Duas das cinco luas de Plutão apresentam características que apontam para uma origem inesperada: pedaços da maior companheira do planeta anão, Caronte. A conclusão parte de uma investigação apoiada por medições do Telescópio Espacial James Webb (JWST), detalhada numa conferência realizada em Maryland, Estados Unidos.
Indícios obtidos com o James Webb
Os investigadores analisaram a luz reflectida por diversos corpos trans-neptunianos e compararam os resultados com os registos da sonda New Horizons, que sobrevoou Plutão em 2015. Nix e Hidra não se encaixaram nos padrões espectrais comuns do Cinturão de Kuiper, mostrando maior semelhança com o material interno de Caronte. Esta discrepância reforça a hipótese de que as duas pequenas luas se formaram a partir de detritos ejectados da maior após um impacto antigo.
Segundo Brian Holler, do Instituto de Ciências do Telescópio Espacial, as medições revelaram superfícies enriquecidas com compostos avermelhados ricos em carbono — assinatura pouco frequente noutros objectos da mesma região. O especialista sustenta que esta composição distingue Nix e Hidra dos restantes corpos de tamanho semelhante e sugere uma ligação directa ao interior primordial de Caronte.
Colisão ancestral moldou o sistema
Os modelos actualmente mais aceites indicam que o sistema Plutão-Caronte nasceu de uma colisão violenta entre dois grandes objectos gelados. O choque terá criado um par binário apertado e libertado um disco de fragmentos que mais tarde se agregou em quatro satélites menores: Nix, Hidra, Cérbero e Estige. Simulações anteriores — conhecidas como “modelo do beijo e captura” — já apontavam nesse sentido. As novas observações do JWST oferecem agora dados empíricos que sustentam o cenário.
Os cientistas calculam que o material projectado abrangeu partes do manto e da crosta de Caronte. Ao arrefecer e coalescer, originou os pequenos satélites hoje observados. A composição incomum de Nix e Hidra, alinhada com esta porção interior, funciona como “impressão digital” do processo.
Luas funcionam como cápsulas do tempo
Por terem dimensões reduzidas, Nix e Hidra não exibem actividade geológica significativa. A ausência de vulcanismo, tectónica de placas ou aquecimento interno faz delas registos praticamente intactos de um passado com mais de quatro mil milhões de anos. As únicas alterações provêm de micrometeoritos e da radiação espacial, factores que não modificam substancialmente a composição global.
Os impactos actuais apresentam, contudo, um papel adicional: quando pequenos meteoritos atingem Nix e Hidra, parte do material ejectado escapa à fraca gravidade local e pode ser capturado novamente por Caronte. Este processo lento deposita uma fina camada de poeira sobre a superfície da lua maior, recriando fragmentos do manto perdido no impacto inicial e explicando padrões geológicos que intrigavam os investigadores.
Próximos passos da investigação
A equipa planeia recorrer a observações espectroscópicas detalhadas com o JWST para identificar moléculas específicas, como a amónia. Esta substância é rapidamente destruída pela radiação, mas a sua eventual presença nas superfícies de Nix e Hidra apontaria para mecanismos de reposição desconhecidos ou para reservas internas ainda preservadas. Confirmar esses elementos ajudará a refinar modelos sobre a formação de satélites no Cinturão de Kuiper.
Os dados recolhidos contribuirão também para avaliar se outros sistemas da região passaram por colisões semelhantes. Padrões equivalentes em composições ou dinâmicas orbitais poderão fornecer pistas sobre a evolução global dos corpos que orbitam além de Neptuno.
Impacto para a compreensão do Sistema Solar exterior
A genese partilhada por Nix, Hidra e Caronte fornece um laboratório natural para estudar processos de agregação pós-colisão numa zona onde a luz solar é fraca e as temperaturas permanecem extremamente baixas. Identificar satélites formados a partir de discos de detritos noutros sistemas ajudará a testar teorias sobre a distribuição de gelo, rocha e compostos orgânicos nos primórdios do Sistema Solar.
Com estas novas pistas, a missão New Horizons ganha uma segunda vida. Os registos de 2015, combinados com a capacidade infravermelha do JWST, permitem preencher lacunas entre observações visíveis e infravermelhas, oferecendo uma visão mais completa da composição e história das pequenas luas plutonianas.
As conclusões agora divulgadas reforçam a impressão de que o par Plutão-Caronte não é uma excepção, mas possivelmente um exemplo de um processo mais comum na orla do Sistema Solar. Futuras medições poderão revelar quantos outros satélites guardam, sob a sua superfície gelada, as memórias de colisões que moldaram a arquitectura planetária há biliões de anos.