Matéria escura: formas alongadas de galáxias jovens observadas pelo James Webb apontam nova pista decisiva

Matéria escura continua sendo um dos maiores enigmas da cosmologia, mas um estudo de pesquisadores da Universidade Estadual do Arizona e do Centro Internacional de Física de Donostia indica que as galáxias jovens de formato inesperadamente alongado, registradas pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), podem oferecer a chave para identificar a partícula responsável por cerca de 85 % de toda a matéria do Universo.
- A relevância da matéria escura para a estrutura do cosmos
- Galáxias alongadas captadas pelo James Webb intrigam a comunidade
- Por que o modelo de matéria escura fria não explica as novas formas
- Axions ultraleves: matéria escura ondulatória em ação
- Neutrinos estéreis: o panorama de matéria escura quente
- Filamentos suaves e o processo de formação de galáxias primitivas
- Próximas etapas e a expectativa por novos dados do James Webb
A relevância da matéria escura para a estrutura do cosmos
A existência da matéria escura foi inferida a partir de sua influência gravitacional em estrelas, galáxias e aglomerados. Embora invisível, essa componente constitui aproximadamente 27 % de toda a composição do Universo, enquanto a matéria comum — formada por prótons, nêutrons e elétrons — responde por apenas cerca de 5 %. O restante está associado à energia escura. Por não interagir de maneira detectável com a luz, a matéria escura escapa a observação direta; ainda assim, sua força gravitacional governa a formação de grandes estruturas cósmicas.
No modelo cosmológico mais aceito, denominado Lambda Matéria Escura Fria (ΛCDM), presume-se que suas partículas se movam lentamente — “frias” no sentido de velocidade, não de temperatura — favorecendo o acúmulo de matéria em halos esféricos. Desse cenário resulta um quadro em que galáxias surgem predominantemente arredondadas, como as vistas no Universo local.
Galáxias alongadas captadas pelo James Webb intrigam a comunidade
Desde o início das operações científicas em 2022, o JWST tem alcançado profundidades inéditas, observando galáxias que existiam quando o Universo tinha poucas centenas de milhões de anos. Entre esses objetos primordiais, o instrumento vem detectando um número significativo de sistemas filamentosos e estreitos, cujo formato alongado contraria as previsões derivadas do modelo ΛCDM.
A equipe liderada por Rogier Windhorst concentrou-se justamente nessa discrepância. Se as galáxias mais antigas se organizam em linhas finas e compridas em vez de estruturas quase esféricas, as suposições sobre a natureza da matéria escura precisam ser reavaliadas. O grupo enxergou no formato dessas galáxias um “fóssil cósmico”, capaz de preservar informações sobre o tipo de partícula presente nas eras iniciais.
Por que o modelo de matéria escura fria não explica as novas formas
Simulações baseadas no paradigma matéria escura fria produzem halos densos e compactos que servem de molde para galáxias redondas. Quando o JWST revela morfologias diferentes, cresce a pressão para buscar alternativas. A razão está nos processos físicos implicados: partículas frias propiciam o colapso gravitacional em escalas pequenas, gerando estruturas mais nodosas; partículas mais leves ou mais rápidas tendem a suavizar essas irregularidades, dando origem a filamentos.
O estudo publicado na Nature Astronomy comparou imagens reais do telescópio — dada a qualidade do instrumento, apto a captar luz emitida há mais de 13 bilhões de anos — com resultados computacionais do modelo padrão. A disparidade entre as galáxias alongadas observadas e as formas previstas por ΛCDM motivou a exploração de dois cenários alternativos: um de matéria escura ondulatória composta por axions ultraleves e outro de matéria escura quente associada a neutrinos estéreis.
Axions ultraleves: matéria escura ondulatória em ação
No primeiro cenário, a matéria escura seria formada por axions ultraleves, partículas hipotéticas com massa tão pequena que seus efeitos quânticos se manifestam em escalas astronômicas. O comportamento ondulatório impediria a formação de aglomerados inferiores a alguns anos-luz durante certo período. Como resultado, o material visível se distribuiria ao longo de filamentos suaves, condição que favorece o aparecimento de galáxias finas e compridas, exatamente o tipo de objeto que o James Webb vem registrando.
Segundo as simulações analisadas, a presença dos axions cria uma teia cósmica menos rugosa, reduzindo a concentração em pontos centrais e permitindo que gás e estrelas se acumulem de maneira alongada. A modelagem mostrou que tal configuração reproduz de forma convincente a população de galáxias primitivas observada.
Neutrinos estéreis: o panorama de matéria escura quente
O segundo caminho investigado recorre a neutrinos estéreis, candidatos a matéria escura quente. Essas partículas, por se moverem mais rapidamente, “apagam” irregularidades em pequena escala enquanto o Universo ainda é jovem. O efeito prático no crescimento das galáxias se assemelha ao mecanismo produzido pelos axions ultraleves: filamentos mais lisos e extensos ao longo dos quais a matéria bariônica flui com menor turbulência.
A convergência dos dois modelos em formas galácticas semelhantes sugere que as observações do JWST podem discriminar entre matéria escura fria e alternativas quentes ou ondulatórias, ainda que não resolvam de imediato qual das partículas é a verdadeira protagonista. Ambos os candidatos, contudo, divergem substancialmente da estrutura prevista por ΛCDM, fortalecendo a hipótese de que a componente invisível do cosmos possua propriedades diferentes das consideradas há décadas.
Filamentos suaves e o processo de formação de galáxias primitivas
Em qualquer dos cenários alternativos, o ponto central é a existência de filamentos pouco densos que servem de trilhas para o gás interestelar. À medida que o material flui por essas vias, ocorrem episódios de formação estelar distribuídos ao longo de compridas “espinhas dorsais”. O produto visível é um sistema galáctico alongado que permanece coeso pela gravidade coletiva da matéria escura.
Esse mecanismo contrasta com o quadro esférico clássico, no qual o gás cai radialmente em halos densos, fomentando bulbos centrais robustos. A diferença morfológica, agora detectável, amplia a importância de instrumentos como o JWST, que oferecem resolução e sensibilidade suficientes para distinguir entre esses regimes de formação.
Próximas etapas e a expectativa por novos dados do James Webb
Embora o estudo já indique preferências, a confirmação exigirá amostras maiores de galáxias em diferentes estágios de evolução e desvios para o vermelho variados. O Telescópio Espacial James Webb prossegue na coleta de espectros e imagens de sistemas cada vez mais antigos, recurso que permitirá testar a persistência das formas filamentosas em escalas temporais distintas.
À medida que as observações se acumulam, simulações adicionais poderão refinar a massa dos axions ultraleves ou a velocidade típica dos neutrinos estéreis necessária para replicar a distribuição encontrada. Caso o padrão alongado se comprove em faixas temporais muito precoces, a hipótese de matéria escura fria enfrentará crescentes dificuldades, direcionando o foco para partículas com dinâmicas quânticas ou térmicas diferenciadas.
A equipe internacional responsável pela pesquisa planeja confrontar os resultados atuais com novos levantamentos previstos para os próximos ciclos de observação do JWST, reforçando a meta de determinar qual modelo reproduz com maior precisão a morfologia das galáxias que surgiram nos primeiros 320 milhões de anos de história cósmica.

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