Entre 2014 e 2016, uma anómala massa de água quente conhecida como Blob propagou-se pelo norte do Pacífico e provocou a morte de cerca de quatro milhões de airos-comuns (Uria aalge) no Alasca, segundo um estudo publicado em 2024 na revista Science. O fenómeno, descrito pelos investigadores como a maior mortandade de aves marinhas registada na região, eliminou aproximadamente metade da população local da espécie e comprometeu a sua capacidade de recuperação até aos dias de hoje.
Fenómeno ‘Blob’ aquece o Pacífico Norte
O Blob formou-se em finais de 2014 como uma vasta zona de águas superficiais até 3 °C mais quentes do que o normal. A mancha estendeu-se do Mar de Bering ao Golfo do Alasca durante dois anos, alterando todo o ecossistema marinho. Peixes, crustáceos e outros organismos que servem de alimento às aves viram a disponibilidade de nutrientes reduzida, factor que desencadeou uma cadeia de escassez alimentar em várias espécies.
As temperaturas elevadas também modificaram correntes, estratificaram a coluna de água e dificultaram a ressurgência de águas frias e ricas em oxigénio. Este conjunto de alterações diminuiu a produtividade do plâncton e, por consequência, afectou peixes forrageiros essenciais para os airos-comuns.
Colónias de airos-comuns colapsam por fome
Sem alimento suficiente, os airos-comuns começaram a mostrar sinais de emagrecimento extremo logo em 2015. Milhares de carcaças surgiram em praias dispersas por todo o litoral do Alasca, indício de um evento de mortalidade em grande escala. As aves que sobreviveram chegaram às zonas de nidificação demasiado debilitadas para recolher peixe ou sequer pôr ovos, levando ao fracasso reprodutivo de colónias inteiras.
Os autores do estudo estimam que cerca de 50 % da população de airos-comuns do Alasca morreu de fome durante o período do Blob. Para contextualizar, o número é quinze vezes superior ao total de aves marinhas perdidas no desastre petrolífero do Exxon Valdez, ocorrido em 1989 e até então considerado um dos piores episódios de mortalidade na região.
Recuperação lenta preocupa cientistas
Equipa de biólogos que monitoriza colónias de airos-comuns no Refúgio Nacional de Vida Selvagem Marítima do Alasca verificou, em 2023, que a densidade de aves adultas e o sucesso de postura permaneciam muito abaixo dos níveis pré-2014. Segundo os investigadores, o impacto prolongado explica-se pela combinação de perda massiva de adultos reprodutores e pela exaustão das reservas de alimento, fatores que dificultam o retorno aos locais de nidificação nos anos seguintes.
Os cientistas alertam que eventos de aquecimento marinho extremos podem tornar-se mais frequentes com as alterações climáticas globais, aumentando o risco para espécies dependentes de cadeias tróficas frias e altamente produtivas. Embora as condições oceânicas tenham regressado a valores próximos do normal após 2016, as populações de presas dos airos-comuns demoram a reconstituir-se, prolongando as dificuldades de alimentação.
Estudo aponta lições para a conservação
O artigo publicado na Science sublinha a necessidade de monitorização contínua de temperatura, produtividade e abundância de presas nas zonas de reprodução das aves marinhas. Os autores defendem ainda a criação de planos de resposta rápida para proteger espécies vulneráveis sempre que forem detetadas anomalias térmicas com potencial destrutivo.
Para os airos-comuns, a prioridade passa por avaliar anualmente o número de casais reprodutores e identificar áreas onde a recuperação seja mais lenta, de modo a orientar eventuais medidas de gestão pesqueira ou restrições temporárias a determinadas atividades humanas. Sem intervenções dirigidas, o receio é que novas vagas de calor oceânico impeçam a espécie de recuperar a sua distribuição histórica ao longo da costa do Pacífico Norte.
A investigação realça, por fim, que a escala do evento demonstra quão rapidamente os ecossistemas podem colapsar quando fatores climáticos alteram a disponibilidade de alimento. Os autores consideram que o Blob serve como sinal de alerta para impactos futuros, caso o aquecimento global continue a intensificar-se.

Imagem: Robin Corcoran via olhardigital.com.br