lua e dos planetas ditavam cerimônias públicas, marcos agrícolas e decisões políticas. Em razão desse contexto, a precisão na leitura do céu era responsabilidade de especialistas conhecidos como daykeepers, figuras que combinavam funções de astrônomo, cronista e sacerdote.

A importância ritual de um eclipse solar

Quando a Lua encobria o Sol, o dia mergulhava em um breve período de escuridão. Esse fenômeno era interpretado como momento de vulnerabilidade cósmica. Fontes históricas indicam que membros da nobreza realizavam rituais de sangue para “fortalecer” o deus solar e garantir a continuidade dos ciclos de destruição e renascimento que estruturavam a cosmologia local. Antecipar o instante exato de um eclipse não só conferia legitimidade ao governante, mas também permitia preparar a logística religiosa e mobilizar a população para eventos considerados essenciais ao destino coletivo.

O problema da contagem contínua

Até recentemente, a hipótese predominante sugeria que a tabela de 405 meses operava como um ciclo fechado: ao atingir o mês 405, a contagem retornaria ao mês 1. Esse modelo, no entanto, esbarrava em dois obstáculos. Primeiro, ele acumulava erros de forma acelerada, deslocando a previsão em relação aos eclipses reais. Segundo, não explicava por que determinados registros inscritos em outras partes do manuscrito pareciam “pular” para posições intermediárias na sequência.

O novo estudo, conduzido pelo linguista John Justeson e pelo arqueólogo Justin Lowry, demonstrou que o pressuposto de uma reinicialização automática distorcia a lógica original da ferramenta. De acordo com os autores, a eficácia da tabela depende de um posicionamento dinâmico no início de cada ciclo.

A mecânica dos meses 358 e 223

A solução proposta é descrita como “surpreendentemente simples” pelos próprios pesquisadores. Ao concluir a série de 405 meses, a contagem não volta ao primeiro mês, e sim ao mês 358 do ciclo recém-encerrado. Esse deslocamento corrige o descompasso causado pela diferença entre os meses lunares inteiros e a duração real do período sinódico da Lua.

Mesmo com esse artifício, pequenas imprecisões se acumulam ao longo dos séculos. Para anulá-las, o sistema prevê uma segunda correção pontual: quando o desvio atinge determinado limiar, a tabela sucessora é iniciada no mês 223, e não no 358. Ao alternar esses dois pontos de partida, o calendário maia mantém-se alinhado aos fenômenos observáveis sem interromper a sequência numérica do códice.

Validação por dados astronômicos modernos

Para testar a proposta, Justeson e Lowry compararam as datas obtidas pela leitura revista do Dresden Codex com projeções de softwares astronômicos contemporâneos. Três resultados se destacaram:

• Cobertura de 800 anos: todos os eclipses solares visíveis nas regiões maias entre 350 e 1150 d.C. foram previstos pelo sistema descrito no códice.
• Erro inferior a 2 h 20 min: a maioria das previsões apresentou diferença máxima de duas horas e vinte minutos em relação à hora calculada pela astronomia atual.
• Estabilidade de longo prazo: em janelas de 134 anos, o desvio não ultrapassou 51 minutos, garantindo funcionalidade praticamente indefinida quando se aplicam os reajustes nos meses 358 ou 223.

Esses resultados revelam um grau de precisão que só seria igualado em modelos ocidentais elaborados muitos séculos depois, reforçando o lugar singular da matemática maia na história do conhecimento científico.

Implicações para a compreensão dos daykeepers

A metodologia evidenciada pelo estudo lança luz sobre o trabalho dos guardiões do tempo. Para manejar a tabela, esses especialistas precisavam registrar cada lunação, identificar a fase de interseção orbital capaz de gerar um eclipse e aplicar, no momento exato, o deslocamento de início no mês 358 ou 223. Tal processo exigia disciplina documental e domínio de aritmética modular, indicando uma infraestrutura sociopolítica que valorizava a continuidade de registros por gerações.

O vínculo entre matemática, cerimônia e autoridade política emerge com clareza. Governantes dependiam da expertise dos daykeepers para legitimar decisões públicas. Em contrapartida, o êxito das previsões fortalecia a imagem de um poder capaz de dialogar com as forças cósmicas, estabelecendo um ciclo de reforço entre conhecimento astronômico e controle social.

Comparação com o legado intelectual posterior

O estudo destaca que, embora a civilização maia tenha florescido em condições tecnológicas distintas das do Renascimento europeu, sua abordagem matemática para eclipses produziu resultados comparáveis a modelos desenvolvidos séculos depois no Ocidente. Essa constatação contribui para redimensionar o papel das sociedades americanas pré-colombianas na história global da ciência.

Limites e próximos passos sugeridos

Os autores observam que a análise se restringe ao conteúdo preservado no Dresden Codex. Outros manuscritos maias, perdidos ou ainda não decifrados, podem conter variações do mesmo algoritmo ou sistemas dedicados a diferentes fenômenos celestes. O método apresentado, porém, oferece um quadro de referência para examinar novas descobertas à luz de procedimentos já identificados.

Relevância para a arqueologia e para a história da ciência

A publicação na revista Science Advances amplia o diálogo entre disciplinas como linguística, arqueoastronomia e história cultural. Ao harmonizar dados textuais, observação empírica e modelagem matemática, o trabalho demonstra como a estrutura cognitiva de uma sociedade pode ser reconstruída a partir de vestígios materiais aparentemente fragmentários. Também reforça a necessidade de proteger os poucos códices remanescentes, cuja conservação oferece acesso direto a uma tradição intelectual que atravessou mudanças climáticas, conflitos e a própria colonização europeia.

Últimas observações factuais

Com a identificação dos ajustes nos meses 358 e 223, o enigma em torno da tabela de eclipses do Dresden Codex ganha explicação plausível e tecnicamente validada. O sistema:

foi usado para apontar eclipses solares visíveis em território maia por cerca de 800 anos;
manteve erro máximo de duas horas e vinte minutos na maior parte dos eventos previstos;
preservou desvios inferiores a 51 minutos em intervalos de 134 anos;
permaneceu operacional de forma indefinida, graças às correções periódicas na posição de início da tabela.

Esses dados consolidam a reputação da astronomia maia e revelam o cruzamento entre observação do céu, necessidade ritual e organização administrativa que caracterizou uma das civilizações mais estudadas das Américas.

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