Injeção de enxofre na estratosfera pode desencadear impactos climáticos abrangentes, indica novo estudo

Bloquear parte da radiação solar com aerossóis de enxofre tem sido apresentado como um caminho rápido para frear, ainda que temporariamente, o avanço do aquecimento global. Um estudo publicado na revista Scientific Reports, entretanto, indica que essa técnica de geoengenharia pode produzir consequências climáticas complexas e potencialmente graves em escala planetária.
- Origem da proposta de resfriamento artificial
- Quem assina a nova pesquisa e quando foi divulgada
- Objetivos e métodos adotados pelos cientistas
- Monte Pinatubo: o experimento natural que inspira a geoengenharia
- Alterações na estratosfera e perda de ozônio
- Limitações dos modelos climáticos e incerteza nos resultados
- Distribuição desigual de partículas: cenários possíveis
- Da estratosfera ao solo: formação de chuvas ácidas
- Desafios logísticos e tecnológicos da injeção contínua
- Materiais alternativos ao enxofre: escassez e eficácia limitada
- Ausência de solução segura ou pronta para uso
Origem da proposta de resfriamento artificial
A ideia central consiste em liberar partículas de dióxido de enxofre na estratosfera, faixa atmosférica situada entre aproximadamente 12 e 50 quilômetros de altitude. Essas partículas refletiriam frações da luz solar de volta ao espaço, reduzindo a quantidade de energia que chega à superfície. O mecanismo lembra processos naturais já observados após erupções vulcânicas explosivas, que lançam grandes volumes de aerossóis nessa mesma camada da atmosfera.
Quem assina a nova pesquisa e quando foi divulgada
O trabalho foi conduzido por uma equipe de pesquisadores vinculados à Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e recebeu divulgação na última terça-feira, 21, na revista Scientific Reports. O grupo concentra especialistas em aerossóis atmosféricos, climatologia e engenharia ambiental, todos focados em avaliar implicações de intervenções deliberadas nos sistemas terrestres.
Objetivos e métodos adotados pelos cientistas
Os autores revisaram dados de observações históricas, compararam diferentes modelos climáticos e analisaram limitações práticas de programas de injeção contínua de aerossóis. O objetivo foi estimar a amplitude de alterações possíveis em regimes de circulação atmosférica, química estratosférica e padrões regionais de chuva.
Monte Pinatubo: o experimento natural que inspira a geoengenharia
A erupção do Monte Pinatubo, nas Filipinas, ocorrida em 1991, liberou mais de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre na estratosfera. Registros do Serviço Geológico dos Estados Unidos mostram que, nos meses seguintes, a temperatura média global caiu cerca de 0,5 °C. Esse resfriamento alimentou o interesse por estratégias artificiais de escurecimento do céu. No entanto, dois anos depois da erupção, observou-se um desarranjo significativo no sistema de monções que abastece de chuvas a Índia e parte do sul da Ásia, sinalizando que o benefício térmico veio acompanhado de perturbações hidrológicas.
Alterações na estratosfera e perda de ozônio
Além de resfriar a superfície, o dióxido de enxofre pode elevar a temperatura da própria estratosfera. Esse aquecimento estratosférico acelera reações químicas que destroem a camada de ozônio, responsável por filtrar a radiação ultravioleta prejudicial à vida. O novo estudo reforça a ligação entre a presença prolongada de aerossóis sulfurosos e a intensificação desses processos de degradação.
Limitações dos modelos climáticos e incerteza nos resultados
Os autores destacam que modelos de computador frequentemente simplificam a dinâmica atmosférica e a química de aerossóis. As simulações tendem a subestimar variabilidades regionais, características das nuvens e interações entre partículas e gotículas de água. Essas simplificações geram incertezas significativas, tornando difícil prever de forma confiável quais regiões sofreriam eventos extremos de seca, inundação ou alterações de temperatura.
Distribuição desigual de partículas: cenários possíveis
O estudo descreve dois cenários de acúmulo de aerossóis:
1. Concentração próxima ao Equador
Caso os aerossóis se concentrem em latitudes equatoriais, os sistemas de circulação atmosférica que transportam calor dos trópicos para latitudes mais altas podem ser perturbados. A consequência imediata seria a redistribuição de energia em todo o planeta, afetando regimes de vento e de chuva.
2. Concentração nos polos
Se a maior parte do material for lançada em regiões de alta latitude, a pesquisa indica risco de desequilíbrio nos sistemas de monções tropicais. O deslocamento desses sistemas impactaria bilhões de pessoas que dependem de padrões sazonais regulares para agricultura e abastecimento de água.
Da estratosfera ao solo: formação de chuvas ácidas
À medida que os aerossóis descem, eles reagem com o vapor d’água nas nuvens. O resultado dessa reação produz ácido sulfúrico, que retorna à superfície na forma de chuva ácida. Esse processo corrói solo, vegetação, edificações e é nocivo à saúde humana, reforçando a cadeia de impactos negativos associada à proposta.
Desafios logísticos e tecnológicos da injeção contínua
Para manter uma camada reflexiva eficaz, seria necessário realizar injeções regulares de grandes volumes de partículas ano após ano. O estudo frisa que muitos debates acadêmicos ignoram as dificuldades técnicas de atingir taxas tão altas de liberação contínua sem interrupção. Entre as barreiras listadas estão:
• Operação de frotas de aeronaves ou balões capazes de alcançar a estratosfera;
• Custos financeiros ligados à produção e ao transporte do material;
• Manutenção de suprimentos suficientes de compostos aerossóis em longo prazo.
Materiais alternativos ao enxofre: escassez e eficácia limitada
Alguns pesquisadores vêm sugerindo partículas de diamante, zircônia cúbica ou titânia rutílica como substitutos por apresentarem alto poder de reflexão da luz. O novo estudo observa, contudo, que esses materiais são raros na natureza, exigem processos industriais caros e demandariam volumes grande parte inacessíveis para uso planetário. Opções abundantes, como carbonato de cálcio e alfa-alumina, dispersam-se com maior dificuldade na estratosfera, reduzindo a eficiência de bloqueio solar. Em ambas as categorias, portanto, persistem obstáculos de custo, disponibilidade e desempenho.
Ausência de solução segura ou pronta para uso
Com base na análise de dados históricos, na revisão de modelagens e na avaliação da viabilidade de diferentes substâncias, o grupo de pesquisa concluiu que não existe, no momento, um método de modificação artificial do clima que reúna eficácia, segurança química e sustentabilidade logística. A recomendação implícita nos resultados é que qualquer programa de geoengenharia baseado em aerossóis deve considerar as amplas zonas de incerteza identificadas, evitando a adoção apressada de uma tecnologia cujos riscos não estão totalmente mapeados.
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