Polícia de São Paulo apreende ‘iPhone 38’, celular disfarçado que se converte em pistola calibre .380

Durante um patrulhamento de rotina em Roseira, interior de São Paulo, policiais militares apreenderam um dispositivo que aparentava ser um smartphone, mas que, após a desmontagem, revelou-se uma arma de fogo capaz de disparar munição calibre .380.
- Abordagem no bairro de Barretinho
- Como o ‘iPhone 38’ se transforma em arma
- Prisão em flagrante e encaminhamento
- Hipóteses para a procedência do dispositivo
- Ghost guns: características e impacto
- Precedentes de armas disfarçadas de telefone
- Desafios para a investigação e para a segurança pública
- Consequências legais para o portador
- Panorama atual e próximos passos da investigação
Abordagem no bairro de Barretinho
A descoberta ocorreu na noite de 23 de outubro de 2025, no bairro Barretinho. Na ocasião, a equipe de serviço abordou um veículo ocupado por cinco pessoas. Entre elas estava um jovem de 18 anos que, ao exibir o objeto semelhante a um telefone, chamou a atenção dos agentes. O aspecto incomum do suposto celular — descrito como sujo e coberto por adesivos — motivou a inspeção detalhada.
De acordo com o relato da corporação, o patrulhamento tinha caráter preventivo. A escolha de vistoriar o automóvel surgiu de indícios de comportamento suspeito dos ocupantes, procedimento típico em fiscalizações de rotina. A partir desse ponto, os policiais constataram que o “aparelho” ultrapassava a categoria de mero eletrônico improvisado, configurando risco concreto à segurança pública.
Como o ‘iPhone 38’ se transforma em arma
O objeto, informalmente apelidado de “iPhone 38”, divide-se em duas estruturas principais. A parte que se assemelha ao corpo de um smartphone converte-se em empunhadura, enquanto a seção destacável funciona como um compartimento para munição. No interior, há espaço para dois cartuchos de calibre .380, variante de 9 mm regularmente associada a pistolas semiautomáticas compactas.
Apesar da aparência rudimentar, a construção sugere o uso de polímero de maior resistência térmica e mecânica. Plásticos convencionais como ABS ou PVC não suportariam a pressão gerada pela combustão da pólvora, fator que levaria ao rompimento do material e possivelmente causaria ferimentos ao atirador. A adoção de polímeros reforçados costuma ser observada em peças de armamento leve, justamente para manter integridade estrutural sem adicionar peso excessivo.
As imagens produzidas pela tropa tática indicam que, depois de encaixadas as munições, basta recolocar as duas metades para que o mecanismo esteja apto ao disparo. Não foi divulgada a existência de trava de segurança nem detalhes do sistema de percussão, mas a simples possibilidade de ocultação já amplia o potencial de uso em ações ilícitas.
Prisão em flagrante e encaminhamento
O jovem que portava o dispositivo recebeu voz de prisão em flagrante. Após a apreensão, foi conduzido à Delegacia de Guaratinguetá, responsável pelo registro da ocorrência e pelos procedimentos de custódia. A unidade abriu inquérito para apurar violação ao Estatuto do Desarmamento, que proíbe a posse ou porte de arma de fogo sem autorização. Até o momento, não há divulgação de fiança ou eventual soltura.
Além da autuação criminal, a polícia iniciou diligências para identificar a origem do armamento. A ausência de marcações de fábrica, número de série ou qualquer inscrição visível reforça a dificuldade de rastreamento, característica marcante de artefatos conhecidos como ghost guns.
Hipóteses para a procedência do dispositivo
Investigadores não descartam duas vias prováveis para o surgimento do “iPhone 38” em solo paulista. A primeira envolve a aquisição em mercados clandestinos da chamada Dark Web, espaço virtual onde vendedores anônimos oferecem armas, drogas e documentos falsificados. A segunda possibilidade é a montagem artesanal, prática na qual entusiastas obtêm componentes avulsos ou produzem peças em impressoras 3D, resultando em armamentos sem registro governamental.
Nenhuma das suposições foi confirmada oficialmente. Ambas, no entanto, alinham-se ao perfil das ghost guns: equipamentos de fogo fabricados fora do circuito industrial regulamentado, comercializados em kits ou impressos camada a camada, escapando das bases de dados policiais e dificultando a responsabilização de fabricantes e compradores.
Ghost guns: características e impacto
Armas classificadas como “fantasmas” não exibem numeração convencional e costumam chegar ao consumidor final em etapas. Em muitos casos, apenas a parte fundamental do armamento — chamada de lower receiver no vocabulário técnico — recebe acabamento caseiro, o que impede o rastreio pelas autoridades. Quando impressas em 3D, as peças seguem arquivos digitais distribuídos na internet, agilizando processos que antes dependiam de ferramentarias especializadas.
A ausência de fiscalização direta se reflete em estatísticas preocupantes. Dados da organização não governamental The National Police Foundation, por exemplo, apontam crescimento superior a 160% na apreensão de ghost guns entre 2019 e 2020 em Filadélfia e San Diego, duas grandes cidades norte-americanas. O volume indica expansão rápida do fenômeno e traz sinais de alerta para corporações ao redor do mundo.
Embora o estudo cite localidades dos Estados Unidos, a lógica se estende a outras regiões: sem cadeia produtiva legal e sem registros, o armamento circula em grupos criminosos que buscam meios discretos de operação. O caso de Roseira ilustra como tecnologias de disfarce — no formato de um suposto smartphone — podem dificultar detecção visual e favorecer o transporte em espaços públicos.
Precedentes de armas disfarçadas de telefone
A combinação de formato de celular com função de pistola não surgiu neste episódio. Em 2017, autoridades belgas alertaram para a entrada na Europa de um produto denominado iPhone Gun, fabricado pela empresa norte-americana Gun Runner Distributing. Na época, o item era comercializado por cerca de 400 dólares, quantia que equivalia a aproximadamente 2 mil e 100 reais na conversão direta daquele período. O anúncio europeu evidenciou que o design camuflado já era explorado comercialmente, ainda que em pequena escala.
Casos semelhantes, ao ganharem notoriedade, impulsionam debates sobre lacunas regulatórias. A linha tênue entre gadgets inofensivos e armas letais pressiona legisladores a rever critérios que definem, por exemplo, o transporte de eletrônicos em aeronaves e locais de grande circulação. Mesmo sem lei específica sobre armamento disfarçado de aparelho móvel no Brasil, a tipificação geral de porte ilegal já abrange o delito constatado em Roseira.
Desafios para a investigação e para a segurança pública
Sem informações concretas sobre fornecedores ou rotas de entrada, as forças de segurança dependem de perícia balística para determinar se a arma foi confeccionada com resíduos de armas existentes ou se partiu de projeto completamente novo. A análise do material — possivelmente polímero — pode indicar padrões de impressão 3D ou moldagem por injeção, fornecendo pistas sobre equipamentos utilizados na produção.
Outra etapa crucial é o cruzamento de dados sobre apreensões semelhantes. Caso outras unidades encontrem armas de aparência idêntica, surgirá indício de cadeia de distribuição maior. Do contrário, a peça poderá ser classificada como produção isolada, fruto de laboratório clandestino de pequeno porte. Em ambos os cenários, a falta de origem oficial amplia a carga de trabalho pericial e processual.
Consequências legais para o portador
O indivíduo detido responde a inquérito por porte ilegal de arma de fogo, crime que, conforme legislação brasileira, prevê pena de reclusão e multa. A qualificadora de utilização de arma de fabricação ou numeração suprimida pode agravar a sanção. Como se trata de flagrante, a apresentação do caso ao Ministério Público ocorre sem demora, e o processo avança com base nos laudos técnicos emitidos pela Polícia Científica.
A eventual comprovação de que o suspeito participou da montagem ou do tráfico de armas amplia o rol de delitos aplicáveis. Ainda assim, até o momento, o foco das autoridades está em esclarecer a trajetória do “iPhone 38” até o interior paulista, peça chave para mapear possíveis fornecedores de ghost guns no país.
Panorama atual e próximos passos da investigação
A apreensão em Roseira soma-se a registros isolados de armamentos disfarçados, mostrando que a criatividade na ocultação de armas acompanha a evolução tecnológica. A Polícia Militar de São Paulo, em conjunto com equipes de investigação da Polícia Civil, reúne indícios para alimentar bancos de dados estaduais e federais. No plano tático, a corporação reforça orientações sobre reconhecimento de objetos suspeitos durante abordagens ostensivas.
Enquanto isso, especialistas alertam que a popularização de impressoras 3D acessíveis e o compartilhamento de arquivos digitais em fóruns clandestinos tendem a aumentar a incidência de dispositivos não convencionais. Em resposta, iniciativas de cooperação internacional buscam padronizar métodos de rastreio e aperfeiçoar legislações que abarquem armamentos desprovidos de marca oficial.
Com o suspeito já à disposição da Justiça e o objeto submetido a perícia, a investigação paulista concentra-se em traçar o percurso da arma e verificar ligações com outros crimes. A singularidade do formato — combinando a estética de um smartphone à funcionalidade de uma pistola calibre .380 — ressalta a necessidade de vigilância constante sobre novas formas de engenharia voltadas ao mercado ilegal.
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