Investigação revela dispositivos solares usados para evangelizar povo Korubo
Uma investigação conjunta do The Guardian e do jornal O Globo trouxe a público a utilização de aparelhos de áudio alimentados por energia solar para difundir mensagens bíblicas junto ao povo Korubo, um grupo indígena isolado que vive no Vale do Javari, na Amazónia, junto à fronteira entre o Brasil e o Peru.
Equipamento baptista chega a território restrito
O dispositivo em causa, designado Messenger, é produzido pela organização baptista norte-americana In Touch Ministries, sediada em Atlanta. Com o tamanho aproximado de um telemóvel, o aparelho combina painel solar, lanterna e altifalante, permitindo a reprodução de passagens da Bíblia e palestras de um pastor dos Estados Unidos sem necessidade de ligação à rede eléctrica ou à internet.
Testemunhos recolhidos na comunidade indicam a presença de pelo menos sete unidades dentro da terra indígena, embora os investigadores tenham localizado apenas um exemplar, actualmente na posse da matriarca Korubo, Mayá. De acordo com Seth Grey, porta-voz da In Touch Ministries, cada unidade suporta audições colectivas de até 20 pessoas e tem «alta durabilidade». A mesma fonte confirmou a entrega de 48 dispositivos ao povo Wai Wai, igualmente na Amazónia, há quatro anos, mas salientou que a organização «não actua em locais onde a lei não permite», reconhecendo que o Messenger «não deveria estar no Vale do Javari». Grey atribuiu a distribuição ilegal a missionários de outras entidades.
Actividade missionária viola restrições impostas desde 1987
O proselitismo religioso no território Korubo está interdito desde 1987 por determinação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), medida que visa proteger comunidades sem contacto regular com o exterior de doenças e influências culturais. A região encontra-se ainda sujeita a normas de acesso controlado, fiscalizadas por equipas de protecção situadas na entrada da reserva.
Segundo o relatório, drones não identificados sobrevoam frequentemente o Vale do Javari ao final da tarde. Agentes destacados no posto de vigilância admitiram ter tentado abater as aeronaves, sem sucesso. A origem dos dispositivos permanece desconhecida, com suspeitas a recair sobre missionários, garimpeiros, pescadores ou traficantes.
Ministério Público Federal acompanha situação
O Ministério Público Federal brasileiro está a monitorizar o caso para salvaguardar os direitos dos povos isolados. A presença de missionários na área, aliada ao uso de tecnologias portáteis e drones, é vista com preocupação pelas autoridades, que alertam para o risco de propagação de doenças e para possíveis violações da autonomia cultural das comunidades.
Antes da pandemia, o Vale do Javari já registava tentativas de entrada de missionários brasileiros e norte-americanos. A divulgação das novas práticas renova o debate sobre a eficácia da fiscalização e sobre a necessidade de reforçar a protecção dos territórios indígenas da Amazónia.

Imagem: missionários para evangelizar indígena via tecmundo.com.br