Inteligência artificial e supercomputação impulsionam projeto brasileiro para descobrir novos antibióticos contra superbactérias

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Um grupo de pesquisadores brasileiros inicia, em dezembro de 2025, um projeto internacional que utilizará inteligência artificial e o supercomputador Santos Dumont para desenvolver antibióticos de nova geração direcionados à Klebsiella pneumoniae, bactéria classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como patógeno de prioridade crítica devido à crescente resistência a todos os antimicrobianos disponíveis.
- A crise mundial da resistência antimicrobiana
- A iniciativa Global Grand Challenges Gr-ADI
- Equipe brasileira e instituições envolvidas
- Quatro fases estruturadas para descoberta de fármacos
- Uso estratégico de inteligência artificial
- Supercomputador Santos Dumont na análise de dados
- Foco na Klebsiella pneumoniae
- Potencial impacto e papel do Brasil
- Próximos passos até o início das atividades
- Desafios previstos
- Visão de longo prazo
A crise mundial da resistência antimicrobiana
Superbactérias, definidas como organismos que adquiriram resistência aos fármacos existentes, já respondem por uma crise sanitária de escala global. Estimativas reunidas pelos pesquisadores indicam que aproximadamente 4,95 milhões de mortes, em todo o mundo, estão associadas a infecções causadas por microrganismos resistentes. Projeções para as próximas décadas apontam agravamento consistente do cenário, com número de óbitos podendo ultrapassar 8 milhões em 2050.
No centro dessa preocupação, cepas de Klebsiella pneumoniae merecem destaque especial. A OMS alerta que tais bactérias tornaram-se tolerantes a todos os antimicrobianos utilizados clinicamente, o que compromete o tratamento de pneumonias, infecções de corrente sanguínea, infecções urinárias e abscessos hepáticos. Diante da ameaça, a entidade recomenda a priorização de investimentos em pesquisa para novos fármacos, vacinas, métodos diagnósticos e outras estratégias terapêuticas.
A iniciativa Global Grand Challenges Gr-ADI
Em resposta direta ao apelo internacional, as Fundações Gates, Wellcome e Novo Nordisk criaram o programa Global Grand Challenges Gr-ADI (Gram-Negative Antibiotic Discovery Innovator), focado em acelerar descobertas de antibióticos voltados a bactérias gram-negativas resistentes. O projeto brasileiro foi selecionado nessa chamada competitiva, consolidando-se como uma das apostas do consórcio para ampliar as alternativas terapêuticas disponíveis.
Equipe brasileira e instituições envolvidas
O núcleo do trabalho está formado por quatro pesquisadoras e pesquisadores ligados a instituições de referência no país. No Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) atuam Marisa Fabiana Nicolás, Isabella Alvim Guedes e Laurent Emmanuel Dardenne, profissionais com experiência em modelagem molecular e computação de alto desempenho. A componente clínica e microbiológica fica a cargo de Ana Cristina Gales, médica infectologista vinculada à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), especialista em resistência bacteriana.
A sinergia entre esses grupos permite integrar conhecimento computacional, genético e clínico em um fluxo único. Dessa forma, o projeto alinha competências complementares para cobrir todas as etapas do processo de inovação farmacêutica, do desenho do alvo terapêutico à validação experimental das moléculas propostas.
Quatro fases estruturadas para descoberta de fármacos
O desenho do estudo prevê etapas sequenciais e interdependentes:
1. Priorização de alvos terapêuticos
Os pesquisadores identificarão, entre os componentes biológicos de K. pneumoniae, aqueles imprescindíveis à sobrevivência do patógeno e, ao mesmo tempo, passíveis de serem inibidos por um fármaco.
2. Validação funcional e genética
Nessa fase, técnicas de biologia molecular confirmarão a relevância dos alvos escolhidos, testando como a interrupção de suas funções afeta o crescimento bacteriano.
3. Descoberta de compostos ativos
Com os alvos definidos, ferramentas de inteligência artificial e triagem virtual serão aplicadas para sugerir milhares de moléculas candidatas. O objetivo é encontrar estruturas químicas promissoras capaz de interagir com as proteínas essenciais da bactéria.
4. Validação experimental das substâncias
Por fim, ensaios laboratoriais avaliarão a atividade antimicrobiana dos compostos selecionados, verificando eficácia e seletividade contra as cepas resistentes.
Uso estratégico de inteligência artificial
Um dos pilares tecnológicos é a aplicação de modelos de inteligência artificial generativa desenvolvidos no próprio LNCC. Esses algoritmos trabalham com abordagem multiobjetivo, isto é, consideram simultaneamente diferentes requisitos de um fármaco, como potência contra o alvo, perfil de toxicidade e propriedades físico-químicas favoráveis ao desenvolvimento industrial. Ao processar vastos volumes de dados estruturais, a IA sugere novas moléculas que não constam em bancos de dados existentes, ampliando o espaço de busca por substâncias inovadoras.
Supercomputador Santos Dumont na análise de dados
Todas as etapas computacionais exigem capacidade de processamento massiva. Para cumprir essa exigência, o grupo utilizará o supercomputador Santos Dumont, instalado no LNCC. Reconhecido como o equipamento de maior potência dedicado à pesquisa científica na América Latina, o sistema permite executar cálculos de modelagem molecular, simulações dinâmicas e triagens virtuais em escalas que seriam inviáveis em laboratórios convencionais.
A integração entre IA e supercomputação reduz o tempo necessário para filtrar milhões de possibilidades químicas e chegar a conjuntos mais restritos, porém de alto potencial terapêutico. Essa aceleração é crucial diante da velocidade com que a resistência bacteriana progessa, pois encurta o intervalo entre a concepção e a testagem de candidatos a antibióticos.
Foco na Klebsiella pneumoniae
A escolha de K. pneumoniae como alvo primário deriva de sua relevância clínica e da escassez de opções terapêuticas eficazes. O patógeno é responsável por pneumonias graves, principalmente em ambientes hospitalares, além de infecções sistêmicas como septicemias. Também provoca infecções urinárias complexas e abscessos no fígado. A resistência múltipla da bactéria compromete antibióticos de última linha, elevando mortalidade, custos hospitalares e permanência de pacientes em unidades de terapia intensiva.
Potencial impacto e papel do Brasil
Segundo os integrantes do projeto, combinar a identificação de novos alvos moleculares com a geração de moléculas inéditas via IA representa a chave para viabilizar antibióticos de próxima geração. O Brasil, ao reunir infraestrutura de supercomputação, equipes qualificadas e participação em um programa internacional de financiamento, coloca-se em posição estratégica para contribuir com soluções à crise global da resistência.
A abordagem multidisciplinar adotada pelo consórcio brasileiro pode ainda abrir caminho para parcerias futuras, tanto com outras instituições nacionais como com centros estrangeiros, acelerando a transferência de conhecimento e a eventual produção em escala dos compostos descobertos. Caso os resultados se confirmem, o país poderá integrar o seleto grupo de produtores de moléculas originais capazes de enfrentar superbactérias, fortalecendo sua capacidade de resposta a emergências de saúde pública.
Próximos passos até o início das atividades
Embora a execução esteja programada para começar em dezembro de 2025, a equipe trabalha desde já em protocolos experimentais, organização de bases de dados e ajustes nos modelos de IA generativa. Esse planejamento prévio visa garantir início sem atrasos e permitir que cada fase transite para a seguinte de forma contínua.
Paralelamente, processos administrativos relativos ao financiamento asseguram recursos para manutenção de linhas de pesquisa, aquisição de reagentes e contratação de pessoal especializado. A expectativa é que o cronograma se mantenha coerente com as metas definidas pelo Global Grand Challenges Gr-ADI.
Desafios previstos
Os pesquisadores reconhecem que, mesmo com infraestrutura robusta, etapas críticas podem apresentar obstáculos. A triagem virtual precisa equilibrar precisão e velocidade, evitando descartar moléculas que poderiam se mostrar eficazes em ensaios biológicos. Já a validação experimental depende de cultivos de Klebsiella em condições controladas, o que exige protocolos de biossegurança rigorosos. Além disso, a passagem de resultados in vitro para modelos mais complexos é um gargalo natural no desenvolvimento de fármacos.
Visão de longo prazo
Ao final do ciclo de quatro fases, espera-se obter candidatos a antibióticos com comprovação preliminar de atividade contra K. pneumoniae. Tais resultados poderão fundamentar fases subsequentes, como estudos pré-clínicos de toxicologia e, futuramente, ensaios clínicos em humanos. A longo prazo, a iniciativa aspira contribuir para reduzir as projeções de mortalidade associadas à resistência, que hoje apontam para mais de 8 milhões de óbitos por ano até 2050.
Enquanto esse horizonte não chega, a combinação entre IA, supercomputação e colaboração internacional estabelece um modelo de pesquisa avançada capaz de responder, com agilidade, a um dos desafios mais urgentes da medicina contemporânea.
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