Macron reconhece repressão colonial francesa nos Camarões, mas evita pedir desculpa

Paris, Yaoundé — O Presidente francês, Emmanuel Macron, admitiu pela primeira vez a responsabilidade de França na violência exercida pelos seus militares e pela administração colonial nos Camarões durante o processo de independência, entre 1945 e 1971. A posição foi formalizada numa carta enviada ao homólogo camaronês, Paul Biya, divulgada esta terça-feira.

Relatório conjunto detalha violência

A declaração de Macron baseia-se num relatório elaborado por um grupo de historiadores dos dois países, criado em 2022 na sequência da visita do chefe de Estado francês a Yaoundé. O documento conclui que «uma guerra teve lugar nos Camarões», durante a qual as autoridades coloniais e o exército francês recorreram a «violência repressiva de vários tipos» em diferentes regiões.

Entre as conclusões, os investigadores indicam que dezenas de milhares de pessoas morreram entre 1956 e 1961. O texto acrescenta que centenas de milhares de camaronenses foram conduzidos para campos de internamento e que milícias locais, apoiadas por França, atuaram no terreno para sufocar a revolta independentista.

O relatório destaca ainda a morte de quatro figuras proeminentes do movimento de independência, incluindo Ruben Um Nyobé, líder da União das Populações dos Camarões (UPC), abatido durante uma operação militar francesa. Estas mortes são apresentadas como parte de uma estratégia mais ampla de «eliminação física» das lideranças nacionalistas.

Abertura sem pedido de desculpa

Na carta, Macron afirma que lhe cabe «assumir o papel e a responsabilidade de França» pelos acontecimentos. Apesar disso, o Presidente deteve-se antes de proferir um pedido formal de desculpas ou de mencionar eventuais indemnizações, aspeto que tem gerado debate no país africano.

O historiador camaronês Willibroad Dze-Ngwa, membro da comissão, sublinhou que o mandato dos peritos se limitou a «estabelecer factos e números» a partir dos arquivos disponíveis, sem formular recomendações sobre reparações. Segundo o académico, questões como compensações ou pedidos de perdão caberão aos responsáveis políticos.

Reações e próximos passos

As primeiras reações em Yaoundé mostram-se divididas. Para alguns cidadãos, o reconhecimento oficial constitui um passo importante, mas insuficiente. «França causou demasiados danos aos camaronenses; admitir não chega», afirmou o estudante Charles Wamalamou, de 25 anos. Já o professor Tsoye Bruno, de 54, considerou «positivo» o gesto, lamentando, contudo, a ausência de um pedido de desculpas.

Macron manifestou disponibilidade para apoiar novas investigações sobre o passado colonial e para facilitar o acesso dos resultados a universidades e centros de investigação de ambos os países. A proposta inclui a digitalização de arquivos e a criação de programas académicos conjuntos.

Contexto de reconciliação colonial

O posicionamento de Paris nos Camarões insere-se numa linha de iniciativas recentes destinadas a enfrentar o legado colonial francês. Em 2023, o Eliseu reconheceu o massacre de Thiaroye, no Senegal, perpetrado por tropas francesas em 1944 contra soldados africanos demobilizados. Dois anos antes, Macron aceitara que França negligenciou os alertas que antecederam o genocídio do Ruanda em 1994, pedindo perdão pela omissão.

Em relação à Argélia, Macron qualificou em 2017 a colonização como «crime contra a humanidade», embora tenha rejeitado pedidos formais de desculpa. Esta estratégia de «actos simbólicos» sem confissão plena tem sido recebida de forma mista nos antigos territórios coloniais, num momento em que países como Mali, Burkina Faso e Níger cortaram laços militares com Paris, acusando-a de neocolonialismo.

Nos Camarões, espera-se agora que o governo de Paul Biya decida se avança com exigências formais, nomeadamente sobre possível compensação às vítimas ou aos seus descendentes. Para já, a revelação do relatório e o reconhecimento de Macron abrem uma nova etapa na discussão sobre a memória colonial franco-camaronense.

Macron reconhece repressão colonial francesa nos Camarões, mas evita pedir desculpa - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Posts Similares

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.